Menos renda, mais trabalho infantil: os efeitos devastadores da crise do cacau no sul da Bahia ao longobolaopixbetgerações:bolaopixbet

Mãosbolaopixbetrapaz trabalhando com cacau

Crédito, Divulgação MPT

Legenda da foto, Vassoura-de-bruxa, maior praga da história da cacauicultura brasileira, derrubou renda e acesso à educaçãobolaopixbetmunicípios afetados

Perdemos essa vice-liderança por uma única razão: a vassoura-de-bruxa, praga causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, que afeta as árvoresbolaopixbetcacau e esteve no centro da maior crise da história da cultura nacional do cacau.

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Por conta da vassoura-de-bruxa, a produção brasileira encolheu quase 80% entre 1985 e 1999,bolaopixbetcercabolaopixbet449 mil toneladas para apenas 96 mil.

Como consequência, a microrregiãobolaopixbetIlhéus e Itabuna, no sudeste da Bahia, sofreu com a maior ondabolaopixbetdesemprego dabolaopixbethistória.

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Cercabolaopixbet250 mil trabalhadores rurais perderam seus postosbolaopixbettrabalho, segundo a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), ligada ao Ministério da Agricultura e Pecuária.

Mas os efeitos da crise do cacau não se restringiram aos anosbolaopixbetauge da praga, mostra um estudo dos economistas Yuri Barreto, da Universidade FederalbolaopixbetPernambuco (UFPE), e RodrigobolaopixbetOliveira, do Instituto MundialbolaopixbetPesquisabolaopixbetEconomia do Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas (UNU-Wider, na siglabolaopixbetinglês).

Em artigo publicadobolaopixbetmaiobolaopixbet2023 e atualizado com novos dadosbolaopixbetmarço deste ano, os pesquisadores mostram como a vassoura-de-bruxa causou prejuízos duradouros naquela região da Bahia.

A praga derrubou a renda e o acesso à educação da população local e foi possivelmente a principal causa do aumento do trabalho infantil nos municípios afetados.

Segundo os autores, os resultados são particularmente relevantes num momentobolaopixbetque o mundo é afetado pelas mudanças climáticas, o que deve tornar cada vez mais frequentes eventos extremos com impactos na produção agrícola.

A importância do cacau no sul da Bahia

Nativo da Amazônia, o cacau chegou à Bahiabolaopixbet1746, quando o francês Louis Frederic Warneaux, que vivia no Pará, enviou sementes ao fazendeiro português Antônio Dias Ribeiro, que as semeou onde hoje está localizado o municípiobolaopixbetCanavieiras.

As fazendasbolaopixbetcacau foram se multiplicando na região ao longo do século 19, e as exportações avançaram à medida que aumentava o consumobolaopixbetchocolate, produzido a partir do cacau, na Europa e nos Estados Unidos.

Nas primeiras décadas do século 20, o cacau chegou a ser o principal produtobolaopixbetexportação baiano.

"O cacau começou a ser cada vez mais importante, tanto que se transformoubolaopixbetuma monocultura", observa Lurdes Bertol Rocha, professora aposentada do DepartamentobolaopixbetCiências Agrárias e Ambientais da Universidade EstadualbolaopixbetSanta Cruz (Uesc) e autora da tesebolaopixbetdoutorado A região cacaueira da Bahia - Uma abordagem fenomenológica.

Um ano antes da chegada da vassoura-de-bruxa, a parcela do cacau na produção agrícola total dos municípios afetados no Estado erabolaopixbetem média 84%, segundo Barreto e Oliveira. A Bahia era responsável por 86% da produção brasileira.

"O cacau se tornou a basebolaopixbettudo aqui na região, até 1989, quando chegou a vassoura-de-bruxa", diz a pesquisadora.

A praga

Como qualquer mercadoria, a história do cacau é marcada por flutuaçõesbolaopixbetpreços e do volumebolaopixbetprodução.

"O que é diferente na vassoura-de-bruxa, que nos interessou como objetobolaopixbetestudo, é que há uma queda na produção, mas ela não cai e volta, comobolaopixbetcostume", observa Yuri Barreto, da UFPE.

"A produção cai e não volta mais, esse é o grande diferencial dessa crise."

A vassoura-de-bruxa pode afetar o cacaueirobolaopixbetdiversas fases, desde a muda até a planta adulta, atacando tanto galhos, quanto flores, folhas e frutos.

Quando o fungo infecta os brotos da árvore, provoca um inchaço da parte afetada e uma proliferaçãobolaopixbetpequenos brotamentos que, quando secam, lembram uma vassoura, daí o nome da praga, segundo a Ceplac.

Nos frutos, a vassoura-de-bruxa resultabolaopixbetapodrecimento da polpa, o que reduz a produtividade das lavourasbolaopixbetcacau.

Fruto do cacau contaminado pela vassoura-de-bruxa

Crédito, Scott Bauer, USDA Agricultural Research Service

Legenda da foto, Nos frutos, a vassoura-de-bruxa resultabolaopixbetapodrecimento da polpa

Bioterrorismo

A doença sempre existiu na Amazônia, mas não se alastrou ali por dois motivos principais: as condições climáticas e o fatobolaopixbetque o cacau nunca foi uma monocultura na região, explicam os pesquisadores.

Já no sudeste da Bahia, não havia registros da praga até o repentino surtobolaopixbet1989.

A descoberta da vassoura-de-bruxa aconteceubolaopixbetmaio daquele ano, no municípiobolaopixbetUruçuca. Em outubro, foi a vezbolaopixbetCamacan reportar a presença do fungo.

À época, a principal explicação para a chegada da vassoura-de-bruxa no sul da Bahia foi bioterrorismo por competidores da região amazônica ou da Costa do Marfim.

"Apesarbolaopixbetnada ter sido provado sobre a responsabilidade ou as reais motivações, o consenso ébolaopixbetque o espalhamento do fungo foi criminoso e intencional", destacam Barreto e Oliveira, no estudo From Fields to Futures: The Lasting Effects of Crop Diseases on Education and Earnings (Dos campos aos futuros: os efeitos duradourosbolaopixbetpragas agrícolas na educação e renda,bolaopixbettradução livre).

Em 2006, o jornalista Reinaldo Azevedo – então um feroz crítico do primeiro governobolaopixbetLuiz Inácio Lula da Silva (PT) – escreveu na revista Veja um artigobolaopixbetgrande repercussão intitulado O bioterrorismo dos petistas.

O artigo foi publicadobolaopixbetjulho daquele ano, poucos meses antes das eleições presidenciaisbolaopixbetoutubro, que dariam a reeleição a Lula.

Azevedo se baseoubolaopixbetuma investigação da Polícia Federal, na qual um ex-funcionário da Ceplac assumia o crime, e incriminava mais quatro pessoas ligadas ao PT e ao PDT.

A suposta ação criminosa também foi tema do documentário O nó: Ato humano deliberado,bolaopixbet2012, baseadobolaopixbetdepoimento deste mesmo ex-funcionário.

No entanto, nada foi provado, e a investigação foi arquivada. Mas essa versão dos fatos permanece viva no imaginário da região, observa Berreto.

"Até hoje, ninguém consegue cravar com certeza como surgiu a vassoura [no sudeste da Bahia]", diz o pesquisador.

"Existem teorias, mas elas também podem ter sido usadas com fins políticos. Não existem provas do que causou [o surto da doença], mas o que se sabe pelas análises feitas é que o padrão da forma como ela se espalhou indica que foi intencional."

Os impactos da vassoura-de-bruxa

Alguns fatores explicam porque a vassoura-de-bruxa teve um impacto tão grande no sudeste da Bahia.

O primeiro deles, segundo os pesquisadores – ambos baianos –, é que a produção do cacau na região à época era uma monocultura.

"A renda agrícola muito alta e a produção relativamente simples não incentivavam a diversificação", observam.

Um segundo fator é que a cultura do cacau na região é feita por meiobolaopixbetum sistema produtivo chamado cabruca, que consiste na utilização da própria floresta para "fazer sombra" no cacaueiro, controlando a temperatura e a evaporaçãobolaopixbetágua do solo.

Fazendabolaopixbetcacau

Crédito, Rodrigo Oliveira

Legenda da foto, Na cabruca, a floresta é utilizada para 'fazer sombra' no cacaueiro, controlando a temperatura e a evaporaçãobolaopixbetágua do solo

Então derrubar a floresta e plantar outra coisa não era uma opção fácil, e uma mudança estrutural era uma grande dificuldade.

Além disso, à época, pouco se sabia sobre a vassoura-de-bruxa, e as diversas tentativas da Ceplacbolaopixbetcontrolar a praga demoraram para surtir efeito.

"O fato é que a região nunca se recuperou completamente", afirma Oliveira.

A professora Lurdes Rocha, da Uesc, observa que essa recuperação foi prejudicada porque "ninguém sabia o que fazer".

"A Ceplac também não estava preparada, e alguns fazendeiros até se suicidaram, porque ninguém estava preparado – nem financeiramente, nem tecnicamente – para essa eventualidade."

Relatos sobre essa situaçãobolaopixbetdesespero são comuns até hoje na região.

"Minha família tinha várias fazendas cacaueiras entre Itajuípe e Ilhéus", conta uma usuáriabolaopixbetuma rede social, comentandobolaopixbetuma postagem sobre o Dia do Cacau, celebradobolaopixbet26bolaopixbetmarço.

"Foi tudo devastado pela vassoura-de-bruxa. Houve suicídio, morte por desgosto, tudo perdido. Imóveisbolaopixbetum dia para o outro foram vendidos a preço irrisório, trabalhadores agrícolas [ficaram] pelas ruas passando fome, tudo muito triste."

Efeitosbolaopixbetlongo prazo

Para além desses efeitos devastadores imediatos, os economistas Yuri Barreto e Rodrigo Oliveira investigaram os impactos sociaisbolaopixbetlongo prazo.

Eles utilizam dados dos Censos demográficosbolaopixbet2000 e 2010 para um conjuntobolaopixbetmunicípios nordestinos com características semelhantes.

Essa amostra foi dividida entre municípios afetados pela vassoura-de-bruxa (o grupobolaopixbettratamento) e aqueles não afetados pela doença (o grupobolaopixbetcontrole).

Os pesquisadores então comparam indicadores educacionais ebolaopixbetrenda nesses dois grupos ao longo do tempo.

E fazem uma sériebolaopixbettestes para se assegurarbolaopixbetque os efeitos captados sãobolaopixbetfato relacionados à praga e não a outros fatores, como, por exemplo, possíveis diferençasbolaopixbetcaracterísticas entre os municípios ou a migração populacional causada pela perdabolaopixbetprodutividade das lavouras.

"O principal resultado que encontramos é que indivíduos que foram expostos durante a infância [aos efeitos da vassoura-de-bruxa] têm uma menor probabilidade –bolaopixbetcercabolaopixbet10%bolaopixbetrelação à média –bolaopixbetconcluir o ensino médio e cercabolaopixbet8%bolaopixbetredução da probabilidadebolaopixbetcompletar o ensino fundamental", observa Barreto.

O estudo também aponta que a renda média nos municípios afetados caiu entre 25% e 38%bolaopixbet1991 a 2000 devido à vassoura-de-bruxa.

"A literatura mostra que, se uma família é pobre o suficiente, a educação passa a ser um bembolaopixbetluxo", diz o pesquisador.

"Então, se há uma crise muito grande, a criança não vai para a escola, ela acaba tendo que trabalhar, seja na roça – que agora está menos produtiva, então precisabolaopixbetmais pessoas –, seja fazendo algum bico ou outra coisa."

Assim, eles avaliam que a praga pode ter sido o principal fator a elevar a parcelabolaopixbetcrianças trabalhando nos municípios afetadosbolaopixbetaté 30%,bolaopixbetcomparação com a média do grupobolaopixbetcontrole.

A importância desses resultados

Para Yuri Barreto, da UFPE, estudar um choque agrícolabolaopixbetgrandes proporções, como foi a vassoura-de-bruxa no sudeste da Bahia no fim dos anos 1980, é particularmente relevantebolaopixbetum mundobolaopixbetmudança climática, onde eventos naturais extremos devem ser cada vez mais frequentes.

"O que mostramos é o custo futurobolaopixbetnão se preparar para esses desastres e como é importante ter uma redebolaopixbetassistência social nesses casos", afirma.

O pesquisador avalia que, se naquele momento as famílias contassem com mecanismos para amenizar a perdabolaopixbetrenda, talvez aquelas crianças não precisassem ter saído da escola.

Lurdes Rocha, da Uesc, destaca que, apesar da crise, a região passa agora por uma nova fasebolaopixbetcrescimento, impulsionada por iniciativasbolaopixbetprodução sustentável e pelo alto preço atual do cacau.

A arroba do cacau (unidade equivalente a 15 kg) na Bahia passoubolaopixbetR$ 212 para R$ 650 entre abril do ano passado e igual mêsbolaopixbet2024, segundo cotações disponíveis no portal Agrolink.

Fruto do cacau saudável

Crédito, Rodrigo Oliveira

Legenda da foto, Cacauicultura no sul da Bahia passa por nova fasebolaopixbetcrescimento, impulsionada por iniciativasbolaopixbetprodução sustentável e pelo alto preço do cacau

Há cercabolaopixbetdez anos, a região começou a se reinventar, com iniciativas dedicadas à produçãobolaopixbetchocolates finos,bolaopixbetvez da simples vendabolaopixbetsementesbolaopixbetcacau para a grande produção.

Entre marcas com atuação na região, estão a Dengo e a local Mendoá.

Além disso, agricultores familiares também têm se dedicado à produçãobolaopixbetchocolatesbolaopixbetalta qualidade com suporte do CentrobolaopixbetInovação do Cacau da Uesc.

Chocolates produzidos no sul da Bahia

Crédito, Rodrigo Oliveira

Legenda da foto, Chocolates e melaçobolaopixbetmelbolaopixbetcacau produzidos no sul da Bahia

Lurdes, que é gaúcha, mas mudou-se para Itabunabolaopixbet1978 e chegou a ter uma pequena fazendabolaopixbetcacau com o marido, vê com entusiasmo essa nova etapa.

Mas ela reforça a relevânciabolaopixbetanálisesbolaopixbetlongo prazo como abolaopixbetBarreto e Oliveira.

"É importante porque, fazendo uma análise histórica do que aconteceu, não repetimos o erro", diz a professora.

"Por exemplo, já sabemos que monocultura não dá certo, que na hora que houver um problema com aquela cultura, toda a região sofre."

*Com a colaboraçãobolaopixbetCamilla Costa, da equipebolaopixbetJornalismo Visual da BBC.