Como escravos entravam na Justiça e faziam poupança para lutar pela liberdade:1xbet minimo saque

Cena urbana no Rio1xbet minimo saqueJaneiro escravocrata do século 19, pintada por Jean-Baptiste Debret
Legenda da foto, Cena urbana no Rio1xbet minimo saqueJaneiro escravocrata do século 19, pintada por Jean-Baptiste Debret | Foto: Acervo Espaço Olavo Setubal/Itaú Cultural

Além disso, a Lei do Ventre Livre deu às pessoas escravizadas o direito1xbet minimo saquejuntar dinheiro - fosse fruto1xbet minimo saquedoações, do próprio trabalho ou1xbet minimo saqueeconomias - e, com ele, comprar1xbet minimo saqueprópria alforria, independentemente da autorização do seu proprietário.

Essa alteração legal multiplicou nos tribunais as chamadas ações1xbet minimo saqueliberdade. A1xbet minimo saqueRita é uma delas. Está armazenada no Acervo Público do Tribunal1xbet minimo saqueJustiça1xbet minimo saqueSão Paulo, junto com dezenas1xbet minimo saqueoutros processo centenários,1xbet minimo saquepapel envelhecido e texto manuscrito, movidos por pessoas escravizadas contra seus senhores. Além1xbet minimo saqueSão Paulo, há casos semelhantes1xbet minimo saquediversos pontos do país.

"A ação1xbet minimo saqueliberdade quebra a autoridade senhorial, porque passa a existir uma forma1xbet minimo saquese libertar da escravidão independentemente da vontade do senhor", afirma a historiadora Keila Grinberg, professora da Unirio e da New York University, e uma das maiores especialistas neste tema no Brasil.

"Isso quebra o mito1xbet minimo saqueque a alforria era apenas uma forma1xbet minimo saquereconhecimento do senhor (aos seus escravos). Nada disso! Eles também foram para a Justiça para conquistar1xbet minimo saqueliberdade", completa Lúcia Helena Silva, professora da Unesp, que pesquisou as ações1xbet minimo saqueliberdade1xbet minimo saqueCampinas.

Porém, as ações1xbet minimo saqueliberdade não eram um caminho fácil. "Apenas a minoria das pessoas escravizadas conseguia entrar na justiça. A maioria dos escravos nascia e morria escravo", pondera Grinberg.

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Legenda da foto, Pilha1xbet minimo saqueações impetradas por pessoas escravizadas no final do século 19, parte do Acervo do Tribunal1xbet minimo saqueJustiça1xbet minimo saqueSão Paulo | Foto: Amanda Rossi/BBC Brasil

Negociação na Justiça

Junto ao pedido1xbet minimo saqueRita, foi anexado um atestado médico: "Atesto que a preta Rita sofre1xbet minimo saqueanemia e1xbet minimo saqueartrite crônica, moléstias que por muitas vezes a inabilitam para qualquer trabalho". A informação tinha um objetivo estratégico. "Normalmente, o escravo usava a estratégia1xbet minimo saquese desvalorizar", explica Lúcia Helena Silva.

"Já o senhor fazia tudo possível para dizer que seu escravo valia muito". No caso1xbet minimo saqueRita, o Tenente Ramanho respondeu à intimação dizendo que não aceitava os 200 mil réis oferecidos. "Considero ser1xbet minimo saquemaior valor a minha escrava. Há três meses, a comprei pela quantia1xbet minimo saque800 mil réis".

Quando não havia concordância sobre o valor da liberdade, como no caso entre Rita e Ramalho, não era o fim do processo. Cabia ao Estado fazer a arbitragem do preço, que as duas partes seriam obrigadas a aceitar. Para isso, o primeiro passo era a pessoa escravizada ser mandada para uma avaliação.

"Depois1xbet minimo saquehaverem examinado a dita escrava Rita, tendo1xbet minimo saqueconsideração a idade, saúde e profissão da mesma, (os avaliadores) apresentam os seguintes laudos: Salvador avaliava-a1xbet minimo saque500 mil réis. Fernando1xbet minimo saque320 mil réis. Em consequência da divergência havida, foi aceito o laudo1xbet minimo saque320 mil réis".

O resultado da avaliação foi uma vitória para Rita. O valor estava mais próximo dos 200 mil réis que ela tinha proposto do que dos 800 mil réis pedidos por seu senhor. Por intermédio1xbet minimo saqueseu representante livre, Rita apresentou à Justiça os 120 mil réis que estavam faltando e requereu "que lhe fosse passada a carta1xbet minimo saqueliberdade".

Depois1xbet minimo saquetrês meses na Justiça, Rita, que nasceu submetida à escravidão no Brasil, se tornou finalmente uma mulher livre.

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Legenda da foto, Pintura1xbet minimo saqueJean-Baptiste Debret retrata desembargadores chegando ao Palácio1xbet minimo saqueJustiça no Rio1xbet minimo saqueJaneiro | Foto: Acervo Espaço Olavo Setubal/Itaú Cultural

Redes1xbet minimo saqueapoio nas cidades

"Apesar1xbet minimo saqueo Estado e suas leis abrirem portas para dar visibilidade a questões dos escravos, não era fácil iniciar um processo judicial e, menos ainda, terminá-lo", explica a historiadora Heloísa Maria Teixeira, que pesquisou a compra1xbet minimo saquealforrias1xbet minimo saqueMariana, Minas Gerais.

Em geral, os escravos que recorriam à Justiça viviam nas cidades. Ali, tinham mais acesso a informação. Também podiam receber apoio1xbet minimo saqueredes1xbet minimo saquesolidariedade, formadas por outras pessoas escravizadas e libertas, além1xbet minimo saqueterem contato com ideias e movimentos abolicionistas. Já para aqueles escravizados na zona rural, entrar na Justiça era muito mais difícil.

Ao consultar os documentos mineiros, Heloísa encontrou o caso da menina Eva, escrava1xbet minimo saque"mais ou menos 14 anos", nascida na década1xbet minimo saque1850. Sua história mostra como o fato1xbet minimo saqueestar na cidade facilita o surgimento1xbet minimo saqueuma rede1xbet minimo saqueapoio.

A madrinha1xbet minimo saqueEva, que não tinha dinheiro, passou a pedir esmolas na cidade com o intuito1xbet minimo saquelibertar a menina. O processo1xbet minimo saqueEva, inclusive, elenca uma lista1xbet minimo saquepessoas que participaram da arrecadação1xbet minimo saquefundos para compra1xbet minimo saquesua liberdade. Ao final, a madrinha conseguiu reunir 120 mil réis1xbet minimo saquedinheiro. O valor foi complementado por um burro entregue pelo pai da menina, no valor1xbet minimo saque80 mil réis. Com os 200 mil réis totais, foi comprada a carta1xbet minimo saquealforria1xbet minimo saqueEva.

Capa da ação1xbet minimo saqueliberdade da escrava Rita contra o Tenente Ramalho
Legenda da foto, Capa da ação1xbet minimo saqueliberdade da escrava Rita contra o Tenente Ramalho | Foto: Amanda Rossi/BBC Brasil

Além1xbet minimo saqueprocessos1xbet minimo saquecompra1xbet minimo saquealforria, houve no Brasil diversas ações1xbet minimo saqueliberdade baseadas na ilegalidade da escravidão. Em 1883, por exemplo, Antonio - também sem sobrenome - entrou na Justiça1xbet minimo saqueSão Paulo argumentando que1xbet minimo saquematrícula1xbet minimo saqueescravo informava ser ele africano e ter 51 anos.

Logo, Antonio teria nascido na África1xbet minimo saque1832. Porém, uma lei brasileira1xbet minimo saque1831 declarou que era livre todo o escravo vindo1xbet minimo saquefora do Império do Brasil a partir daquela data. Foi a primeira legislação a tentar coibir o tráfico1xbet minimo saquepessoas escravizadas para o Brasil. Desta forma, como Antonio nasceu depois da lei, ele havia sido trazido para o país1xbet minimo saqueforma ilegal. Por consequência,1xbet minimo saqueescravidão também era ilegal.

Seu proprietário tentou contra-argumentar. Afirmou que a matrícula do escravo estava errada e que, na verdade, ele tinha nascido cinco anos antes da lei. Em termos práticos, isso faria com que Antonio não tivesse direito à liberdade. Por outro lado, essa linha1xbet minimo saqueargumentação implicaria o reconhecimento1xbet minimo saqueque um menino1xbet minimo saquecerca1xbet minimo saque5 anos tivesse sido transportado nos navios negreiros e vendido ainda criança no Brasil.

Mas a argumentação do dono1xbet minimo saqueAntonio não foi bem sucedida. O juiz do caso concedeu a carta1xbet minimo saqueliberdade ao "africano". Mas sob a condição estabelecida pelo proprietário:1xbet minimo saqueque o agora ex-escravo prestasse serviços por mais quatro anos para seu antigo senhor e1xbet minimo saqueesposa. Assim, Antonio ficaria livre apenas1xbet minimo saque1887 - um ano antes da Lei Áurea ser sancionada pela Princesa Isabel, decretando oficialmente o fim da escravidão no Brasil.

"Esses juízes e tribunais não eram abolicionistas. Tomavam a decisão baseados naquele caso específico. Ninguém ali estava defendendo o fim da escravidão", diz Grinberg.

Pintura1xbet minimo saqueJean-Baptiste Debret retrata pessoas negras realizando serviços1xbet minimo saquecabeleireito, barbeiro e vendedora, no Rio1xbet minimo saqueJaneiro do século 19
Legenda da foto, Serviços1xbet minimo saquebarbeiros, cabelereiros, vendedoras - retratados nesse pintura1xbet minimo saqueDebret - eram formas1xbet minimo saquejuntar dinheiro para a alforria | Foto: Acervo Espaço Olavo Setubal/ Itaú Cultural

Dificuldade para juntar dinheiro

As pessoas escravizadas nas zonas urbanas também tinham mais possibilidade1xbet minimo saquejuntar dinheiro para comprar1xbet minimo saqueliberdade. Alguns deles, além do trabalho forçado, realizavam pequenos serviços remunerados. As mulheres, por exemplo, vendiam quitutes, hortaliças, eram babás, amas-de-leite, lavadeiras. Os homens eram sapateiros, barbeiros, carregadores.

Nas cidades, também eram mais comuns os chamados "escravos1xbet minimo saqueganho" - quando as pessoas escravizadas prestavam serviços para terceiros, sendo obrigadas a entregar o dinheiro para seus proprietários, ficando apenas com uma pequena parte.

Ainda assim, não era nada fácil que esses trabalhos rendessem o suficiente para comprar a alforria. Em geral, no final do século 19, o preço da liberdade variava1xbet minimo saque200 mil réis a 2 contos1xbet minimo saqueréis (equivalente a 2 milhões1xbet minimo saqueréis). "A maior parte das pessoas não deve ter conseguido juntar o suficiente. Depois que o tráfico foi proibido, o preço do escravo subiu ainda mais", explica Grinberg.

E onde os escravos guardavam dinheiro? Uma das possibilidades era colocar na poupança.

Documentação histórica da Caixa Econômica, ainda pouco estudada, mostra diversas cadernetas pertencentes a escravos. Fundada1xbet minimo saque1860, a Caixa não permitia que pessoas não livres fossem depositantes. Mas, após a Lei do Ventre Livre,1xbet minimo saque1871, isso mudou.

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Legenda da foto, Caderneta1xbet minimo saquepoupança1xbet minimo saqueJudas, escravo, com 24 mil réis | Foto: Acervo da Caixa Econômica Federal

A caderneta1xbet minimo saquepoupança número 43 da Caixa Econômica1xbet minimo saqueSão Paulo, datada1xbet minimo saque1875, pertencia a Judas, escravo1xbet minimo saqueManuel1xbet minimo saqueAndrade. O formulário do banco trazia a palavra "senhor" antes do nome do depositário. Mas, no caso1xbet minimo saqueJudas, a palavra foi riscada. Afinal,1xbet minimo saquecondição1xbet minimo saquepessoa escravizada impedia que fosse tratado por "senhor". Por isso também, Judas não tinha sobrenome reconhecido.

Judas tinha 54 anos, era hortelão, morava1xbet minimo saqueSão Paulo, era casado e não sabia ler e escrever. Naquele ano, tinha juntado na poupança 24 mil réis. Muito distante dos preços praticados pela liberdade naquela época.

"Pelos valores depositados nas poupanças, a gente vê era que era muito difícil comprar alforria com base nesse dinheiro. Mas existe, sim, uma relação entre poupanças e compra1xbet minimo saquealforria, embora seja pouco", fala Grinberg.

"De toda forma, era algo significativo, porque mostra outras formas1xbet minimo saqueresistência à escravidão. Os escravos conseguiam brechas para entrar no sistema financeiro e juntar dinheiro, apesar1xbet minimo saquetudo que era imposto a eles", considera o historiador Thiago Alvarenga, professor da Universidade Federal Fluminente, um dos responsáveis por resgatar o arquivo1xbet minimo saquecadernetas1xbet minimo saquepoupança do século 19 da Caixa Econômica.

Na1xbet minimo saquepesquisa, Alvarenga encontrou um caso intrigante: um homem escravizado que tinha uma poupança1xbet minimo saque4 contos1xbet minimo saqueréis, valor que seria mais que suficiente para comprar1xbet minimo saqueliberdade. "Pode ser que estivesse juntando dinheiro para libertar várias pessoas da1xbet minimo saquefamília", considera o historiador.

Já outras cadernetas1xbet minimo saquepoupança da Caixa mostram a saída1xbet minimo saquedinheiro para comprar a alforria. Um dos casos é o1xbet minimo saqueMargarida Luíza, escrava1xbet minimo saqueJoaquim José Madeira, cuja conta foi encerrada três anos depois1xbet minimo saquecriada, retirando os 353 mil réis acumulados para obter1xbet minimo saqueliberdade.

Embora a historiografia já tenha desvendado muito sobre as diferentes formas1xbet minimo saqueresistência das pessoas feitas escravas no Brasil, ainda há perguntas sem respostas e espaço para novas pesquisas.

"O que não falta é documento da escravidão. Eles estão espalhados pelo Brasil1xbet minimo saquecartórios, igrejas, tribunais, bancos, e precisam ser salvos, literalmente. E isso se faz com política pública. São arquivos importantíssimos! Sem eles, a gente perde a chance1xbet minimo saqueconhecer melhor nossa história", afirma Keila Grinberg.