Cupulate: o desafio do 'primo' do chocolate que pode ajudar Amazônia, segundo pesquisadores:

Barracupulate

Crédito, AMMA Chocolate

Legenda da foto, Barra do cupulate (na foto) tem muita semelhança com a do chocolate

O que é o cupulate?

Duas marcascupulate se destacam hoje no Brasil. A amazônica De Mendes, que desenvolveu seu cupulate a partiruma receita tradicional usada por mulheresuma comunidade agroextrativista do Pará. E a baiana Amma, que foi pioneira e comercializa seu cupulate orgânico há quase uma década.

Cupuaçu

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O cupuaçu pertence ao mesmo gênero que o cacau

Ambas entraram no mercado oferecendo, inicialmente, chocolates artesanais feitos com cacau fino,altíssima qualidade.

O dono da Amma, Diego Badaró,41 anos, pertence à quinta geraçãouma famíliafazendeiroscacau que,1989, tiveram suas lavouras devastadas por um fungo. Ele recuperou a saúde das plantações seguindo as práticas do suíço Ernst Gotsch, especialistaregeneraçãoterras degradadas. E começou a venderlinhachocolates finos.

Um dia, se encantou com o cupuaçu. "Fui visitar uma fazendacupuaçu, vi os grãos e fiquei muito interessado, curioso", conta Badaróentrevista à BBC News Brasil.

A árvore do cupuaçu, o cupuaçuzeiro, pode chegar a 15 metrosaltura. Seu fruto pode alcançar 25 cmcomprimento e entre 10 e 13 cmdiâmetro. Ricovitamina C, vitaminas do complexo B e sais minerais, o cupuaçu é muito apreciado pelos amazônicos, que o consomem nas formas mais variadas, como sucos, cremes, sorvetes, licores e geleias.

Sua popularidade fora da Amazônia, no entanto, contrasta muito com aduas outras frutas nativas da floresta - o cacau, estrela consagrada, e o açaí (Euterpe oleracea Mart),ascensão meteórica.

Badaró conta que resolveu fazer uma experiência: usar as sementes da fruta para criar um alimento análogo ao chocolate. "Decidi fermentar os grãos e secar, como fazemos com o cacau. Não ficou muito interessante", relembra. Mas ele insistiu.

Procedimentosecagem do cupuaçu

Crédito, Mateus Mendes

Legenda da foto, Procedimentosecagem do cupuaçu para a produção do cupulate

"Resolvi testar novamente, já com fábricaSalvador. E percebi que a fermentação do cupuaçu era mais longa. É o mesmo processo, só que leva mais tempo do que o do cacau."

Uma barracupulate não deve deixar ninguém acordado à noite. Ele não contém cafeína nem teobromina, estimulantes naturais presentes no chocolate. Etextura cremosa se deve à composição da semente da fruta, explica Badaró.

"O grão do cacau tem 50%sólidos e 50%óleo. O do cupuaçu é 80% óleo, tem poucos sólidos, então dá essa textura. É incrível, não?", comenta.

Os cupulates da Amma e da De Mendes são do tipo meio amargo, ou seja, contêm somente sementecupuaçu e açúcar mascavo.

Cupuaçu

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Fruta é consumida nas formas mais variadas, como sucos, cremes, sorvetes, licores e geleias

Em buscaidentidade

Nascido e criado na Amazônia, o macapaense CésarMendes,59 anos, conhecia bem o cupuaçu e já tinha provado cupulate, mas conta que não via muita graça naquilo. Ele ressalta, inclusive, que a Empresa BrasileiraPesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu e patenteou o cupulate na década1980.

"O nosso existe há dois anos. Eu não coloquei pra rodar antes porque não estava satisfeito com o resultado. Tinha provado o da Embrapa, mas eu não gostava."

Especialistaengenhariaalimentos, Mendes trabalhou como consultor no ramo do cacau antesabrirprópria fábrica. A De Mendes faz chocolates à basecacau nativo da Amazônia, colhido por comunidades da florestaregiões, muitas vezes, isoladas.

Isso talvez explique a visão crítica que César tinha sobre o cupulate. Para ele, era como se faltasse uma personalidade própria a esse primo do chocolate. "Você coloca (um produto como esse) no mercado, e as pessoas tendem a comparar com o chocolate", explica. "Então, não tinha estímulo nenhum para fazer."

Uma xícarauma bebida saborosa tomada à sombrauma árvore nas imediações do rio Tapajós, no Pará, fez Mendes mudaropinião. Ele conta que provou a bebida quando visitava a associaçãomulheres agroextrativistas Amabela, no municípioBelterra. "Era cupulate", diz. "Tomei numa xícara e gostei, como nunca tinha gostado antes."

Mendes conta que perguntou às mulheres se elas concordariamcompartilhar com ele o processofabricação - um conhecimento transmitido entre gerações na comunidade. Com a permissão do grupo, testou a receitacasa."Gostei muito. Pensei, 'está na horalançar uma barracupulate'."

Cupuaçu

Crédito, Felipe Santos da Rosa/Embrapa

Legenda da foto, O cupuaçu é visto por grupocientistas brasileiros como um produto com grande potencialpromover o desenvolvimento econômico da floresta

Ele diz que o cupulate da De Mendes tem um sabor único. Tão gostoso que, depoisprová-lo, muitos clientes desistemcomprar chocolate e encomendam apenas cupulate. Mas gostoso como?

"Pra mim, é fácil porque quem nasce na Amazônia entende esse gosto", ele responde. "Mas, quando vou falar com uma pessoafora, tenho que dar referências. Por exemplo, quando você mastiga, sente um perfume muito característico do cupuaçu. E, no sabor, percebe o azedinho, a lembrança da fruta, da polpa da fruta."

Mas quem ficou com vontade vai ter um certo trabalho para provar. Os cupulates da De Mendes e da Amma são vendidos principalmente nos sites das marcas. Também podem ser encontradosalgumas lojasprodutos orgânicos esupermercados independentes, mas é inegável que a distribuição ainda pode ser melhor.

O cupulate pode fazer do cupuaçu o 'novo açaí'?

Na década entre janeiro2011 e dezembro2021, as exportaçõesaçaí pelo Estado do Pará (responsável por 94% do total exportado pelo Brasil) cresceram quase 150 vezes (14.380%), segundo dados da Associação BrasileiraProdutores ExportadoresFrutas e Derivados, Abrafrutas. Ainda segundo a entidade, a quantidade exportada subiu41 toneladas2011 para 5.937 toneladas2021.

Em 2020,acordo com o Instituto BrasileiroGeografia e Estatística (IBGE), o país produziu 1.478.168 toneladasaçaí, com rendimento à economia brasileiraR$ 4,75 bilhões. Dados do instituto para 2017 (os mais recentes disponíveis) mostram que, naquele ano, a produçãocupuaçu foi21.240 toneladas, com um faturamentoR$ 54,82 milhões.

Os dados sãoanos diferentes, o que dificulta comparações. Além disso, os pesquisadores enfatizam que os números variam muitoano para ano. Ainda assim, a diferença no desempenho das duas frutas é imensa.

Barracupulate

Crédito, Amma

Legenda da foto, Para pesquisadores, o cupulate precisa vencer um desafio: encontraridentidade, longe do primo famoso e bem sucedido

Será que o cupulate poderia mudar o destino do cupuaçu para fazer dele mais uma estrela da Amazônia? Quase uma década após ter lançado o seu cupulate, Diego Badaró, da Amma, diz não ter dúvidas sobre a viabilidade do produto. "Já está há nove anos no mercado, já se provou."

Aliás, bem antesBadaró e Mendes investirem no cupulate, outros já haviam identificado o potencial comercial do produto - inclusive no exterior do país, e nem sempreforma legítima.

'O cupuaçu é nosso'

Na década2000, o cupuaçu esteve no centrouma batalha judicial internacional envolvendo a empresa japonesa Asahi Foods e o governo do Brasil. Em um caso clássicobiopirataria, a empresa japonesa patenteou as marcas "Cupuaçu" e "Cupulate". O caso resultou na campanha "O cupuaçu é nosso", e as patentes foram revogadas.

Mas o sucesso do cupulate no mercado não interessa apenas a empresários. O cupuaçu é visto por um grupocientistas brasileiros como um produto com grande potencialpromover o desenvolvimento econômico da Amazônia para que a florestapé gere riquezas para o Brasil.

O caminho para isso, dizem, seria aliar os saberes da floresta (como é o caso, por exemplo, da receitacupulate das mulheres da Amabela) a tecnologiasponta (para permitir que os próprios produtores façam o beneficiamento da fruta, agregando valor ao produto). Finalmente dando suporte a tudo isso, políticas governamentais.

Mendes conta que foi convidado pelo climatologista Carlos Nobre, líder do grupocientistas, a colaborar com esse plano, batizadoAmazônia 4.0. Ele explica que foi chamado por ser um especialistacacau. "Conheço a cadeia, conheço as comunidades, produzo. Conheço a floresta", diz. "Por isso me chamaram."

Mas o cupulate teria o mesmo potencial comercial que o chocolate? "O chocolate é um produto que tem uma culturaconsumomassacem anos. É um sabor consagrado no mundo todo. Você vai contrastar (o chocolate) com um outro produto, é delicadofazer uma projeção", responde.

"Vejo potencial. Mas depende da forma como (o cupulate) vai ser entregue para o mundo. Se for feita essa aproximação com o chocolate, vai ser muito difícil evoluir."

Texto originalmente publicado em http://vesser.net/brasil-62665457

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