A crença espírita no 'Vale dos Suicidas' que angustia parentesbet mentorluto:bet mentor
Maria Cecilia, que segue o espiritismo há maisbet mentor15 anos, já havia tentado há algum tempo ler o livro, mas abandonou a leitura por considerá-la muito "forte".
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Entretanto,bet mentor2021, aconteceu algo que a afastou completamente da possibilidadebet mentorretomar a leitura: o filho dela se suicidou quando estava prestes a completar 32 anos.
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"É uma obra que com certeza veio elucidar algumas coisas, que eram talvez desconhecidas. Mas é uma literatura bastante forte, bastante impactante. Estudando a doutrina, a gente vê que não funciona bem dessa forma", aponta Maria Cecilia.
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"Eu acho que não é esse caminho. Eu acredito muito mais na misericórdia divina", diz, indicando acreditar que o filho foi perdoado pelo ato.
O suicídio é visto no espiritismo como um ato repreensível — embora se admita algumas atenuantes — desde as obras organizadas pelo fundador da religião, o francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido por seu pseudônimo Allan Kardec (1804-1869)
A históriabet mentorMaria Cecilia e a forma como os espíritas tratam o suicídio são o tema da terceira reportagem da série “Suicídio & Fé”, que aborda o tabu religioso com o ato, com foco nas religiões com mais adeptos no Brasil.
A primeira reportagem mostrou que, por séculos, o suicídio foi visto como um pecado pela Igreja Católica. Até 1983, havia um documento oficial determinando que suicidas não recebessem ritos funerários normais, como a missabet mentorsétimo dia.
Igrejas evangélicas veem o suicídio como um pecado,bet mentoracordo com especialistas ouvidos na segunda reportagem da série. Há relatosbet mentorque é comum, nesse meio, escutar que alguém que se suicidou vai para o inferno.
O númerobet mentorsuicídios no país vem aumentando ano a ano desde 2016, segundo dados do Fórum Brasileirobet mentorSegurança Pública.
Apenasbet mentor2022, houve 16.262 mortes.
Um estudo publicado na revista científica The Lancet Regional Health Americasbet mentorfevereiro mostrou que a taxa anualbet mentorsuicídios a cada 100 mil habitantes no Brasil cresceubet mentormédia 3,7% entre 2011 e 2022.
As religiões têm, como apontam especialistas, uma forte influência não apenas na forma como as pessoas lidam individualmente com o suicídio, mas tambémbet mentorcomo as famílias lidam com a perdabet mentorquem tirou a própria vida.
O que dizem os textos espíritas
Vários livros importantesbet mentorKardec abordam o suicídio.
Neles, tanto as mensagens relatadas como recebidas dos espíritos quanto as anotaçõesbet mentorKardec indicam que o suicídio contraria as leis divinas e gera algum tipobet mentorpunição ao espíritobet mentorquem se matou.
Em O Céu e o Inferno, são frequentemente usadas palavras como "castigo" e "pena" para quem se mata.
Um trecho diz ser comum que espíritosbet mentorsuicidas sintam vermes corroendo o corpo, embora as consequências do ato variembet mentor"duração e intensidade conforme as circunstâncias atenuantes ou agravantes da falta".
Em outro, é dito que "longa e terrível deve ser a pena dos culpados por se terem voluntariamente refugiado na morte para evitar a luta" — nesse caso, referindo-se especificamente ao casobet mentorsuicidas que tenham escolhido essa saída para escaparbet mentorforma honrosabet mentoralguma situação.
No Livro dos Espíritos, médiuns fazem uma sériebet mentorperguntas sobre o atobet mentorse matar.
Os espíritos respondem que o suicídio "voluntário" seria uma "transgressão" do direitobet mentorDeus sobre a vida — "voluntário" demarcaria a diferença do "louco que se mata" e "não sabe o que faz".
Também afirmam que "muito diversas são as consequências do suicídio".
"Não há penas determinadas e,bet mentortodos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma consequência a que o suicida não pode escapar: é o desapontamento", respondem os espíritos, segundo o livrobet mentorKardec.
"Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias."
A historiadora e socióloga Celia Arribas, que estudou o espiritismobet mentorseu mestrado e doutorado, resume que, do pontobet mentorvistabet mentorKardec, a escolha pelo suicídio seria uma "triste ilusão" — e isso tem a ver com a perspectivabet mentorduração da vida para a religião.
"O espiritismo traz uma visãobet mentorque a vida é praticamente eterna, no sentidobet mentorque a gente tem várias existências: o que morre é o corpo, e não a alma", diz Arribas.
"Não teria muito sentido se pensarbet mentorsuicídio, porque o espírito continuaria vivo com as suas angústias, suas dores."
Arribas, que é professora da Universidade Federalbet mentorJuizbet mentorFora (UFJF), explica que Kardec considerava quebet mentorprodução tinha um caráter científico — por isso, embora os livros dele sejam vistos como um "farol", obras posteriores são bem-vindas.
"Há um princípio proposto pelo Kardecbet mentorque o espiritismo precisaria sempre estar ao lado da ciência e dos avanços científicos. Isso abre a possibilidadebet mentoruma renovação constante."
Assim, um livro como Memóriasbet mentorum suicida pode ganhar a dimensão que tomou, popularizando a ideiabet mentorque existe um "Vale dos Suicidas" — descrito na obra como um lugar onde a almabet mentorquem se matou passa por um períodobet mentorpunição e sofrimento.
"O livro tem um cenário bastante excessivo, que olha para os suicidas condenando essas pessoas”, diz Arribas.
"Essa é uma visão que não necessariamente Kardec defendia, mas a gente tem uma certa autonomia do espiritismo no Brasil."
O livro da médium Yvonne do Amaral Pereira foi lançadobet mentor1956. A obra, publicada pela Federação Espírita Brasileira (FEB), já teve 27 ediçõesbet mentorportuguês e foi traduzida para inglês e francês, alémbet mentoradaptado para radionovelas.
"Não havia então ali, como não haverá jamais, nem paz, nem consolo, nem esperança: tudobet mentorseu âmbito marcado pela desgraça era miséria, assombro, desespero e horror", diz um trecho do livro que descreve o Vale dos Suicidas.
"Aqui, era a dor que nada consola, a desgraça que nenhum favor ameniza, a tragédia que ideia alguma tranquilizadora vem orvalharbet mentoresperança! Não há céu, não há luz, não há Sol, não há perfume, não há tréguas!", diz outro trecho.
Após um intenso períodobet mentorsofrimento, os espíritosbet mentorsuicidas do livro pouco a pouco — ainda no mundo espiritual — refletem sobrebet mentordecisão e passam por uma espéciebet mentortratamento, com mentores e até uma universidade que os ajudam a se preparar para uma nova encarnação.
O Vale dos Suicidas também foi retratado na TV brasileira na novela A Viagem, exibida primeiro pela Tupi e depoisbet mentoruma reedição pela Globo, que completa 30 anos esse mês e será reexibida este ano pelo canal Viva.
O personagem Alexandre sofre as consequênciasbet mentorseu suicídio no Vale — um lugar onde se escuta gritos, o fogo arde, moribundos perambulam e o personagem é torturado.
Herança católica no espiritismo
Arribas lembrabet mentoroutro livro posterior a Kardec, Missionários da Luz, do médium Chico Xavier.
"O livro traz o relatobet mentorum suicida que também vai descrever que ele vivia num valebet mentortrevas,bet mentoraprisionamento,bet mentormuita dor”, diz a socióloga.
"Então, a gente tem essas trilhas um pouco pesadas, deterministas, condenatórias [para suicidas], que têm a ver com a tradição católicabet mentorpensamento."
A pesquisadora explica que algumas crenças do catolicismo e do espiritismo têm semelhanças, mas também diferenças. Por exemplo, enquanto o castigobet mentoruma alma é eterno na crença da Igreja Católica, no espiritismo é transitório.
"O céu e o inferno não existem para o espiritismo. A ideia é que são estados mentais para onde os espíritos acabam indo por conta da semelhança vibratória", explica Arribas.
Sociólogo e um dos diretores da Sociedade Brasileirabet mentorEstudos Espíritas (SBEE), Rui Simon Paz diz que ele e colegas da entidade não acatam a crençabet mentorque exista um Vale dos Suicidas ou o umbral — também comumente apontado como um lugar transitóriobet mentorsofrimento para espíritosbet mentorsuicidas.
Simon Paz aponta que essas crenças têm origem no que chamabet mentor"ranço" da cultura católica no Brasil, trazendo ideiasbet mentorpunição e castigo.
Na SBEE, são priorizadas as obrasbet mentorKardec e sucessoresbet mentoruma época próxima, como Camille Flammarion (1842-1925), Léon Denis (1846-1927), Ernesto Bozzano (1862-1943) e Gabriel Delanne (1857-1926) — que, segundo o sociólogo, perpetuaram a leiturabet mentorKardec sobre o suicídio.
Embora as obrasbet mentorKardec indicassem algum tipobet mentorpunição para os suicidas, Simon Paz diz que é preciso sempre levarbet mentorconsideração o contexto dos livros.
"Toda obra sofre o curso do tempo", diz o membro da SBEE. "A comunicação é uma integraçãobet mentor50% do espírito, 50% do médium. Mas a estética que será registrada é a estética do médium, e essa estética envelhece."
"Não vemos [o suicídio] como castigo, vemos como um passivo", explica, falandobet mentornome da entidade.
"Você se ausentou antes do tempo que deveria permanecer aqui, e, ao mesmo tempo, deixoubet mentorfazer o seu crescimento. É como se você abandonasse um curso na metade do ano, trancasse matrícula: vai ter que voltar para refazer", diz, acrescentando que esse passivo pode ser "difícil", mas tem sempre um "sentido construtivo".
'Um ato falho e humano'
Ao adentrar no apartamentobet mentorMaria Cecilia Cencini, logo percebe-sebet mentorcerta forma a presença do filho dela ali —bet mentorfotos ebet mentormuitas pinturas e desenhos que ele, que era ilustrador, fez e estão expostos pela casa.
Também não há uma fala sobre ele que pareça vir sem alguma emoção — às vezes saudade, às vezes carinho, talvez um choro contido que não chega e desaguar e, muitas vezes, sorrisos.
"Eu lembro do meu filho com alegria", diz a mãe, ao mostrar uma foto dele que diz sempre despertar um sorriso nela.
Diferentebet mentormuitas famílias enlutadas pelo suicídio que ela conheceubet mentorgruposbet mentorapoio, Maria Cecilia diz que não quis passar a evitar e isolar o quarto do filho onde ela própria encontrou o corpo.
Cercabet mentorum mês após o suicídio, ela doou as roupas e materiaisbet mentortrabalho dele e passou a usar o espaço como seu escritório. Para ela, que tem mais uma filha, essas atitudes exemplificambet mentorcrençabet mentorque já havia sido preparada no plano espiritual para esta morte.
"Dentro da doutrina espírita, a gente já vem para a vida com um roteiro programado. Aquilo que não está definido depende do livre arbítrio. Acho que realmente fui preparada para esse momento da minha vida", diz a tradutora.
"Transformei o quarto dele no meu escritório. Fiz questão disso, porque o meu filho não se resumia àquilo ali. Eu trouxe a minha forçabet mentortrabalho aqui para dentro", conta.
Ela também deixou ali no cômodo, no cavalete, a última pintura que o filho fez antesbet mentormorrer — que mostra uma mulher com os olhos fechados, aparentementebet mentorprece e com um manto.
Na base, ela deixou vários pequenos objetos que a lembram dele, como um cachorrinhobet mentorbrinquedo que ele gostava e uma foto 3x4 do jovem.
O filho dela tomava antidepressivos, mas Maria Cecilia desconfia que ele tivesse um transtorno bipolar que não foi diagnosticado corretamente. A tradutora está cursando uma pós-graduaçãobet mentorSuicidologia para entender o que aconteceu com o filho.
"O estadobet mentorsaúde dele se agravou com a pandemia: ele ficou mais recluso e tinha medobet mentorsair na rua", relata a mãe.
Maria Cecilia acredita que o filho agora está passando por um períodobet mentoraprendizado, guiado por espíritos bondosos que estão ajudando-o a refletir sobre o ato do suicídio e preparando-o para uma futura encarnação.
"Não digo que não haja um períodobet mentorsofrimento para o espírito quando ele desencarna, porque existe uma confusão", diz a tradutora, dizendo que espíritos desencarnadosbet mentorvárias formas, não só pelo suicídio, passam por um períodobet mentorangústia para entender onde estão e o que aconteceu com eles.
"Mas isso é absolutamente normal. É nesse ponto que o espírito é auxiliado [por espíritos benfeitores]."
A tradutora cursou por anos uma formaçãobet mentorespiritismo, que ela prefere definir como uma doutrinabet mentorvidabet mentorvezbet mentorreligião.
Dos escritosbet mentorKardec, Maria Cecilia foca nos "atenuantes" que podem suavizar as consequências do suicídio para o espírito.
"A bondadebet mentorcoração dele [do filho] com certeza contribuiu para ele hoje estar bem", diz a tradutora.
Ela também destaca a diferenciação que Kardec faz entre o suicídio voluntário e a decisãobet mentorum "louco".
"Simplesmente todas as pessoas que tinham qualquer tipobet mentortranstorno mental eram classificadas como louca", aponta a tradutora, referindo-se à época das obrasbet mentorKardec.
"Então, o 'louco' é acolhido, é perdoado, porque ele tem um transtorno."
Para Maria Cecilia, o suicídio é um "um ato falho e humanobet mentorum espírito que estava com sérios comprometimentos".
Segundo ela, o espiritismo foi importantíssimo no luto.
"Quem tem fé e entende o propósito das coisas na vida consegue superar as dificuldades e buscar dentro delas o aprendizado", afirma a tradutora.
"E quando você vibra amor, faz chegar isso até o seu ente querido desencarnado. Ele recebe todos os seus bons pensamentos, todas as suas preces."
"Aprendi a me dirigir ao meu filho como 'meu filho amado'. Quando repito isso, sinto que vai direto para ele. Sinto como se saísse do meu coração uma luzbet mentoramor que chega até ele", diz a mãe.
O espiritismo é a terceira religião com mais seguidores no Brasil, atrás do catolicismo e das igrejas evangélicas.
Tem 3,8 milhõesbet mentoradeptos, cercabet mentor2% da população segundo o Censo 2010. Houve um aumentobet mentorrelação ao Censo 2000, quando os espíritas eram 1,3% da população, ou 2,3 milhõesbet mentorpessoas.
Mas Celia Arribas afirma que o número é na prática maior, porque, na pesquisa demográfica, o participante geralmente só indicava uma religião, e não várias.
Segundo o IBGE, no Censo 2010, os entrevistados até podiam declarar pertencer a várias religiões, mas os funcionários responsáveis por coletar os dados não tinham sido tão bem orientados sobre essa possibilidade quantobet mentor2022 (cujos resultados sobre religião ainda não foram divulgados).
"As pessoas transitam no centro espírita. Muitas. Há uma forte circulaçãobet mentorlivros espíritas, e as pessoas leem sem necessariamente se autodeclararem espíritas”, diz a pesquisadora.
"Tem o que a gente chamabet mentorsimpatizantes do espiritismo, e aí essa quantidade aumenta absurdamente, não vai ficar sóbet mentor2%."
Bruno*,bet mentor46 anos, é uma das pessoas que está fora desses 2%, mas diz ter uma afinidade com o espiritismo e conhecimento sobre a religião.
Ele cresceubet mentoruma família católica, deixoubet mentorseguir essa fé, mas afirma seguir uma "crença cristã".
Em junhobet mentor2023, o irmãobet mentorBruno se matou, aos 42 anos. Ele enfrentava uma depressão, frustrações profissionais e a perda do pai e da mãebet mentorum curto períodobet mentortempo.
Bruno acredita que o irmão não estava seguindo o tratamento para depressão corretamente.
Antes da morte, Bruno já tinha se aproximado do espiritismo com a leiturabet mentorlivrosbet mentorKardec, Chico Xavier e do médium Divaldo Franco — mas nunca foi a um centro espírita.
Foi então que, após a perda, ele buscou na internet qual seria o destinobet mentoralguém que se matou segundo o espiritismo.
"Quando ocorreu o problema com meu irmão, fui procurar saber. Eu queria uma explicação", diz Bruno.
Ele chegou então a um vídeo com milharesbet mentorvisualizaçõesbet mentorque um influenciador espírita fala das possíveis consequências para a almabet mentorum suicida.
Entre elas, a obrigaçãobet mentorconviver por décadas, no plano espiritual, com o próprio corpobet mentordecomposição e, ao reencarnar, sofrer com doenças debilitantes.
"Ele era uma pessoa boa, não fazia mal a ninguém. Um cara totalmente do bem. Conheço pessoas muito piores. Por que ele [meu irmão] sofreria tanto?", questiona Bruno.
"Acho que se ele parasse para pensar mais meia hora, talvez ele não tomaria aquela atitude", diz.
"Será que por uma decisão tomadabet mentorsupetão, a pessoa pode ser condenada a passar por um martírio após a morte?"
Bruno conta que, até hoje, não está "lidando muito bem" com a perda.
"Penso nele todos os dias. Acho que pensobet mentortodas as horas. Tenho muita pena dele, né? Queria tanto que ele tivesse conversado comigo...”, lamenta.
Bruno relata frequentemente pedir a Deus que dê algum "sinal"bet mentorcomo seu irmão está.
"Queria sentir que ele tá bem. Como está o espírito dele? Será que está sofrendo? Está arrependido?", indaga.
Alento e dor
Celia Arribas cita que começaram a surgir nos últimos anos autores e obras espíritas que tratam do suicídio com "um pouco maisbet mentorsensibilidade".
Ela vê isso com bons olhos, porque leituras como a de Memóriasbet mentorum Suicida intensificarambet mentorprópria dor.
A mãebet mentorArribas se suicidou quando a socióloga tinha 20 anos. Seu irmão fez o mesmo duas décadas depois.
A pesquisadora procurou o espiritismo no final da vida da mãe para entender melhor o adoecimento mental dela, que tinha transtorno afetivo bipolar.
Hoje, Arribas sê vê mais como estudiosa do que praticante do espiritismo.
Mas a socióloga diz que a religião teve um papel misto no seu luto —bet mentoralguns momentos, trouxe alívio e,bet mentoroutros, dor.
"O espiritismo foi muito reconfortante para tentar entender algum sentido para morte, para dar uma explicaçãobet mentorque a vida continua e para eu não adoecer fisicamente."
"São princípios que me confortaram e me confortam até hoje."
Por outro lado, Arribas conta ter abandonado a leiturabet mentorMemóriasbet mentorum Suicida quando a morte da mãe ainda era recente.
"Eu falei: ‘Não, não tem condição’. Mas foi por conta disso que pensei: 'Bom, será que é só essa visão mesmo?'”, afirma a pesquisadora.
"Aí, fui tentando estudar, entender, e não fiquei só nas explicações espíritas."
Rosana Amado Gaspar, presidente da União das Sociedades Espíritas do Estadobet mentorSão Paulo (USE-SP) e membro da Federação Espírita Brasileira (FEB), cuja editora publica Memóriasbet mentorum suicida, não recomenda que a obra seja lida por quem tenha acabadobet mentorperder uma pessoa por suicídio.
A editora tem outros livros que retratam o sofrimentobet mentorespíritos suicidas, como O martírio dos suicidas e Suicídio e vida após a morte: amargura e remorsobet mentorpoetas suicidas.
Gaspar destaca que Memóriasbet mentorum Suicida não retrata um destino único no mundo espiritual — o Vale dos Suicidas — para quem se mata e mostra, no final, o perdão divino para quem tira a própria vida.
"As pessoas ficam amedrontadas, mas o livro está contando a históriabet mentorum grupobet mentorespíritos que estão naquela região", diz.
Gaspar ressalta que os livrosbet mentorKardec preveem destinos variados para as almasbet mentorsuicidas.
"A pessoa que está pensando no suicídio, ao ler uma obra dessa [Memóriasbet mentorum Suicida], fala assim: 'Esse grupo teve essa experiência ruim. Então, eu não vou ter essa mesma experiência'. Ele faz uma prevenção", afirma.
"E o Memóriasbet mentorum Suicida é interessante porque, quando o espírito realmente se arrepende, ele conta com a misericórdia divina."
Na doutrina espírita, explica Arribas, Deus não é necessariamente uma figura personificada, mas tem papel importante.
"No espiritismo, não há esse Deus com barba branca, esse homem gigante. É uma força, é algo que não tem forma, que seja. Mas é Deus: onipresente, onipotente, onisciente", esclarece a socióloga.
"A figurabet mentorCristo também é muito central no sentidobet mentoruma moral. Tanto que a ideiabet mentorcaridade se espelha na vivência do Cristo."
Gaspar afirma que, para o espiritismo, o suicídio é uma "transgressão à leibet mentorDeus", mas não existe o conceitobet mentorpecado.
"Nada no espiritismo é proibido", diz ela, destacando que o que há são "consequências".
Gaspar afirma que iniciativas pela prevenção ao suicídiobet mentororganizações espíritas normalmente se juntam a "campanhasbet mentorvalorização da vida" que se colocam contra o aborto e a eutanásia.
Uma dessas iniciativas fez surgir,bet mentor1962, uma das organizações brasileiras mais conhecidas na prevenção ao suicídio: o Centrobet mentorValorização da Vida (CVV).
A entidade, que atende gratuitamentebet mentorregimebet mentorplantão pessoas que pensambet mentorse matar, nasceu da iniciativabet mentoruma turma da Escolabet mentorAprendizes do Evangelho da Federação Espírita do Estadobet mentorSão Paulo (Feesp).
Jacques Conchon (1942-2018), fundador do CVV, foi quando jovem o responsável por mobilizar os colegas para a iniciativa.
A ideia foi inspirada no trabalho da organização Samaritansbet mentorLondres, comandado pelo sacerdote anglicano Chad Varah.
Assim, no início, a maioria dos primeiros voluntários do CVV era espírita, mas isso foi mudando com o tempo.
Carlos Correia, voluntário do CVV desde 1992 e porta-voz da organização, conta à BBC News Brasil que os voluntários usavam no começo um númerobet mentortelefone da própria Feesp.
Ele relata também que, por motivos naturais, a iniciativa começou a circular primeiro no meio espírita.
"Claro, o espaço que eles tinham inicialmente para divulgar o trabalho eram os meiosbet mentorcomunicação espíritas, e naturalmente os leitores também eram."
Entretanto, Correia garante que a doutrina religiosa nunca teve muito espaço no CVV.
"Não havia um lado espiritual, religioso, no sentido da doutrina espírita, mas sim o princípiobet mentorajuda ao próximo", afirma.
Ele acrescenta que, com o passar do tempo, o vínculo com o espiritismo foi desaparecendo.
"Eles perceberam que tinham que desvincular [da religião] para ampliar o crescimento, para acolher a todos. Isso [o caráter religioso] poderia ser uma barreira, porque as pessoas poderiam pensar que teria uma doutrinação", explica Correia.
Lidando com o luto e com a fé
Para a psicóloga Karen Scavacini, doutora pela Universidadebet mentorSão Paulo (USP), as religiõesbet mentorgeral têm o potencialbet mentorajudar na prevenção do suicídio e nos cuidados com quem perdeu alguém que se matou, a chamada posvenção.
"Quanto mais religiosos falando abertamente sobre suicídio, sobre as questõesbet mentorsaúde mental, e mostrando através dabet mentorfala ebet mentorseus atos que essas pessoas precisam ser cuidadas e acolhidas, cada vez mais a religião se torna um fatorbet mentorproteção", defende Scavacini, fundadora e diretora do Instituto Vita Alerebet mentorPrevenção e Posvenção do Suicídio.
A psicóloga diz que há muitas evidências científicasbet mentorque a espiritualidade auxilia a prevenir o suicídio por trazer esperança e sentimentobet mentorpertencimento a uma comunidade, dentre outros fatores.
Mas Scavacini afirma que, quando as religiões trazem "vergonha e exclusão" relacionadas ao suicídio, elas se tornam prejudiciais.
O impacto da religiãobet mentorquem perdeu uma pessoa por suicídio pode ser particularmente "devastador", diz a psicóloga.
É uma situação que ela diz já ter testemunhado muitas vezes no consultório.
"Os enlutados trazem muitas experiências. A própria falabet mentorque foi 'Deus que quis'. Que Deus é esse que quer que alguém que se mate? Não faz sentido.”
As famílias compartilham com Scavacini muitas históriasbet mentorfalas inapropriadasbet mentorvelórios e cerimônias religiosas.
"São falas que colocam na família, que já está passando por essa perda absurda, a culpabet mentorter ocorrido esse suicídio."
Outra fontebet mentorsofrimento é justamente o destino que terão as almas das pessoas que se suicidaram.
"Primeiro, lógico, há um acolhimento, mas depois [o estímulo a] um pensamento mais crítico do que faz sentido para ela. O que pode acalmar o seu coração? O que vai te ajudar nesse processobet mentorluto?", exemplifica.
"Então muitas famílias chegam à conclusãobet mentorque aquela crença ainda não conseguiu entender exatamente o que é o suicídio e que não pode falar que aquela pessoa estábet mentorsofrimento."
No espiritismo, essa pergunta sobre o destinobet mentoruma pessoa que se suicidou muitas vezes encontra alívio nas cartas psicografadas — mensagens enviadas por um espírito por meiobet mentorum médium.
Scavacini relata ser muito comum pessoas enlutadas pelo suicídio buscarem essas cartas, mesmo quem não é espírita.
"Na maioria das vezes, elas recebem mensagensbet mentorque a pessoa está bem. Para o enlutado, é um alívio enorme", diz a psicóloga.
Ela destaca que, na terapia, não importa tanto o questionamento sobre a veracidade dessas cartas e sim como isso vai ajudar no processobet mentorluto.
Mas ela diz ser preocupante quando há a cobrançabet mentorvalores muito altosbet mentordinheiro para receber cartas psicografadas.
"Tem locais onde não se cobra nada e tem pessoas que cobram valores absurdos. Aí também é nosso papel olhar e trazer um poucobet mentorreflexão", diz.
"Como psicóloga, sempre vou tentar entender qual é o papel da espiritualidade, da religiosidade na vida daquela pessoa. Se perceber que tem um valor positivo, isso vai estar dentro do meu tratamento", conclui.
O caminho que inclui refletir e às vezes superar o que diz uma religião sobre o suicídio, citado pela psicóloga, foi exatamente a trilha pela qual Bruno passou depois da morte do irmão.
"Tá certo que [o suicídio] é uma atitude antinatural. Mas a gente vê que Deus é misericordioso. Jesus na cruz falou para o ladrão: 'Se se arrependeubet mentorcoração, eu te digo hoje, estarás comigo no paraíso'", diz Bruno.
"Então, essa falabet mentorJesus é contraditória com essa afirmação do Vale dos Suicidas. Sempre me pauto por Cristo, as ações dele no Evangelho, e me pergunto: 'Como ele lidaria com esse assunto hoje?'"
*Nome fictício, a pedido do entrevistado
**Caso seja ou conheça alguém que apresente sinaisbet mentoralerta relacionados ao suicídio, ou caso você tenha perdido uma pessoa querida para o suicídio, confira alguns locais para pedir ajuda:
- O Centrobet mentorValorização da Vida (CVV), por meio do bet mentor telefone 188, oferece atendimento gratuito 24h por dia; há também a opçãobet mentorconversa por chat, e-mail e busca por postosbet mentoratendimento ao redor do Brasil;
- Para jovensbet mentor13 a 24 anos, a Unicef oferece também o chat Pode Falar;
- Em casosbet mentoremergência, outra recomendaçãobet mentorespecialistas é ligar para os Bombeiros ( bet mentor telefone bet mentor 193) ou para a Polícia Militar ( bet mentor telefone bet mentor 190);
- Outra opção é ligar para o SAMU, pelo bet mentor telefone 192;
- Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centrosbet mentorAtenção Psicossocial (CAPS),bet mentorUnidades Básicasbet mentorSaúde (UBS) e Unidadesbet mentorPronto Atendimento (UPA) 24h;
- Confira também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimentobet mentorsaúde mental gratuitobet mentortodo o Brasil.
- Para aqueles que perderam alguém para o suicídio, a Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (Abrases) oferece assistência e gruposbet mentorapoio.