Por que Brasil e EUA ficaram tão diferentes? Curso na Universidadefreebet ugandaChicago tenta explicar:freebet uganda

Pintura do desembarquefreebet ugandaCabralfreebet ugandaPorto Seguro

Crédito, Oscar Pereira da Silva

Legenda da foto, Para pesquisadora, chave para entender os contrastes entre os dois países não está no tipofreebet ugandacolonização

Em 18 aulas, o programa é uma imersão na história brasileira, passando pelo período colonial e o regime escravista à industrialização e formação das grandes cidades. Entre as leituras obrigatórias há desde clássicos da literatura, como Vidas Secas,freebet ugandaGraciliano Ramos, até autores fundamentais para entender o Brasil, como Sérgio Buarquefreebet ugandaHolanda (O Homem Cordial) e Celso Furtado (Formação Econômica do Brasil).

A BBC News Brasil conversou sobre alguns desses temas com a professora, que é Ph.D pela Universidadefreebet ugandaHarvard e foi diretora do Centrofreebet ugandaEstudos para a América Latina da Universidadefreebet ugandaChicago entre 2015 e 2020.

Mapa Província do Brasil,freebet uganda1666,freebet ugandaautoriafreebet ugandaJoão Teixeira Albernaz II

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Disciplina aborda desde o período colonial até o Brasil moderno

Parecidos, mas tão diferentes

De forma geral, as comparações entre Brasil e Estados Unidos costumam ser permeadas por generalizações e exageros que colocam os dois paísesfreebet ugandapolos opostos que muitas vezes não existem, avalia Fischer.

É o que a historiadora chamafreebet uganda"ideias hiper-reais" - algo que nunca existiufreebet ugandafato, mas acaba sendo colocado no debate como a essênciafreebet ugandaum determinado conceito.

Uma dessas "ideias hiper-reais" seria justamente a razão que levou Brasil e EUA a se tornarem nações tão diferentes, apesar das semelhanças estruturais. No Brasil, muita gente reproduz a ideiafreebet ugandaque a explicação está centrada no tipofreebet ugandacolonização a que os dois países foram submetidos - a portuguesa, implantada no Brasil, teria sido mais brutal e restritiva, enquanto a inglesa, levada aos EUA, teria dado aos americanos maior graufreebet ugandaliberdade, usado para desenvolver instituições e uma democracia mais sólidas. Uma divergência que teria selado o destino dos dois países.

"Acho que uma das coisas com as quais a gente se depara no Brasil, mesmo entre pessoas com maior escolaridade, é essa 'ideia hiper-real' do que são os Estados Unidos. (A questão da colonização) é exatamente isso, mas os historiadores americanos não pensam mais dessa forma sobrefreebet ugandahistória."

O que explica então as diferenças tão profundas?

Para Fischer, uma das razões remonta ao século 19 e tem uma ligação estreita com "as relações entre indivíduos e os direitosfreebet ugandacidadania".

Em ambos os países, ela diz, a escravidão foi brutal, "algo que, moralmente, não deveria ter sido institucionalizado". O Brasil, contudo, viveu uma situação particular depoisfreebet uganda1831, quando o tráficofreebet ugandaescravizados foi proibido por lei - mas não acabou na prática.

"A partir daí, a elite e o Estado passam a conspirar para que a escravidão continuasse, ainda que ilegalmente. Entre 1831 e 1850 (ano da promulgação da Lei Eusébiofreebet ugandaQueiroz, que reafirmava a proibição ao tráfico), algo entre 700 mil e 800 mil pessoas foram trazidas ilegalmente para o Brasil para serem escravizadas. E toda a estrutura do Estado durante esses anos foi desenvolvida para ajudar as pessoas a contornar a lei."

"Acho que essa é uma diferença fundamental. Nos Estados Unidos, nós tendemos a legalizar as brutalidades. Tornamos legal a possibilidadefreebet ugandaque as pessoas andem armadas na rua, por exemplo. Então muitas das coisas que aparecem nos dois países acontecem dentro da lei nos EUA e fora da lei no Brasil", acrescenta.

"Acredito que isso,freebet ugandadiversas formas, ajudou a moldar a maneira como o país opera. Um dos pontos que argumento é que o poder informal se desenvolveu muito cedo no Brasil, para preservar a 'casa grande' (termo usado para se referir aos grandes proprietários rurais do Brasil colonial),freebet ugandaforma que muita gente simplesmente não tem acesso a direitos políticos e civis básicos ou tem acesso limitado a direitos econômicos e sociais, quando estes entramfreebet ugandacena."

Sem esses direitos básicos, a forma como essas pessoas que estão fora do círculo das elites têm acesso ao poder, porfreebet ugandavez, é fora da estrutura do Estado e da lei. "E acho que o fatofreebet ugandaque isso absorve uma fatia tão relevante das relaçõesfreebet ugandapoder no Brasil,freebet ugandacomparação ao que tradicionalmente se viu nos EUA, explica boa parte das divergências entre os dois países", conclui a professora.

Algumas dessas ideias estão na tesefreebet ugandadoutoradofreebet ugandaFischer, resultadofreebet ugandauma pesquisa na cidade do Riofreebet ugandaJaneiro, que ganhou no ano 2000 o Harvard University Gross Prize como melhor dissertaçãofreebet ugandaHistória. O trabalho virou livrofreebet uganda2010, publicado pela Stanford Press University e intitulado A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Riofreebet ugandaJaneiro ("Pobrezafreebet ugandaDireitos: Cidadania e Desigualdade no Riofreebet ugandaJaneiro do Século 20",freebet ugandatradução literal).

Escravos por Debret

Crédito, Jean-Baptiste Debret

Legenda da foto, Relações informaisfreebet ugandapoder ajudaram a moldar o Brasil, diz Fischer

O jeitinho brasileiro

Uma das ferramentasfreebet ugandaum paísfreebet ugandaque o poder informal tem muita relevância é justamente o "jeitinho brasileiro", que se relaciona com o conceito do "homem cordial"freebet ugandaSérgio Buarquefreebet ugandaHolanda, que está na bibliografia do curso ensinado por Fischer.

Na visão da historiadora, contudo, o "jeitinho" é outra "ideia hiper-real", uma espéciefreebet ugandaexagero, na medidafreebet ugandaque está longefreebet ugandaser uma exclusividade do Brasil.

"Quando há estudantes brasileiros nas minhas aulas, eles são os primeiros a mencionar o 'jeitinho' e dizer: 'Ah, nós somos bastante diferentes dos EUA!'. E aí o que eu tento fazer é mostrar as diversas maneiras pelas quais as pessoas nos Estados Unidos usam o 'jeitinho'. Não chamamosfreebet uganda'jeitinho', mas a ideiafreebet ugandaalguém tentar contornar as normas que não lhe favorecem é universal."

Fischer ilustra essa discussão com um comentário sobre o antropólogo Roberto da Matta, um dos "intérpretes do Brasil" mais lidos nos Estados Unidos, que chegou a escrever que o trânsito caótico no Brasil e o hábito dos motoristas brasileirosfreebet uganda"fechar" e "furar" são,freebet ugandacerta medida, reflexos do "jeitinho".

"Ele morava numa cidade pequenafreebet ugandaIndiana, onde viveu quando lecionava na [Universidade de] Notre Dame, e tinha essa ideiafreebet ugandaque nos EUA as pessoas respeitam as leisfreebet ugandatrânsito - mas, se você estiverfreebet ugandaqualquer grande cidade, vai ver que isso não é verdade. As pessoas atravessam fora da faixa o tempo todo, estão quebrando regras, vendendo produtos ilegalmente na rua… Todas essas coisas acontecemfreebet ugandatoda parte aqui, então é mais uma daquelas 'ideias hiper-reais'."

A diferença, ela diz, é muito mais uma questão sobre como um povo vê a si mesmo.

"Acho que tem a ver com a discussão sobre como a autopercepçãofreebet ugandauma naçãofreebet ugandafato acaba lhe dando forma. Se você é brasileiro, a ideiafreebet ugandaque o 'jeitinho' está no centro do seu mundo o legitima e o transformafreebet ugandaalgo que as pessoas estão dispostas a fazer com maior frequência."

"Aqui nos EUA, a ideia 'hiper-real' do que nos tornava diferentes era a lei e a ordem,freebet ugandaque nós seguimos as regras. Não era verdade, mas era como pensávamos sobre nós mesmos. Acho que isso começa a se desintegrar - nos EUA, mais e mais pessoas não confiam nas leis e no Estado. Mais pessoas não acham que a melhor formafreebet ugandaresolver seus problemas é respeitando as normas. A ideia do 'jeitinho' aqui tem cada vez mais se tornado senso comum, na forma como o tem sido há tanto tempo no Brasil."

Fotofreebet ugandaRevert Henry Klumb retrata lavadeiras na Tijuca por voltafreebet uganda1860

Crédito, Revert Henry Klumb/Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Lavadeiras na cidade do Rio por voltafreebet uganda1860: regimefreebet ugandaescravidão no Brasil tinha níveisfreebet ugandamobilidade maiores que dos EUA

O contraste na questão racial

Uma das diferenças mais complexas entre Brasil e EUA se dá no campo das relações raciais, destaca a professora. Apesarfreebet ugandaambos os países terem instituído sistemas brutaisfreebet ugandaescravidão, o Brasil passou por um processo intensofreebet ugandamiscigenação entre brancos, negros e índios, que não se viu na mesma medida nos EUA.

Um dos fatores que ajudam a explicar os contrastes, diz a historiadora, é a própria demografia. O Brasil recebeu um volume muito maiorfreebet ugandaafricanos escravizados, aproximadamente 5 milhões, ante cercafreebet uganda250 mil desembarcados nas 13 colônias que formariam os EUA, conforme a plataforma Slave Voyages, um grande bancofreebet ugandadados mantido por pesquisadores da Universidadefreebet ugandaEmory, nos EUA.

Isso foi determinante para que o Brasil se tornasse um paísfreebet ugandamaioria negra, que hoje corresponde a cercafreebet uganda50% da população, conforme a classificação do IBGE que reúne quem se declarou preto ou pardo no Censofreebet uganda2010. Nos EUA, ainda que haja regiões no sulfreebet ugandaque a população negra seja predominante, no país como um todo ela é minoria - algo entre 12% e 13% do total, atualmente.

"Acho que isso às vezes é minimizado", diz a professora, que se prepara para lançar o livro The Boundaries of Freedom: Slavery, Abolition, and the Making of Modern Brazil ("Os Limites da Liberdade: Escravidão, Abolição e a Construção do Brasil Moderno",freebet ugandatradução livre)freebet ugandacoautoria com a historiadora brasileira Keila Grinberg. Prevista para 2022, a obra é editada pela Cambridge University Press.

Com uma proporção elevadafreebet ugandapessoas escravizadas, foram diferentes os mecanismosfreebet ugandacontrole social colocadosfreebet ugandaprática no Brasil para manter o sistema escravista vivo durante três séculos. Ainda que fosse brutal e violento, ele incorporou, por exemplo, o instrumento das alforrias. Menos recorrentes nos EUA, aqui elas foram mais largamente utilizadas, concedidas não apenas pelos "senhoresfreebet ugandaescravos", mas compradas pelos próprios escravizados, por organizações abolicionistas efreebet ugandacaridade.

Outra diferença importante e que teria reflexos profundos na formação das relações raciais no Brasil foi a relativa mobilidade que corriafreebet ugandaparalelo à lógicafreebet ugandaviolência e sujeição que marcou o regime escravista.

No Brasil, um escravizado poderia passar a vida cortando cana-de-açúcar e ver seu filho trabalhando como escravo doméstico, exemplifica a historiadora. Ela lembra as obras do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que chegou a retratar uma espéciefreebet uganda"hierarquia" entre os escravizados que viviam no ambiente urbano.

Além dos escravizados que se dedicavam aos afazeres domésticos na casafreebet ugandaseus "senhores", havia, por exemplo, os escravosfreebet ugandaganho, que trabalhavam fora - como vendedores ambulantes ou prestando serviços a terceiros - e repassavam parte do que auferiam a seus proprietários. Pesquisas como a da historiadora Ynaê Lopes dos Santos, professorafreebet ugandaHistória das Américas na Universidade Federal Fluminense (UFF), apontam ainda que, no Riofreebet ugandaJaneiro do século 19, alguns escravizados chegavam a morar fora da casa dos "senhores",freebet ugandacortiços e imóveis alugados.

"Essa foi uma dimensão importante. Era um certo nívelfreebet ugandamobilidade que poderia ser conquistado sem um confronto aberto à instituição da escravidão", pontua Fischer.

Nos EUA, especialmente nas colônias do sul, essa mobilidade era praticamente inexistente e as tensões sociais, muitas vezes mais visíveis.

"A polarização era tão grande que não havia muita alternativa a não ser criar gruposfreebet ugandasolidariedade e eventualmente movimentos pelos direitos civis."

Pessoas escravizadas desembarcadas no Brasil e nos EUA. Total por intervalosfreebet uganda25 anos entre 1501 e 1875.  .

O caso da miscigenação à brasileira

Os EUA implementaram uma sériefreebet ugandanormas e leis racistas que desencorajavam a miscigenação. O casamento interracial, por exemplo, foi proibidofreebet ugandadiversas partes do país até 1967, quando uma lei do Estado da Virginia foi derrubada na Suprema Corte.

Outro exemplo prático foi a chamada "one drop rule" ("regrafreebet ugandauma gota",freebet ugandatradução literal), adotadafreebet ugandavários Estados: independentemente do fenótipo, um indivíduo com qualquer antepassadofreebet ugandaorigem africana era classificado como negro, com todas as implicações legais que isso acarretava no país. Nenhum outro grupo étnico era identificado dessa forma.

Já no Brasil, a miscigenação muitas vezes foi vista como instrumentofreebet ugandamobilidade social - e, nesse sentido, é fundamental para entender a forma particularfreebet ugandaracismo que se desenvolveu aqui, que se manifesta muitas vezesfreebet ugandaforma velada.

"Faço muita pesquisa com ações judiciais do século 19, e essa é uma das coisas mais dolorosas com as quais tenho que trabalhar como historiadora", comenta Fischer.

"Nesses processos você consegue ver todo tipofreebet ugandaestratégia que as pessoas usavam para tentar melhorar um pouco suas vidas. E uma das coisas que se pode observar são pessoas que tentavam clarear a pele dos filhos. Elas querem que os filhos sejam chamadosfreebet ugandapardos, alguns querem que eles sejam reconhecidos como brancos na certidãofreebet ugandanascimento. Há uma espéciefreebet ugandaracismo internalizado, que funcionafreebet ugandaforma parecida com a da mobilidade dentro do sistema escravista,freebet ugandaforma que não se confronta o racismo como sistema."

"Então você pode irfreebet ugandanegro, a pardo e branco, e o racismo ainda está completamente colocado - está sendo reforçado, na verdade."

Essas dinâmicas, completamente diferentes do racismo institucionalizado que se viafreebet ugandapaíses como EUA e África do Sul, culminam na "democracia racial", a ideiafreebet ugandaque não havia discriminação racial no Brasil, disseminada por teóricos como o sociólogo Gilberto Freyre, autorfreebet ugandaCasa Grande e Senzala, obra que reforça essa visão.

A historiadora comenta que a "ilusão" da democracia racial aparece inclusive na imprensa negra americana,freebet ugandaartigosfreebet ugandajornais como o Chicago Defender, que ela apresenta aos alunos no curso.

Jornalistas e sociólogos como W. E. B. Du Bois, ativista pelos direitos civis, vieram ao país no início do século 20, após a visita do presidente americano Theodore Roosevelt, e chegaram a escrever que o Brasil seria um exemplo a ser seguido no contexto das relações raciais.

"Você vê negros americanos dizendo: 'Olha, eu fui lá e vi médicos negros, políticos, Machadofreebet ugandaAssis, um grande escritor negro… O que eles não percebem é que essas pessoas não necessariamente são vistas como negras."

"E isso foi muito antesfreebet ugandaa ideia da democracia racial emergir mais formalmente no Brasil nos anos 1940."

Esse conceito seria desmistificado por intelectuais brasileiros como Abdias do Nascimento, ativista pelo direitos dos negros e que também faz parte da bibliografia do cursofreebet ugandaFischer, com a obra Brazil: Mixture or Massacre ("Brasil: Mistura ou Massacre"freebet ugandatradução livre).

De volta à questão do poder informal, a historiadora argumenta que ele é chave para entender o racismo no Brasil e é um dos instrumentos usados até hoje para reforçá-lo.

"Nos Estados Unidos, essa questão (sobre como o racismo é reforçado) tem um pouco mais a ver com o fatofreebet ugandaque as instituições são abertamente e claramente racistasfreebet ugandasuas práticas. É uma comparação interessante, porque, no fim do dia, se você é negro e pobre no Brasil, é baixa a probabilidade que você tenha acesso a direitos, e o mesmo vale para os EUA. Existe uma semelhançafreebet ugandarelação aos resultados, mas os caminhos para se chegar a eles são bem diferentes - e tentar entender isso pode trazer benefícios para os dois países."

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