A Bíblia manda a mulher ser submissa ao homem?:codigos da betano

O Jardim do Éden,codigos da betanopinturacodigos da betanoPieter Paul Rubens, feita por voltacodigos da betano1615.

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Teólogos e especialistas contemporâneos, contudo, explicam que são estes claros exemploscodigos da betanoque, para ler os textos sagrados, é preciso compreender o contextocodigos da betanoque tais materiais foram escritos — do contrário, o fundamentalismo carrega as contaminaçõescodigos da betanoum anacronismo.

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Submissão, segundo um dicionáriocodigos da betanolíngua portuguesa, é a “condiçãocodigos da betanoque se é obrigado a obedecer”, “sujeição”, “subordinação”. Também pode ser entendida como “disposição para obedecer, para aceitar uma situaçãocodigos da betanosubordinação”.

“A ideiacodigos da betanoque a mulher deve ser submissa ao homem deve ser entendidacodigos da betanoseu contexto social e também literal do texto bíblico”, diz à BBC News Brasil a teóloga e pedagoga Andreia Cristinacodigos da betanoMorais, freira da Congregação das Pequenas Missionáriascodigos da betanoMaria Imaculada e professora na Pontifícia Universidade Católicacodigos da betanoMinas Gerais (PUC-MG).

“A maioria das sociedades no mundo antigo era patriarcal. Seus registros geralmente refletem uma perspectiva masculina, ou seja, enfatizam os interesses e as preocupações dos homens que os escreveram”, acrescenta ela.

“O mundo bíblico não era diferente. Assim, os textos da Bíblia geralmente revelam uma forma masculina e patriarcalcodigos da betanoenxergar as situações.”

Contexto histórico

Morais aponta que as interpretações contemporâneas buscam “compreender as representações das mulheres como uma imagem bíblica que simplesmente reflete as suposições e expectativas culturaiscodigos da betanouma antiga sociedade patriarcal”.

Por isso, ela defende que essa ideiacodigos da betanomulher submissa ao homem seja sempre interpretada dentro do contexto original.

A ideiacodigos da betanoque as mulheres precisam ser submissas aos maridos, embora citada três vezes nas epístolascodigos da betanoPaulo e uma nacodigos da betanoPedro, não aparece nenhuma vez nos evangelhos — os quatro textos que narram a vida e os ensinamentoscodigos da betanoJesus.

Com issocodigos da betanomente, a religiosa sugere um olhar mais atento para as motivaçõescodigos da betanoquem escreveu o texto.

Ela recorda que Paulo não necessariamente estava criando uma normacodigos da betanosubmissão, mas sim que poderia estar refletindo o que já era praxe para criar uma analogia com a relação entre Jesus Cristo e a Igreja que começava a se formar.

Eva,codigos da betanopinturacodigos da betanoAlbrecht Dürer feitacodigos da betano1507

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Esta interpretação pode ser tomada, por exemplo, do trecho aos Efésios, que continua com o apóstolo dizendo que, se Jesus é “a cabeça” e a Igreja “é o corpo”, os maridos devem amar suas mulheres assim como Cristo amou a Igreja.

“Observando esse contexto mais amplo, Paulo não deseja explicar como a mulher deve se comportarcodigos da betanorelação ao marido, mas usa essa analogia para explicar a relação entre Cristo e a Igreja, uma relaçãocodigos da betanosubmissão, obediência e amor.”

A teóloga Morais argumenta ainda que, buscando a referência do texto originalcodigos da betanogrego, é possível entender que Paulo pretendia “destacar que a submissão écodigos da betanouns aos outros no temor do Senhor” e que, para passar essa mensagem, ele “exemplifica com a mulhercodigos da betanorelação ao marido”. Ou seja: essa relaçãocodigos da betanosubmissão aparece como uma verdade dada, algo já próprio daquele contexto.

“A ideia básica é sempre uma analogia com o marido, com a casa, com o ambiente doméstico. O idealcodigos da betanosubmissão vem desse modelo familiar”, contextualiza à BBC News Brasil o teólogo e historiador Gerson Leitecodigos da betanoMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“O apóstolo Paulo faz uma analogia entre o papel da mulher dentrocodigos da betanocasa, sendo submissa à vontade do marido, e o papel da Igreja, sendo submissa à vontadecodigos da betanoJesus”.

Ele ressalta que é preciso compreender aquele contexto histórico. “A Bíblia nasce num ambiente machista. Ou seja, ela reflete um tipocodigos da betanocomportamento que era comumcodigos da betanotoda a antiguidade, não só entre os judeus, mas entre outros povos da antiguidade”, diz. “Na construçãocodigos da betanosociedades patriarcais, as mulheres acabam tendo papéis definidos no espaço do oikos, quecodigos da betanogrego significa casa.”

Em paralelo, diz o professor, o homem fica com o “espaço da ágora”, ou seja, da praça, do público.

“De maneira geral, o mundo antigo era um mundo patriarcal. As mulheres ficavam relegadas ao ambiente doméstico e, portanto, quando grupos religiosos falam sobre o papel da mulher, eles acabam refletindo essa realidade”, diz.

Ele vê um Paulo muito enfático sobre a divisãocodigos da betanopapéis entre homem e mulher na carta a Timóteo. Ali, o apóstolo faz um paralelo: enquanto homens são incitados a orarem “em toda parte, erguendo para o céu mãos santas”, as mulheres precisam se resignar a “guardar silêncio, com toda submissão”.

“Não permito à mulher que ensine, nem que domine o homem”, prossegue o texto bíblico. “Mantenha-se, portanto,codigos da betanosilêncio.”

Autor do livro Igrejas que Calam Mulheres, o pastor batista e teólogo Yago Martins tem uma visão mais conservadora sobre esses trechos bíblicos. “Não há como fugir, o Novo Testamento falacodigos da betanosubmissão”, diz,codigos da betanoconversa com a BBC News Brasil.

“Algumas pessoas querem evitar o termo porque acham que é muito pesado. Mas é um termo bíblico. A escritura estabelece que o papel da mulher no casamento écodigos da betanosubmissão”, afirma.

“Mas a escritura diz que a submissão da mulher é a seu próprio marido e não a todo e qualquer homem. O que se diz é a submissão da esposa ao seu próprio marido.”

Ele adverte, contudo, que essa submissão não deve ser entendida “como apagamento, como se fosse para impedir as mulherescodigos da betanoterem vozes, dignidade”.

“Todo mundo é submisso a patrão, a autoridade pública. Dentro do contextocodigos da betanofamílias cristãs, a gente entende que há uma ordem complementarcodigos da betanoque dois iguais possuem papéis diferentes”, diz Martins.

“[A Bíblia] falacodigos da betanohomens tendo um papelcodigos da betanopastoreiro sobre o seu lar e mulheres que seguem esse pastoreiro. Estabelece que é essa a ordem.”

Eva,codigos da betanopinturacodigos da betanoPantaleon Szyndler, feitacodigos da betano1889

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Legenda da foto, Eva,codigos da betanopinturacodigos da betanoPantaleon Szyndler, feitacodigos da betano1889

Gênesis

Professora aposentada na Pontifícia Universidade Católica do Riocodigos da betanoJaneiro (PUC-RJ), a teóloga Tereza Maria Pompeia Cavalcanti afirma à BBC News Brasil que a origem dessa visãocodigos da betanosociedade presente nas cartascodigos da betanoPaulo remete ao Antigo Testamento, mais especificamente na narrativa da criação do mundo presente no livro do Gênesis.

Pela história, Deus teria feito o homem e, depois, retirado umacodigos da betanosuas costelas para, com este material, fazer a mulher. “Em outro texto [na primeira carta enviada aos Coríntios], Paulo chega a dizer que ‘o homem não foi tirado da mulher, mas a mulher foi tirada do homem. E o homem não foi criado para a mulher, mas a mulher foi criada para o homem’”, conta a teóloga.

Na justificativacodigos da betanoPaulo, isto é porque “Adão é que foi formado primeiro. Depois Eva”. E enquanto o primeiro “não foi seduzido”, a mulher foi e “caiu na transgressão”, conforme explica o teólogo Moraes.

“Nesta passagem, Paulo revelacodigos da betanoonde ele tirou essa ideiacodigos da betanosubmissão da mulher. Para ele, a culpacodigos da betanotoda essa visãocodigos da betanouma sociedade machista e patriarcal foicodigos da betanoEva. Eva errou. Eva foi enganada. Eva caiucodigos da betanotransgressão e, consequentemente, levou seu marido ao erro e trouxe o pecado para toda a humanidade”, analisa ele.

“Por isso, caberia à mulher não exercer a autoridade dentrocodigos da betanocasa e o seu papel, acodigos da betanomissão, seria a maternidade”, complementa.

Para Moraes, o problema é “quando esse tipocodigos da betanopassagem acaba sendo lida sem a devida contextualização”. “Isso gera a perpetuação dessa visão machista na sociedade”, adverte o professor.

Autora de, entre outros livros, As Incômodas Filhascodigos da betanoEva na Igreja da América Latina, a filósofa e teóloga feminista Ivone Gebara, freira agostiniana, lembra ainda que o machismo foi erguido a partircodigos da betanocamadascodigos da betanointerpretação dos textos bíblicos.

“Uma observação geral importante é que não necessariamente o que está escrito na Bíblia segue as interpretações misóginas que foram feitas ao longo dos tempos”, afirma.

“Isto nos permite uma abordagem diferente da Bíblia como um livro que foi considerado sagrado, mas, originalmente, todos os livros que o compõem não eram considerados sagrados, e sim crônicas, textoscodigos da betanosabedorias diversas.”

Do Antigo Testamento, ela também busca no Gênesis um dos “vários textos que dão essa interpretaçãocodigos da betanosubmissão”. Quando se dá a queda e expulsão do paraíso, o trecho narra que Deus disse o seguinte à Eva: “Teu desejo te impelirá para o teu homem, e este te dominará”.

“Usa-se este e muitos outros textos para afirmar a natural submissão da mulher”, acrescenta Gebara.

Adão e Eva são expulsos do paraíso,codigos da betanopinturacodigos da betanoHans Heyerdahl, feitacodigos da betano1876

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Auxiliadora?

É ainda do livro do Gênesis que vem outra questão muito presente quando se recorre à Bíblia para a definição do que seriam os papéiscodigos da betanogênero.

Mais precisamente, o segundo capítulo do livro, no trechocodigos da betanoque há a narraçãocodigos da betanocomo teriam sido criados Adão e Eva. É quando a mulher é apresentada como uma “auxiliadora”.

Este é o termo que aparece na versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), por exemplo: “Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”.

Mas há uma questãocodigos da betanotradução, esclarecem os especialistas.

Na tradução Almeida Corrigida Fiel (ACF), o termo é “ajudadora idônea”. Na Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), o mesmo trecho diz “uma ajuda que lhe seja adequada”.

Muitos fundamentalistas se apegam a essa passagem para reduzir o papel da mulher, como se ela tivesse nascido para nunca protagonizar, para sempre ser uma auxiliar.

O pastor Martins diz que “essa tradução não tem sido tão reproduzida mais”. Ele cita uma atualização da Nova Versão Internacional (NVI). “Traduziu agora como ‘aliada semelhante’. ‘Auxiliadora’ virou ‘aliada’”, comenta.

Segundo Martins, o verbo hebraico utilizado originalmente, ozer, “não possui sentidocodigos da betanoautoridade sobre”. “É um termo genérico que fala sobre aliado, que pode ser superior, inferior ou igual”, explica.

“Entendeu-se que auxiliadora, no contexto brasileiro, poderia ter um sentidocodigos da betanoinferioridade. Então o termo foi alterado para aliada. Uma outra tradução possível seria aliada complementar”, diz.

“Depende da interpretação”, afirma à BBC News Brasil a teóloga, filósofa e biblista Zuleica Aparecida Silvano, freira da Congregação das Filhascodigos da betanoSão Paulo, professora na Faculdade Jesuítacodigos da betanoFilosofia e Teologia e membro da Associação Brasileiracodigos da betanoPesquisa Bíblica.

“Na criação,codigos da betanoGênesis, Deus cria a mulher do lado do homem, a palavra hebraica é tsela, para indicar que são iguais. O texto não diz uma auxiliar, mas sim uma ajudante, no sentidocodigos da betanoalguém que socorre”, explica ela. “Esse termo geralmente ocorre para expressar uma ação divina”.

Ela acrescenta quecodigos da betanooutras passagens bíblicas, o mesmo termo é utilizado no significadocodigos da betano“salvar”. “Nesse caso, é para salvar Adãocodigos da betanopermanecercodigos da betanosi mesmo”, interpreta.

Silvano vai além. A frase seguinte diz que Deus “colocou a mulher diante do homem”. Este “diante de”,codigos da betanohebraico, é neged.

“Na literatura rabínica, neged é interpretado nos dois sentidos, ou seja, a mulher será uma ajuda para o homem, se ele a merecer. Ou será contra o homem, se ele não a merecer. Deste modo, a mulher é vista como aquela que estabelece um limite para o homem. Ou seja: ele não é o todo-poderoso. Existe um ser que também pode mandar”, argumenta a biblista.

Mulher na sociedade

Interpretações religiosas à parte, pensadoras feministas entendem que essa questãocodigos da betanofundo bíblico acabou consolidando, ao longo dos séculos, uma sociedade desigual —codigos da betanoque as mulheres ficaram relegadas a papéis inferiores, na maior parte das vezes. E,codigos da betanoalguns meios religiosos fundamentalistas, o princípio segue sendo perpetuado.

“Quando a visão religiosa é muito conservadora com relação aos papéiscodigos da betanogênero, inevitavelmente existe o impacto negativo para a equidade entre homens e mulheres nos âmbitos familiar, profissional e, consequentemente, político-social”, diz à BBC News Brasil a economista Regina Madalozzo, autora do livro Iguais e Diferentes - Uma Jornada Pela Economia Feminista.

“Ao fomentar a diferençacodigos da betanoimportância no poder decisório, dentrocodigos da betanouma ideia da necessidadecodigos da betanosubmissão das mulheres a seus maridos, por exemplo, acaba-se por implicarcodigos da betanouma menor possibilidadecodigos da betanoautonomia das mulheres sem quebrar os preceitos religiosos que seguem”, acrescenta ela.

A economista argumenta ainda que o desincentivo a que mulheres estudem ou participem ativamentecodigos da betanoquestões políticas e profissionais, faz do “mecanismo que fundamenta a diferença entre homens e mulheres” também o que “sustenta e permite a discriminação entre os gêneros”.

Pesquisadora na Universidade Federalcodigos da betanoSanta Catarina (UFSC), a historiadora Giovanna Trevelin avalia que a religião “a partircodigos da betanouma perspectiva histórica” afeta, com suas ideias, “diretamente as relações sociais”.

“Quando olhamos para isso por uma perspectiva não só histórica, mas também feminista, encontramos aspectos que supõem uma hierarquia bem definida, principalmente a partir da ideia fundantecodigos da betanoum deus que é homem e todo-poderoso, ecodigos da betanouma mulher pecadora”, comenta ela, à BBC News Brasil.

“É comum, na nossa história, encontrarmos uma perspectivacodigos da betanosociedade que está fundada nestes princípioscodigos da betanodiferenças hierárquicas atribuídas aos papéis sexuais. Temos, então, uma estrutura patriarcal determinante que é consequência dos ideais cristãos”, explica a historiadora.

“Neste tipocodigos da betanosociedade, o homem é o centro: ele toma as decisões, conquista o espaço público e tem seus desejos atendidos pelas mulheres à codigos da betanovolta.”

Por outro lado, compara Trevelin, “as mulheres ficam associadas a um papel subalterno”.

“E a gente precisa compreender que essa história nos acompanha estruturalmente,codigos da betanodiferentes maneiras, até os dias atuais”, analisa.

“Os valores sociais que nos são dados desde o nosso nascimento têm bases cristãs, então nós, mulheres, somos guiadas por uma ideiacodigos da betanorestriçãocodigos da betanoexistência que pretende nos excluir das interações ativas da sociedade, afinal os ideais religiosos determinam nossa passividade como um valor positivo, principalmente para perpetuar a existência dos homens enquanto agentes públicos, ativos na sociedade e donos da narrativa histórica.”

Trevelin considera importante que a leitura da Bíblia seja feitacodigos da betanoforma crítica, porque isso “pode propor outros caminhos”, que não apenas ocodigos da betanoaceitação.

“Relacionar a religião à histórica aspiraçãocodigos da betanopoder e manutençãocodigos da betanoprivilégios aos homens é um primeiro passo nessa direçãocodigos da betanoanálise crítica e questionamentos fundamentais”, diz ela.