O que é 'woke' e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA:

palavra 'woke'frente a uma bandeira dos EUA

Crédito, Getty Images

"Acordei." Este é o significado literal da palavra "woke", passado do verbo wake, que significa "acordar, despertar".

Recentemente, no entanto, o termo ganhou significados bem mais amplos. Na gíria norte-americana, ser ou estar "woke" pode indicar com quais posturas políticas você mais se identifica.

O uso do termo "woke" surgiu na comunidade afro-americana. Originalmente, ele queria dizer "estar alerta para a injustiça racial".

"Muitas pessoas acreditam que quem o cunhou foi (o romancista) William Melvin Kelley (1937-2017)", afirma Elijah Watson, editornotícias e cultura do websitemúsica norte-americana Okayplayer e autoruma sérieartigos sobre a origem do termo "woke".

Pule Matérias recomendadas e continue lendo
Matérias recomendadas
de :Temos os melhores relatórios de previsão, você está convidado a participar

gos locais e móveis ao vivo, NFL RedZone, Rede NFL, áudio jogo ao ao tempo livre,

lays games e 🍇 conteúdo sob demanda {k0} dois níveis preços: NFL+ e NFL Plus

abrir conta no betano

l Clsico Em {k0} LaLiga no sábado graças a uma cinta do segundo tempo do artilheiro

erior Jude Bellingham que 🧾 continua a impressionar com sua forma soberba. O real Madrid

Fim do Matérias recomendadas

Em 1962, Kelley publicou um artigo no jornal The New York Times com o título If You're Woke, You Dig it ("Se você estiver acordado, entenderá",tradução livre), segundo Watson.

O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra as pessoas afrodescendentes. Mas, desta vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo.

Até que,2017, o dicionário inglês Oxford acrescentou este novo significadowoke, definido como: "estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo".

Parece algo positivo, certo? Mas isso depende da pessoa a quem se faz essa pergunta.

cartaz com os dizeres: ''Seja 'Woke'. Vote''.

Crédito, Getty Images

Pule Novo podcast investigativo: A Raposa e continue lendo
Novo podcast investigativo: A Raposa

Uma toneladacocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês

Episódios

Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa

Assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém woke, ou atento contra a discriminação e a injustiça, outros utilizam o termo como insulto.

O próprio dicionário Oxford faz esta distinção. Após a definição, ele acrescenta: "esta palavra é frequentemente empregada com desaprovação por pessoas que pensam que outros se incomodam muito facilmente com estes assuntos, ou falam demais sobre eles, sem promover nenhuma mudança".

Segundo o dicionário americano Merriam-Webster, o termo é usado com desaprovação para referir-se a alguém politicamente liberal (em temas como justiça racial e social), especialmenteforma considerada insensata ou extremista.

Ou seja, para algumas pessoas, ser "woke" é ter consciência social e racial, questionando paradigmas e normas opressores historicamente impostos pela sociedade. Já para outros, o termo descreve hipócritas que acreditam que são moralmente superiores e querem impor suas ideias progressistas sobre os demais.

Os críticos da cultura "woke" questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam ser "policiais da linguagem" — sobretudoexpressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas.

Um método que vem gerando muito mal estar é o "cancelamento": o boicote social e profissional, normalmente realizado por meio das redes sociais, contra indivíduos que cometeram ou disseram algo que, para eles, é intolerável.

Para as pessoas "woke", trata-seuma formaprotesto não violento que permite empoderar grupos historicamente marginalizados da sociedade e corrigir comportamentos, especialmente nos setores mais privilegiados que, até agora, eram parte do status quo e persistiam sem punição, nem mudança.

Mas os críticos afirmam que o cancelamento é a correção política levada ao extremo e que ele atenta contra a liberdadeexpressão e "os valores tradicionais norte-americanos".

Batalha política

debate entre Trump e Biden

Crédito, Reuters

Legenda da foto, O ex-presidente americano Donald Trump é o maior crítico da cultura 'woke', que ele associa ao atual mandatário, Joe Biden

O que começou como um choque cultural foi se transformandoum enfrentamento político.

O termo "woke" tornou-se sinônimopolíticas liberais ouesquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o usopronomesgênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto.

São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal, que inclui políticos americanos como os congressistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.

Por outro lado, a ala mais extrema do Partido Republicano, liderada pelo ex-presidente americano Donald Trump, acredita que essas políticas representam não só uma ameaça aos "valores da família", mas também à própria democracia, que se pretenderia "substituir por uma tirania woke".

Em 2020, um dos eixos centrais da campanha para a reeleiçãoTrump foi combater os chamados woke lefties ("esquerdistas despertos") que, segundo ele, praticam o "fascismo da extrema esquerda".

O então presidente afirmou que a "cultura do cancelamento" estava "expulsando as pessoas dos seus trabalhos, envergonhando os dissidentes e exigindo a total submissãoqualquer pessoa que não estejaacordo".

"É a própria definiçãototalitarismo", acusou o líder republicano.

Já para os democratas, o autoritário é Trump, algo que, segundo eles, ficou demonstrado quando ele se recusou a deixar o poder apósderrota eleitoral e seus simpatizantes invadiram o Capitólio.

Longeequilibrar o debate, os dois primeiros anos do governo Biden aprofundaram a polarização entre os dois setores. Segundo o centropesquisas norte-americano Pew Research Center, "hoje, os democratas e os republicanos estão ideologicamente mais afastados do quequalquer outro momento nos últimos 50 anos".

E uma pesquisa realizadasetembro pela redeTV CBS demonstrou que quase a metade dos membrosambos os partidos considera o outro não como um opositor político, mas como um "inimigo".

Trump

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Trump falou sobre a 'cultura woke' na última Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC, na siglainglês)

Eleições

Antes da eleição presidencial dos EUA2024, a discussão sobre o termo já tinha sido debate no campo eleitoral.

As diferenças ideológicas ganharam forças às vésperas das eleições legislativas americanas2022, conhecidas como eleiçõesmeiomandato (midterm,inglês).

Durante a campanha eleitoral, muitos partidáriosTrump voltaram a alertar sobre os supostos perigos do chamado "wokeísmo" democrata.

"Você pode perder o seu trabalho. Pode ser rejeitado na arena pública americana nas redes sociais. Pode ser perseguido na rua. Podem atirar coisasvocê. Você pode ser agredido fisicamente (como ocorreu ao escritor) Salman Rushdie. Pode ser apunhalado na garganta se eles não concordarem com você", afirmou recentemente na redeTV Fox News a comentarista política conservadora Tammy Bruce.

Muitos democratas criticam esse tipoafirmação, destacando que se trataretórica alarmistabuscavotos.

"A cada eleição, (os republicanos) inventam um novo bicho-papão,veztentar resolver problemas e melhorar a vida das pessoas", criticou o democrata Charlie Crist, à rede CBS News.

Ron DeSantis, governador da Flórida, é um dos republicanos que mais ressaltam os supostos perigos da cultura "woke" dos seus rivais. Nos seus discursos, ele costuma repetir que "woke é a nova religião da esquerda".

Neste contexto, alguns democratas — especialmente os mais moderados — alertaram que o chamado "wokeísmo" está prejudicando seu partido, fornecendo armas para que os republicanos os ataquem.

"O woke é um problema e todos (do Partido Democrata) sabem disso", afirmou o consultor político democrata James Carville, que liderou a vitoriosa campanha presidencialBill Clinton nos anos 1990, ao site Vox.

Para Carville, o problema são algumas das propostas mais extremistas que excluem os setores conservadores da sociedade e são usadas pelos trumpistas para assustar o eleitorado.

Como exemplo, ele mencionou a iniciativa para "retirar o financiamento da polícia" e usar esses fundos para programasajuda comunitária. Essa ideia surgiu após o assassinatoGeorge Floyd2020 e procura pôr fim ao chamado "racismo sistêmico nas forçassegurança".

Embora muitos democratas, incluindo o presidente Biden, tenham se manifestado contra essa ideia, alguns a apoiaram, o que fez com que diversos candidatos republicanos associassem todo o partido à proposta, que é impopular entre grande parte da população.

Obama e AOC

A cultura "woke" também gerou críticas internas na liderança do Partido Democrata. E um dos seus detratores mais famosos e ativos é o ex-presidente Barack Obama.

Obama

Crédito, EPA-EFE

Legenda da foto, O ex-presidente americano Barack Obama: 'Se tudo o que você faz é atirar pedras, provavelmente não irá muito longe'

Em 2019, às vésperas da escolhaJoe Biden como o candidato democrata para as eleições presidenciais do ano seguinte, Obama criticou que especialmente os mais jovens estivessem se concentrandoverificar o grauwokeness de cada pessoa.

Ele se manifestou depois que diversos pré-candidatos democratas foram forçados a pedir desculpaspúblico por declarações feitas no passado.

"Tenho a sensaçãoque alguns jovens nas redes sociais acreditam que a formagerar mudanças é julgar as outras pessoas o máximo possível", afirmou o ex-presidente durante um encontro anual da Fundação Obama.

"Se eu posto um tuíte ou publico uma hashtag sobre como você não fez algo direito ou usou o verbo incorreto, posso sentar-me e me sentir muito bem comigo mesmo: 'Viu como fui woke? Peguei você!'", afirmou Obama.

"Chega! Se tudo o que você faz é atirar pedras, provavelmente não irá muito longe", acrescentou ele. "O mundo é desordenado. Existem ambiguidades. As pessoas que fazem coisas muito boas têm defeitos."

Mas a legisladora mais jovem da Câmara dos Representantes, a carismática democrata Alexandria Ocasio-Cortez, saiudefesa do "wokeísmo".

AOC, como é conhecida, destacou que, se o partido se saísse mal nas eleições daquele ano, teria sido porque o Congresso não conseguiu aprovar leis sobre o direito ao voto, uma das causas emblemáticas dos ativistas "woke".

alexandria Ocasio-Cortez

Crédito, EPA

Legenda da foto, Os democratas mais jovens, como a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, são os que mais alimentam a chamada cultura 'woke'

"Woke é um termo que os especialistas vêm usando como eufemismo pejorativodireitos civis e justiça", publicou ela naconta no Xnovembro2021.

"Inventar um problema woke tem como resultado colocarsegundo plano os direitos civis evoto", alerta AOC. "Em um anoque os legislativos estaduais estão planejando maiorias republicanas e supressãoeleitores, isso é perigoso."

'Capitalismo woke'

Os debates sobre o "wokeísmo" não dominam apenas a agenda política e cultural americana. Eles também ingressaram no mundo empresarial.

Algumas empresas passaram a ser atacadas nos últimos anos ao adotarem mudanças que são interpretadas — para o bem ou para o mal — como "woke".

Um caso conhecido é o da Gillette, que gerou polêmica2019 com uma publicidade chamada "o melhor que os homens podem ser", criticando comportamentos masculinos tóxicos, como o bullying, o assédio sexual e o sexismo.

O anúncio foi aplaudido por muitos, mas também chegou a tornar-se um dos vídeos mais reprovados do YouTube, provocando um boicote contra a fabricantelâminasbarbear.

O golpe econômico sofrido pela dona da empresa, a Procter & Gamble, levou à criaçãoum meme que se popularizou entre a direita: "Get woke, go broke" ("vire woke, vá à falência").

Nos últimos tempos, a empresa que recebeu mais elogios e críticas por ser considerada woke é a Disney.

personagem Mickey usadoprotesto republicano

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A Disney pode perder os direitos autorais sobre o personagem Mickey2024, após adotar políticas consideradas 'woke' pelos republicanos

Em abril2022, o governador DeSantis assinou uma lei para retirar o status legal especial da Walt Disney Company, que retira o status especial da empresa no Estado da Flórida. E legisladores republicanos advertiram que não aprovariam a prorrogação dos direitos autorais da Disney sobre o seu principal personagem, Mickey.

Tudo isso se deurepresália à oposição dos executivos da empresa a uma lei que proíbe aulas sobre sexualidade, orientação sexual e diversidadegênero nas escolas primárias da Flórida, apelidada pelos críticoslei "Não Diga Gay".

Pressionada pelos funcionários que protestaram e deflagraram greve frente ao silêncio inicial da empresa, a Disney publicou um comunicado contrário a essa norma.

"Nossos funcionários veem o poder desta grande empresa como uma oportunidadefazer o bem. Estouacordo", disse, na época, o diretor-executivo (CEO) da Disney, Bob Chapek.

A empresa também foi acusada por alguns setores conservadores"fazer ativismo woke", quando escolheu uma atriz negra como protagonista da nova versão do clássico A Pequena Sereia.

No desenho original, a personagem Ariel (baseada no contofadasHans Christian Andersen) é retratada como uma sereiapele branca e olhos azuis (Ariel é ruiva nas duas versões).

Por outro lado, a escolhauma atrizpele negra foi elogiada por muitas vozes que não só se sentiram representadas, mas também consideram que, como as sereias são personagens mitológicos, elas podem ter qualquer corpele.

DeSantis e outros republicanos também criticaram as empresas que priorizam os investimentos com impacto ambiental, social egovernança (ESG, na siglainglês), classificando-as como "capitalismo woke".