O extraordinário conceito do nada que levou à invenção do zero:luvabet

Ilustração medieval do encontroluvabetAlexandre Magno com os gimnosofistas (c. 1420)
Legenda da foto, Ilustração medieval do encontroluvabetAlexandre Magno com os gimnosofistas (por voltaluvabet1420)

"Conquistando o mundo", respondeu Alexandre.

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Os dois riram, cada um achando que o outro era um tolo que estava desperdiçandoluvabetvida.

Quem conta essa história é o renomado mitólogo indiano Devdutt Pattanaik, para ilustrar as diferenças entre a cultura indiana e a ocidental — e também para mostrar como a Índia estava filosoficamente aberta para o conceito do nada, muito antesluvabetser escrito o primeiro número zero.

Fogo

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As três grandes religiões da Índia antiga — o budismo, o hinduísmo e o jainismo — mantinham um extraordinário enfoque sobre números.

A matemática indiana remonta ao período védico (perto do ano 800 a.C.), quando a prática religiosa exigia cálculos bastante sofisticados.

Naquela época, os rituais eram parte importante da vida das pessoas. E a construçãoluvabetaltaresluvabetfogo era regida por especificações precisas, detalhadas nos Śulbasūtras, os textos científicos mais antigos da Índia.

Escritos entre 800 a.C. e 200 a.C., os Śulbasūtras contêm, entre outras coisas:

- Conversõesluvabetfiguras geométricas, como do quadrado para o círculo ou do retângulo para o quadrado, mantendo as mesmas áreas. Para isso, foi preciso calcular o valor do número pi (π);

- O cálculo da raiz quadradaluvabet2 (√2), o número irracional que viria a ameaçar a filosofia pitagórica;

- E, falandoluvabetPitágoras, os escritos indianos já incluíam o teorema que acabou levando seu nome, 200 anos antes do nascimento do filósofo e matemático grego.

Gigantes

Alémluvabetestarem adiantados na geometria, os indianos desenvolveram uma obsessão única no mundo antigo por números gigantescos.

Na Grécia, o número mais alto era a miríade, que representava 10 mil. Mas a Índia chegou aos trilhões, quatrilhões e mais além. E vestígios dessa antiga paixão pelo inviavelmente grande permanecem vivos até hoje.

"Números muito grandes fazem parte das conversas", diz o matemático indiano Shrikirshna G. Dani.

"Por exemplo, se faloluvabet'padartha' sem explicar, quase todo mundo entende.”

Padartha?

"É 10¹⁷ — 1 seguido por 17 zeros [100.000.000.000.000.000, ou 100 quatrilhões] — e significa literalmente 'a meio caminho do céu'", esclarece o professor.

"E, na tradição budista, os números iam muito mais além: 10⁵³ é um deles."

Mas qual o motivo desses números? Eles eram usados para alguma coisa?

"Não existe nenhuma razão prática óbvia", afirma Dani.

"Acredito que exista um certo tipoluvabetsatisfação que as pessoas obtêm quando pensam neste tipoluvabetnúmero."

Escritos do Śulbasūtra
Legenda da foto, No 'Śulbasūtra', Baudhayana (por voltaluvabet800-700 a.C.) escreveu os valoresluvabetπ e √2, alémluvabetum teorema muito parecido com oluvabetPitágoras

E que razão melhor do que a satisfação!

Os jainistas também não ficavam para trás. Raju, por exemplo, é a distância percorrida por um deusluvabetseis meses, depoisluvabetpercorrer 100 mil yojanas a cada abrir e fecharluvabetolhos.

Provavelmente essa explicação não te diz nada, mas fazendo um cálculo aproximado, se um deus piscar os olhos 10 vezes por segundo, ele percorre cercaluvabet15 anos-luz.

Nenhum texto religioso ocidental menciona algum valor próximo a esse.

E, como se não bastasse, os indianos contemplaram e classificaram diversas variedadesluvabetinfinito, o que foi fundamental para desenvolver o pensamento matemático abstrato dois milênios depois.

Do nada para o zero

É claro que, para imaginar tamanha quantidadeluvabetzeros, era preciso inventá-lo primeiro.

A noçãoluvabetvazio já era presenteluvabetdiversas culturas. Os maias e os babilônios, por exemplo, usavam marcadoresluvabetausêncialuvabetquantidade. Mas os indianos foram os que transformaram essa ausêncialuvabet0, chamando-a de shunya (“vazio”,luvabetsânscrito).

Dar um símbolo para o nada, dizendo,luvabetoutras palavras, que nada era alguma coisa, talvez tenha sido o maior salto conceitual da história da matemática.

Mas quando esse salto aconteceu?

Até poucos anos atrás, o zero mais antigo já encontrado era o que apareceluvabetuma parede do templo do forteluvabetGwalior, no centro da Índia. Ele dataluvabet875. Naquela época, o zero já eraluvabetuso comum na região.

Masluvabet2017, especialistas dataram um antigo pergaminho indiano conhecido como manuscrito Bhakshali, descobertoluvabet1881, como tendo sido escrito nos séculos 3 ou 4, e esse passou a ser o registro mais antigoluvabetum zero. Muitos especialistas, entretanto, contestam a datação.

De qualquer forma, até onde sabemos, os astrônomos e matemáticos indianos Aryabhata, nascidoluvabet476, e Brahmagupta, nascidoluvabet598, foram os primeiros a descrever formalmente as casas decimais modernas e as regras atuais que regem o uso do número zero, demonstrandoluvabetincrível utilidade.

Superior a todos os demais pela forma como facilitava os cálculos, o sistema numérico indiano se espalhou, primeiro pelo Oriente Médio, para depois chegar à Europa e ao resto do mundo, até se tornar o sistema dominante.

Mas por que o zero se originou na Índia? Foi só para escrever grandes números, ou havia outras forças espirituaisluvabetjogo?

Arquitetura indiana

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Nos manuais arquitetônicos indianos, o espaço vazio das construções era mais importante do que as paredes

Nirvana

Zero

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O círculo, símbolo do céu e do vazio, acabou sendo escolhido para indicar o zero

"O interessante é que existe uma grande quantidadeluvabetshunya surgindoluvabettoda parte. Estava por aí desde aproximadamente 300 a.C.", segundo o historiador da matemática George Gheverghese Joseph.

Ele destaca que o shunya estava presenteluvabet"manuais arquitetônicos, dizendo que o importante não eram as paredes, mas o espaço entre elas", e até "na crença existente no budismo, no jainismo e na base da religião védicao,luvabetque você precisa alcançar um estado específico chamado nirvana, no qual tudo é apagado".

"Era um ambiente muito fértil para que alguém, cujo nome não conhecemos, percebesse que esse conceito filosófico e cultural também seria útil no sentido matemático", afirma o historiador.

Para a matemática Renu Jain, vice-chanceler da Universidade Devi Ahilya Vishwadivyalaya, na Índia, não existe dúvidaluvabetque a ideia espiritual do nada inspirou a ideia matemática do zero.

"Zero não indica nada, mas, na Índia, ele é derivado do conceitoluvabetshunya, uma espécieluvabetsalvação, o ápice qualitativo da humanidade,luvabetcerto sentido", explica.

"Quando todos os nossos desejos são atendidos, não temos nenhum desejo e, então, vamos para o nirvana ou shunya."

Ou seja, o nada é o todo.

Na verdade, o próprio uso do círculo para designar o zero pode ter origens religiosas.

"O círculo também simboliza o céu", observa a historiadora da matemática indiana Kim Plofker.

"Muitas das palavras usadas para codificar verbalmente o zeroluvabetsânscrito significam céu ou vazio. Por isso, como o céu é representado pelo círculo dos céus, este é um símbolo muito apropriado para o zero", explica.

"Segundo as religiões da Índia, o universo nasceu do nada, e o nada é o objetivo final da humanidade", afirmou o matemático Marcus du Sautoy no episódio The Genius of the East ("O gênio do Oriente") da sérieluvabetTV Story of Maths ("História da matemática"), da BBC.

"Por isso, talvez não seja surpreendente que uma cultura que acolheu o vazio com tanto entusiasmo pudesse acomodar sem problemas a noção do zero", segundo ele.

Nunca poderemos afirmar com total certeza, mas, a julgar pelas opiniõesluvabetdiversos especialistas, é provável que algo na sabedoria espiritual da Índia tenha levado à invenção do zero.

Reprodução do zero na antiguidade
Legenda da foto, Até poucos anos atrás, o zero mais antigo já encontrado era o que apareceluvabetuma parede do templo do forteluvabetGwalior, no centro da Índia, datadoluvabet875

E existe ainda outra ideia relacionada ao zero e ao vazio que teve um impacto profundo no mundo moderno.

Os computadores funcionam segundo o princípioluvabetdois estados possíveis: ligado e desligado. Ao ligado, atribui-se o valor 1; e, ao desligado, 0.

"Talvez não surpreenda que o sistemaluvabetnúmeros binários também tenha sido inventado na Índia, nos séculos 2 ou 3 antesluvabetCristo, por um musicólogo chamado Pingala, apesarluvabetseu uso ser para a métrica", afirmou o historiadorluvabetciência e astronomia Subhash Kak à jornalista Mariellen Ward, da BBC Travel.

E pensar que tudo nasceu na Índia... do nada!

luvabet Ouça o programa da BBC Rádio 4 " luvabet Nirvana by Numbers luvabet " (em inglês), que deu origem a esta reportagem, no site luvabet BBC Sounds luvabet .