Como viviam as pessoas escravizadas pela Igreja no Brasil:super wolf slot

Legenda do áudio, Em áudio: Como viviam as pessoas escravizadas pela Igreja no Brasil

Por outro lado, a libertação dos escravizados por mosteiros e conventos ocorreusuper wolf slot1871, 17 anos antes da assinatura da Lei Áurea,super wolf slot1888.

"Escravos da religião"

Autor do recém-lançado livro Escravos da Religião (Ed. Appris), pesquisador na Universidade Federal Fluminense (UFF) e idealizador do podcast Atlântico Negro, o historiador Vitor Hugo Monteiro Franco revira arquivos da Ordemsuper wolf slotSão Bento desde 2014.

O material foi temasuper wolf slotsua iniciação científica,super wolf slotsua monografiasuper wolf slotconclusãosuper wolf slotcurso,super wolf slotseu mestrado e, agora, está sendo esmiuçadosuper wolf slotseu doutorado.

"Uma das principais descobertas foi o próprio termo 'escravos da religião'", conta ele.

"Não foi um termo que eu criei. É um termo da época, que encontreisuper wolf slotlivrosuper wolf slotbatismos. Foi um choque para mim."

Na ocasião, ele estava analisando os registros dos nascidos no século 19super wolf slotpropriedade rural mantida pelos beneditinos na Baixada Fluminense, a Fazenda São Bentosuper wolf slotIguassú.

"Na horasuper wolf slotqualificar os pais, o monge não os qualificava como 'escravos da Ordemsuper wolf slotSão Bento', mas sim como 'escravos da religião'."

Para o pesquisador, residia aí uma diferença fundamental entre o modosuper wolf slotvida dos escravos mantidos por instituições religiosas: o fatosuper wolf sloto senhor não ser uma pessoa, mas sim uma entidade.

"Parece simples, mas não é. A situação geral da escravidão no Brasil ésuper wolf slotescravos privados,super wolf slotsenhores leigos. No caso dos 'da religião', eles não pertenciam a um monge específico, eramsuper wolf slotpropriedade coletiva. E isso teve repercussões na vida dessas pessoas para sempre, porque influenciava na forma, no dia a dia deles", diz o historiador.

Franco ressalta que o cotidiano desses negros escravizados estava "regulado" pelos hábitos religiosos do catolicismo e da vida monástica.

"Por mais que a sede dos religiosos estivesse no centro do Rio e a fazenda na Baixada Fluminense, sempre havia um monge cuidandosuper wolf slotlá. Era o chamado padre fazendeiro", contextualiza.

"Ele fazia o trabalho espiritual: batizava as pessoas, casava-as, sepultava-as. Os beneditinos eram um tiposuper wolf slotsenhor que conhece muito bemsuper wolf slotescravaria, anotando tudosuper wolf slotmuitos detalhes."

"Os monges conheciam cada momento, cada fase da vida dos seus escravizados. Por mais que as propriedades fossem enormes, eles tinham o controle administrativo sobre aquelas pessoas, ao contrário dos senhores leigos, que muitas vezes tinham um contato muito pequeno com os escravizados", compara.

"Isso dava (aos religiosos) um poder muito grande. Ser 'escravo da religião' significava tersuper wolf slotvida controlada por uma instituição religiosa", acrescentou Monteiro Franco.

Escravos participam da festasuper wolf slotSanta Rosália. “Fêtesuper wolf slotSte. Rosalie, Patrone des nègres”. Gravura contida na obra “Voyage pittoresque dans le Bresil”,super wolf slotJohann Moritz Rugendas e M.super wolf slotGolbery, 1835.

Crédito, Arquivo Nacional / Domínio Público

Legenda da foto, Em 1871, somente os beneditinos tinham um totalsuper wolf slot4 mil escravizados

E não era um rebanho pequeno para ser controlado. De acordo com as pesquisassuper wolf slotFranco, quando os religiosos emanciparam seus escravos,super wolf slot1871, somente os beneditinos tinham um totalsuper wolf slot4 mil escravizados.

"Eram três as principais ordens religiosas escravistas do Brasil: os jesuítas, os beneditinos e os carmelitas. Em menor escala, os franciscanos também", elenca.

A primazia da Companhiasuper wolf slotJesus foi até o século 18. Em 1759, contudo, os jesuítas foram expulsos do Brasil.

E aí os beneditinos assumiram essa posição. Durante o século 19, período analisado pela pesquisasuper wolf slotFranco, a Fazendasuper wolf slotIguassú costumava ter um número constantesuper wolf slotcercasuper wolf slot130 escravos.

"Destoava muito das outras fazendas da região,super wolf slotque haviasuper wolf slotmédia 10 escravos por senhor", afirma o pesquisador.

Mas essa propriedade não era a maior das beneditinas. Em Jacarepaguá, a fazenda dos religiosos tinha maissuper wolf slot300 escravos. Em Campos dos Goitacazes, 700.

"E essas são só as três maiores propriedades dos mongessuper wolf slotSão Bento", diz Franco. "É muita gente. Era a principal ordem escravista do Brasil. Eu nem considero a Ordemsuper wolf slotSão Bento uma grande proprietária [de escravos]. Era uma megaproprietária, estava acima dos grandes proprietários, era a elite da elite."

super wolf slot Incentivo super wolf slot à super wolf slot gravidez

Uma maneirasuper wolf slotgarantir a abundânciasuper wolf slotmãosuper wolf slotobra escrava era o incentivo que os monges davam para que as escravizadas tivessem muitos filhos.

"As mulheres que procriavam pelo menos seis filhos conseguiam privilégios, tais como não realizarem trabalhos 'penosos'", conta o historiador Robson Pedrosa Costa, autor do livro Os Escravos do Santo (Editora UFPE) e professor no Instituto Federalsuper wolf slotPernambuco e na Universidade Federalsuper wolf slotPernambuco (UFPE).

A partirsuper wolf slot1866, as mãessuper wolf slotpelo menos seis filhos passaram a ser a liberdade gratuita — desde que elas "estivessem devidamente casadas", pontua o historiador.

Mapa que situa a propriedade dos beneditinos na Baixada Fluminense

Crédito, Reprodução/ ‘Escravos da Religião’

Legenda da foto, Mapa que situa a propriedade dos beneditinos na Baixada Fluminense

Para os monges senhoressuper wolf slotescravos, religião era uma coisa, negócios eram outra. Pelo menos é o que fica clarosuper wolf slotoutro achado do historiador Monteiro Franco: nos registrossuper wolf slotbatismo, a maior parte das crianças era registrada como sendo filhosuper wolf slotmãe solteira.

Havia uma razão econômica para isso. "Até pouco tempo atrás se acreditava que as ordens religiosassuper wolf slotmaneira geral incentivavam o casamento por causa do valor cristão do matrimônio e também para um fatorsuper wolf slotincentivo da reprodução da comunidade escrava, do pontosuper wolf slotvista senhorial", pontua o pesquisador. "Mas o que encontrei foi a maior parte das mulheres como mães solteiras."

Segundo ele, isso não significa que essas mulheres não tivessem relacionamento estável ou que vivessem na promiscuidade.

A questão chave estava na propriedade da criança que nasceria dessa gravidez. Em casosuper wolf slotmãe e pai sacramentalmente unidos, poderia haver alguma discussão se o filho pertenceria ao senhor da mãe ou do pai.

Então, os beneditinos preferiam não oficializar relações estáveis quando as mulheressuper wolf slotsua fazenda tinham homenssuper wolf slotfazendas vizinhas.

Quando ambos eram da mesma propriedade, aí sim, o sacramento do matrimônio era concedido.

Tais condutas fizeram com que os beneditinos conseguissem manter um grande númerosuper wolf slotescravos no século 19, mesmo com a dificuldade, para os latifundiários escravocratas, decorrentes da Lei Eusébiosuper wolf slotQueirós — que, a partirsuper wolf slot1850, proibiu o tráfico negreiro.

"Estas instituições [religiosas] construíram, ao longo dos séculos, grandes corporações, muito semelhantes a grandes empresas pautadassuper wolf slotum complexo sistema organizacional", afirma Costa.

"No caso dos beneditinos, foi possível entender que a instituição foi capazsuper wolf slotconstruir um sistemasuper wolf slotgestão eficiente e duradouro, que garantiu o fornecimentosuper wolf slotescravos para as suas propriedades sem recorrerem ao tráfico."

"Claro que eles compraram escravos no século 19, mas foram poucos", completa o professor.

A estratégia consistiasuper wolf slotincentivar a procriação e a tentativasuper wolf slotmanutenção das famílias. "Eles evitavam ao máximo vender seus escravizados, principalmente a separaçãosuper wolf slotfamílias, uma instituição sagrada para os monges. Apenas os cativos considerados 'incorrigíveis' deveriam ser vendidos. Mas eles foram poucos. As famílias escravizadas eram extensas e duradouras. Isso garantia a perpetuação do quantitativosuper wolf slotescravos", explica Costa.

Alforrias

Prática relativamente comum entre escravizados no Brasil, a compra da liberdade era mais difícil para um "escravo da religião". Enquanto no caso daquele que servia a um senhor leigo bastava convencê-lo — com acordos e, muitas vezes, um valorsuper wolf slotdinheiro — no caso dos monges era preciso passar por um processo formal.

Capasuper wolf slot'Escravos da Religião', livrosuper wolf slotVitor Hugo Monteiro Franco

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, O historiador Vitor Hugo Monteiro Franco revira arquivos da Ordemsuper wolf slotSão Bento desde 2014 - foi assim que encontrou o termo "escravos da religião"

Aquele que pleiteava a alforria precisava fazer uma petição aos religiosos. Não havia negociação direta. "Estamos falandosuper wolf slotuma propriedade institucional", lembra o historiador Franco. "Não era simples. Os monges liam a petição e colocavam para votação, usando favas pretas para marcar as negativas e favas brancas para sinalizar positivo."

A partir da décadasuper wolf slot1850, a Ordemsuper wolf slotSão Bento criou uma tabelasuper wolf slotpreços para casossuper wolf slotalforria. Pelo documento, o preço dos escravizados variava conforme saúde, idade e sexo.

"O valor ia aumentandosuper wolf slotacordo com a idade até a fase mais produtiva. A partir da adolescência, eles passam a entender que um homem plenosuper wolf slotsaúde vale mais do que uma mulher", explica Franco.

"Esse documento mostra com todas as letras qual a posiçãosuper wolf slotum senhorsuper wolf slotescravos: transformar as pessoassuper wolf slotcommodities", define ele.

Violência e trabalho

Embora haja uma corrente que acredite que a escravidão impetrada por religiosos fosse mais branda do que a conduzida por senhores leigos, pelos valores cristãos supostamente respeitados, Franco não compactua com essa ideia. Primeiramente porque é enfático ao dizer que a privação da liberdade a que um escravo está sujeito já é, por si só, uma grande violência.

Além disso, ele encontrou registros que atestam atossuper wolf slotcrueldade. "Tem um caso,super wolf slotum fazendasuper wolf slotCabo Frio, também dos beneditinos,super wolf slotque dois monges foram presos depoissuper wolf slotmatarem,super wolf slottanto espancar, um escravizado. Isso no século 18", conta ele. "Olha o nível da violência."

Ele também se deparou com relatossuper wolf slotfugassuper wolf slotque o escravo, uma vez capturado, era submetido a um "castigo exemplar". O mesmo acontecia para quem não demonstrasse seguir a fé católica.

"Há um registrosuper wolf slotuma visitação realizada por um monge (encarregadosuper wolf slotvistoriar os trabalhos do padre fazendeiro), que dizia que era bom que o mesmo não descuidasse do espiritual dos escravos, para ver se eles estavam seguindo os preceitos do cristianismo", aponta Franco.

"E, verificando que não estivessem seguindo, que fossem punidos exemplarmente. Se não se redimissem, que fossem vendidos."

Massuper wolf slotque trabalhavam os "escravos da religião"?

Boa parte deles fazia um trabalho semelhante a qualquer outro escravosuper wolf slotpropriedades rurais. As instituições religiosas tinham muitas terras e nelas cultivavam canasuper wolf slotaçúcar e outros insumos valiosos para a economia da época. Quem fazia esse trabalho era a mãosuper wolf slotobra escrava.

No caso dos religiosos, contudo, havia também muitos escravos com trabalhos especializados. Carpinteiros, ferreiros, oleiros, sapateiros, boticários, enfermeiros. "Além daqueles que serviam os monges no claustro: botavam a comida na mesa, tocavam o sino da capela, seguravam o livro na hora da missa, e por aí vai", diz o historiador Franco.

Nesse sentido, a Ordemsuper wolf slotSão Bento investiusuper wolf slotcapacitação. Como eles tinham grandes propriedades com necessidades específicas, passaram a treinar os escravos que pareciam mais aptos a trabalhos específicos. "Para eles, era melhor fazer isso do que pagar um sujeito livre para desempenhar esses papéis", afirma.

Esses que tinham ofícios especializados não eram inimputáveis a sofrerem castigos. "Encontrei um registrosuper wolf slotum monge que se dedicava a ensinar ferraria a escravos. E ele era tão violento que acabou sendo deslocadosuper wolf slotposição", exemplifica Franco.

Desempenhar essas funções especiais, por outro lado, conferia prestígio dentro da comunidade escrava. E muitos desses profissionais acabavam conseguindo fazer trabalhos "por fora" e, assim, juntar dinheiro para, no futuro, comprar a alforria.

Abolição prematura

As ordens religiosas libertaram seus escravos ao longosuper wolf slot1871, ou seja, 17 anos antes da Lei Áurea. A primeira instituição a fazer isso foi a Ordemsuper wolf slotSão Bento. Aos poucos, os beneditinos foram seguidos pelos demais religiosos.

Segundo os pesquisadores, esse movimento era resultadosuper wolf slotum embate da Igreja Católica com o Estado.

"Havia uma relaçãosuper wolf slottensão entre Estado e as ordens religiosas", pontua Franco. "Estava ocorrendo um embate políticosuper wolf slotque cada vez mais a classe política e outros setores da elite brasileira acreditavam que os religiosos tinham propriedades demais, escravizados demais e eram improdutivos. Por outro lado, o Estado via a chancesuper wolf slotse apropriar das propriedades dos religiosos."

Ao libertar os escravos na mesma época da promulgação da Lei do Ventre Livre, as instituições católicas geraram uma comoção nacional.

"A abolição não significa simplesmente a questão humanitária por trás da liberdade do indivíduo, mas também uma questãosuper wolf slotordem econômica sobre aqueles que você teriasuper wolf slotestar empregando", afirma o historiador Philippe Arthur dos Reis, pesquisador na Universidade Estadualsuper wolf slotCampinas (Unicamp).

"O custosuper wolf slotmanutenção desses indivíduos,super wolf slotgeral era muito mais dispendioso ter os escravos do que importar pessoassuper wolf slotfora e pagar salário", acrescenta.

O historiador Costa lembra que desde a Independência,super wolf slot1822, "várias vozes começaram a sugerir que as ordens religiosas eram instituições inúteis e péssimas administradorassuper wolf slotseus bens".

"Quando os debates sobre a abolição se acirraram a partirsuper wolf slot1865, novamente as ordens, consideradas grandes escravistas, foram colocadas na berlinda. Uma leisuper wolf slot1869 instituiu que as instituições religiosas deveriam libertar todos os seus escravossuper wolf slotum prazosuper wolf slot10 anos. Até lá, poderiam libertá-los ou criar contratossuper wolf slotprestaçãosuper wolf slotserviço por tempo determinado", detalha o historiador.

"Prevendo uma maior intervenção do Estado e do Parlamento, a Ordemsuper wolf slotSão Bento do Brasil já havia se antecipado, decretando a liberdadesuper wolf slottodo as crianças nascidas a partir do dia 3super wolf slotmaiosuper wolf slot1866", diz ele.

Essa medida teve impacto nas autoridades. O imperador Dom Pedro Segundo (1825-1891) presenteou o então abade geral com uma caixasuper wolf slotouro cravejadasuper wolf slotdiamantes. Já o deputado Tavares Bastos (1839-1875), voz abolicionista, declarou que o gesto era "um ato generoso e solene" — e que deveria ser seguido pelas demais instituições religiosas.

Em 1871 veio a libertação total dos "escravos da religião".

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