Ernst Götsch: o agricultor suíço que ensina a 'plantar água' na Bahia:
Enquanto várias práticas agropecuárias são apontada como vilãs do clima, ele defende a adoçãosistemas agroflorestais, que combinam a produçãocomida com a regeneraçãoflorestas.
Enquanto secas intensas quebram safras país afora, ele ensina agricultores a "plantar água", recuperando nascentes e fazendo com que suas plantações bombeiem mais água para a atmosfera.
E, no sistema dele, todos os seres — quer sejam humanos, animais silvestres ou microorganismos — têm papéis igualmente importantes.
"Eu plantei essa pupunheira, mas muitas outras na fazenda foram plantadas pelos japus", explica Götsch. "Eles me ajudam, eu os ajudo."
Terra arrasada
Quando o suíço chegou ali, nos anos 1980, o cenário era outro. Quase todos os 510 hectares da propriedade haviam sido desmatados, e os animais silvestres eram raros.
Os donos anteriores passaram anos criando porcos e cultivando mandiocaforma convencional, o que esgotou o solo e assoreou 14 riachos que cruzavam a fazenda.
"Dentropouco menosdois anos, eu tinha reflorestado tudo", conta o suíço, que também viu todos os riachos renascerem no processo.
Hoje a maior parte da propriedade virou uma reserva ambiental privada, e somente 5 hectares — menos1% do terreno — lhe geram receitas.
É nessa área que,meio a grande variedadefrutas, legumes e árvores imensas, ele cultiva um cacaualto valor, exportado para Portugal.
Com tamanha ofertaalimentos, a família do suíço quase não precisa ir ao supermercado, e todas as construções da fazenda são feitas com madeira tirada dali.
A transformação que Götsch promoveu na fazenda chamou a atençãogovernos, agricultores e empresas, que nas últimas décadas passaram a contratá-lo para consultorias.
Ele começou a rodar o Brasil dando cursos, e seus conhecimentos alcançaram entidades tão díspares quanto o Grupo PãoAçúcar e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) (leia mais abaixo).
A chegada ao Brasil
Faz 40 anos que Götsch começou a reflorestarfazenda na Bahia, mas quem visita a área hoje pode ter a impressãoestar numa mata centenária.
A equipe da BBC News Brasil esteve na propriedade no fimoutubro. Nos 160 quilômetrosestrada que ligam Ilhéus a Piraí do Norte, fazendas abandonadas expõem a decadência da região, golpeada pela crise que atingiu o setor cacaueiro nos anos 1980 e jamais foi plenamente superada.
A paisagem muda quando a rodovia adentra a propriedadeGötsch. As copas das árvores passam a cobrir o céu, o ar fica mais úmido, os cantossapos e aves se tornam onipresentes.
Götsch chegou à região quando buscava terras para avançarpesquisas iniciadas na Suíça.
Nascido1948 num vilarejo nos arredoresZurique, ele diz ter tomado gosto pela agricultura desde seus primeiros anos.
Na adolescência, aprendeu a fazer queijo e cuidouvacas nos Alpes. Aos 23, sem jamais ter se formado na faculdade, passou num concurso para trabalhar com melhoramento genéticoplantas.
O trabalho ajudou a canalizar as energiasum jovem inquieto: Götsch diz ter sido expulso da escola três vezes porque questionava os professores além da conta.
Ele afirma que experimentos no laboratório o levaram à seguinte questão: "Será que não seria mais inteligente se nos dedicássemos a melhorar as condições que damos às plantas,veztentar adequá-las às condições cada vez piores que lhes oferecemos?"
Chegou então à conclusãoque nossos sistemas agrícolas deveriam imitar os ecossistemas originais. Mas ainda faltava pôr a teoria à prova, o que seria difícil na diminuta Suíça.
Após trabalhos na Tanzânia e na Costa Rica, um sócio (este, humano) lhe ofereceu um empréstimo para comprar uma propriedade grande na região cacaueira baiana.
Götsch diz que fez questãoescolher uma terra empobrecida e que fosse considerada imprópria para o cultivocacau pelo órgão federal responsável pelas políticas para o setor, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). "Eu tinhaprovar que sabia trabalhar", ele conta.
'Água se planta'
Um dos primeiros desafiosGötsch foi recuperar os riachos assoreados, o que ele fez abrindo valas nos cursos originais e reflorestando o entorno.
As raízes protegeram o solo da erosão e permitiram que a água da chuva voltasse a infiltrar, trazendo os riachosvolta à vida.
Mas mais do que isso: ele afirma que o amadurecimento da floresta aumentou70% a quantidadechuvas na fazenda.
Isso porque, ao transpirar, as árvores transferem água para a atmosfera, intensificando a formaçãonuvens. E, quanto mais plantas há num local, mais água é bombeada.
O processo, conhecido por evapotranspiração, está por trás do fenômeno dos "rios voadores", pelo qual a água injetada na atmosfera pelas árvores da Amazônia se transformachuvavárias partes da América do Sul.
Segundo Götsch, o reflorestamentosua propriedade fez com que chovesse maisáreas que ficam a até 8 km a oeste da fazenda. A recuperação dos riachos embasou uma das principais máximas que o suíço difundecursos e palestras: aque "água se planta".
Ópera e trabalho intenso
Aos 73 anos, Gotsch exibe uma disposição impressionante. Às 5h, ele sai da casa onde mora com a mulher, Cimara Goulart, e as duas filhas adolescentes, Ilona e Genevieve, para vistoriar a secagem do cacau e da banana nas estufas que construiu.
Depois vai manejar a agrofloresta: cantando óperaalemão, sobeárvores altas para colher frutos, poda galhos e golpeia o capim com um facão.
A rotina se repete há quatro décadas, mas ele diz não enjoar. Delicia-se ao avistar famíliasmacacos que moram na fazenda e observa com atenção como cada espécie interfere no ambiente.
"Sempre que vejo aqui um bicho ou planta pela primeira vez, eu pergunto: 'o que você fazbom?'", diz.
Tirar proveito das relações entre as espécies é outro pilar do modelo do suíço.
Afinal, diz Götsch, cada bioma desenvolveu ao longobilhõesanos interações para que a vida ali tivesse o máximo êxito. Nada mais natural, portanto, que a agricultura pegasse carona nesses arranjos.
Isso significa, na prática, respeitar as condiçõesque cada planta usufruíaseu estado natural, como a quantidadeluz. O cafezeiro e o cacaueiro, por exemplo, são oriundosflorestas tropicais, onde conviviam com árvores bem mais altas antesserem cultivados pelos humanos. Em sistemas agroflorestais, portanto, eles sempre estão à sombraoutras espécies — o que faz com que produzam mais e melhor, segundo Götsch.
O mesmo vale para várias outras plantas hoje cultivadas a sol pleno pela maioria dos agricultores, como o abacaxi, a laranja e a banana, mas que Götsch alocadiferentes "andares"sua agrofloresta.
O sistema busca otimizar o espaço:vezpreencher um terreno com uma única espéciedeterminada altura, produzem-se alimentosvários estratos, com copasárvores e plantas sobrepostas.
Para ele, ao contrário do que muitos pensam, as relações entre espéciesambientes naturais não se baseiam na concorrência e na competição, mas sim no "amor incondicional e na cooperação".
"Nós não somos a espécie inteligente, nós fazemos parteum macrossistema inteligente", diz. "Eu nunca fui roubado por uma planta, elas não mentem. A ética delas é perfeita, você pode confiar", prossegue.
A noção se aplica até mesmo a insetos, vírus e fungos que muitos agricultores encaram como pragas, mas que Götsch vê como "amigos mensageiros".
Segundo o suíço, a presença delessuas agroflorestas sinaliza que há algum ponto a melhorar, já que eles só agiriam quando as plantas experimentam condições imperfeitas.
Podem ainda indicar que as plantas atacadas já cumpriram seu ciclo — nesse caso, ajudam a reciclar nutrientes para que a vida se renove.
Por isso, ele rejeita radicalmente o usoagrotóxicos. E também dispensa fertilizantes químicos, pois diz que eles deixam os agricultores dependentes dos fabricantes e são desnecessários, já que a grande ofertamatéria orgânicaseus sistemas supre plenamente as plantas.
Contra a Revolução Verde
Com a chamada Revolução Verde, porém, boa parte dos agricultores mundo afora tomou outro caminho.
A partir dos anos 1930, o usofertilizantes químicos, agrotóxicos emáquinas se popularizou nas plantações, aproximando a atividade agrícola da industrial.
Áreas antes ocupadas por ricos ecossistemas passaram a abrigar extensas plantaçõesuma só espécie — caso da soja que hoje avança por vários biomas brasileiros.
Defensores do modelo afirmam que as inovações foram essenciais para atender a uma crescente população global — e que é possível usar produtos químicos nas lavouras com segurança.
Mas Götsch avalia que os métodos são insustentáveis. Para ele, alémempobrecer as paisagens, gerar poluição e ignorar os ambientes naturais, a agricultura industrial moderna tem um grave problema: num mundorecursos finitos, exige muito para funcionar e devolve pouco.
Nas palavrasGötsch, trata-seum modelo com "balanço energético negativo", na qual a produção dos alimentos consome mais calorias do que gera.
A conta considera a energia gasta com combustíveis por máquinas agrícolas e com atividades industriais emineração para produzir os fertilizantes e agrotóxicos usados nas plantações.
No livro Agricultura Orgânica,2015, o agrônomo Jacimar LuisSouza diz que,média, a agricultura brasileira gasta 2,6 quilocalorias para produzir 1 quilocaloriaalimentos.
"A conta não fecha", diz Götsch.
'Agricultura sintrópica'
A busca por um balanço energético positivo explica a expressão "agricultura sintrópica" com que Götsch batizou seu método, inicialmente conhecido como "agrofloresta" ou "agrofloresta sucessional".
O termo "sintropia" dialoga com um conceito da Física, a entropia, que mede a desordem das partículasum sistema ecapacidadedissipar energia.
A sintropia, ao contrário, diz respeito à capacidade do sistemaacumular energia conforme ele se organiza e fica mais complexo.
A agricultura sintrópica, portanto, busca tornar os sistemas agrícolas cada vez mais complexos, com cada vez mais energia acumulada.
Segundo Götsch, hoje os humanos e seus animaiscriação são os únicos seres a tirar mais do planeta do que lhe oferecem. Daídefesaum modelo agrícola que mude o quadro.
"Enquanto não conseguirmos suprir as necessidades diárias do nosso metabolismoum modo que seja benéfico para o ecossistema, como todas as outras espécies fazem, não vamos ter futuro", afirma.
Capim africano e eucalipto
No entanto, como já destruímos muitos biomas e afugentamos os animais silvestres, Götsch defende alguns atalhos para reverter os prejuízos e acelerar a transição para um novo modelo.
Um deles é podar intensamente as plantas — cumprindo um papel que,florestas saudáveis, dividiríamos com várias outras espécies. Para isso, ele se vale inclusivemotosserras.
As podas têm três funções principais, segundo Götsch: usar galhos e folhas para melhorar a qualidade do solo, regular a entradaluz e forçar o sistema a se desenvolver mais rapidamente.
O outro atalho, mais polêmico, é não se ater às espécies nativas das regiões onde as agroflorestas são implantadas. Empropriedade na Bahia, por exemplo, ele diz cultivar uma "Amatlântica", pois a maioria das espécies presentes advém da Amazônia ou da Mata Atlântica, o bioma local, embora também haja plantas africanas, europeias e asiáticas.
Ele afirma que "plantas não reconhecem fronteiras" e podem conviver harmoniosamente mesmo que oriundasecossistemas diferentes, desde que ocupem os estratos apropriados e recebam os nutrientes necessários.
Para ele, até mesmo espécies vistas como invasoras, como o eucalipto, a leucena e capins africanos, podem ter papéis importantesagroflorestas brasileiras.
Isso porque essas espécies são pouco exigentes e produzem bastante matéria orgânica. Ao serem podadas com frequência, ficam sob controle e permitem que agroflorestas implantadassolos degradados evoluam mais rapidamente, diz ele.
Trabalhos no exterior
Hoje seguidoresGötsch aplicam seus métodosvárias partes do Brasil e do mundo.
Ele começou a dar cursos1989 a convite do então Ministério da Reforma Agrária, no governo José Sarney.
Depois trabalhou com outras instituiçõesgoverno, ONGs e cooperativas — como o CentroDesenvolvimento Agroecológico Sabiá, a Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) e a Cooperafloresta (CooperativaAgricultores AgroflorestaisBarra do Turvo).
Também lecionououtros países, como Espanha, Portugal e Alemanha.
Na Bolívia, Götsch compartilhou suas técnicas com uma organização, a Ecotop, que é hoje uma das principais difusorassistemas agroflorestais no mundo, com projetosvários países da Ásia, África e América Latina.
Ele estima que mais10 mil pessoas já tenham passado por suas aulas ou por cursos dados por ex-alunos. Umseus pupilos, o educador Namastê Messerschmidt, é hoje consultor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que tem estimulado a implantaçãoagroflorestasassentamentos da reforma agrária.
Trabalho com multinacionais
Outras parceriasGötsch são vistas com reserva por algunsseu universo.
Entre 1993 e 1998, ele foi contratado pela fabricantepneus francesa Michelin para desenvolver sistemas agroflorestais na Bahia focados na seringueira, que produz a borracha.
Em 2013, começou a assessorar a Fazenda Toca, que fornece alimentos orgânicos para o Grupo PãoAçúcar.
Os trabalhos com grandes empresas deram mais visibilidade ao suíço, mas geraram questionamentos entre quem os considerou uma contradição.
Para alguém que luta contra a corrente, faz sentido se aliar a empresas bilionárias?
Götsch diz que as parcerias foram oportunidades para aplicar seus métodosgrande escala, algo que considera essencial para superar o modelo agrícola dominante. Nessa missão, aliás, tem tentado desenvolver máquinas que facilitem o manejograndes agroflorestas, embora se queixe do pouco interesse das fabricantes.
Ele afirma ainda que, paradoxalmente, os trabalhos com os grandes ajudaram a difundir seus métodos entre os pequenos.
"O pequeno, quando vê o vizinho grande fazendo alguma coisa, ele tem confiançaque aquilo funciona", afirma.
"Antes eu era considerado um maluco. A partir daquele momento, começaram a dizer: 'o gringo está fazendo uma coisa interessante'".
Movimento global
A agricultura sintrópicaErnst Götsch integra um movimento global que abarca várias outras escolas e conceitos semelhantes, como a agricultura regenetativa, a agricultura biodinâmica, a agroecologia, a permacultura e os sistemas agroflorest (SAFs).
Esses sistemas têm sido apontados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) como ferramentas para o combate à crise do clima, pois retiram da atmosfera grande quantidadegás carbônico, principal gás causador do efeito estufa.
Eles também são classificados como úteis para a adaptação aos efeitos das mudanças do clima. Em seu relatório2019, o IPCC afirmou que "sistemas agroflorestais podem contribuir com a melhora da produtividadealimentos ao mesmo tempoque ampliam a conservação da biodiversidade, o equilíbrio ecológico e a restauração sob condições climáticasmutação".
Mas quanto da popularização desses métodos se deve a Götsch?
E não seriam esses sistemas derivaçõespráticaspovos indígenas, que há séculos cultivam seus alimentosflorestas biodiversas?
Para Tatiana Sá, uma das mais experientes pesquisadoras da Embrapa (Empresa BrasileiraPesquisa Agropecuária), Götsch "trouxe muitas coisas positivas" e "deu visibilidade sobre o potencialsistemas que já vinham sendo tratadosoutras formas, mas sem o jargão sintropia".
Para ela, o suíço veio ao Brasil muito focadotestar seus métodos "e foi aproveitando oportunidades". "Ele começou a ter nichosreconhecimento e recebeu muito espaço midiático", diz Sá.
Afirma ainda que os métodos do suíço têm respaldo científico, ainda que ele não tenha formação acadêmica.
Porém, segundo ela, ao trabalhar com grandes, Götsch pode tê-los ajudado a se "apropriarconceitos como agroecologia e sintropia" enquanto lucram com o modelo agrícola dominante.
E diz que Götsch poderia "dialogar mais com outras formasconhecimento" e se abrir mais a movimentos sociais do campo.
Num meio onde ideaisesquerda predominam, o suíço fala poucopolítica e expõe visões que dificultam enquadrá-loalguma corrente.
Por um lado, critica o PT por ter implantado políticas que, segundo ele, deixaram os agricultores à esperasoluções vindas do governo,vezbuscá-las por conta própria.
Por outro, tampouco se identifica com o atual governo. Questionado sobre o presidente Jair Bolsonaro, responde, aos risos: "Não é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço".
Götsch rejeita ainda a dicotomia entre agronegócio e pequenos agricultores, pois diz que muitas propriedades familiares hoje também adotam práticas nocivas ao meio ambiente, como o usoagrotóxicos.
"Tem muita gente fazendo errado dos dois lados", diz.
Ribeirinhos e indígenas
Para Osvaldo Kato, outro experiente pesquisador da Embrapa, Götsch deu grande contribuição ao compartilhar suas técnicasmaneira didática. Ele afirma que o suíço lecionouvários cursoscapacitação da Embrapa entre 2005 e 2015.
"O trabalho dele é muito prático. Ele mostra como fazer, como manejar, e leva isso para as comunidades e os gruposinteresse", diz.
Kato é membrooutra família que se destacou com sistemas agroflorestais no Brasil. Seus antepassados migraram nos anos 1920 do Japão para Tomé-Açu, no Pará.
Lá, depoistentativas frustradascultivar pimenta-do-reinomonocultura, passaram a observar como indígenas e ribeirinhos da região plantavam vários alimentos para consumo própriomeio à floresta.
Os japoneses começaram então a replicar e a sistematizar esse modelo, com foco comercial.
Hoje a Cooperativa Agrícola MistaTomé-Açu (Camta), fundada por membros da comunidade, é uma referência no Brasil na produção agroflorestalfrutas.
Para Kato, há princípios semelhantes entre a agriculturaindígenas e ribeirinhos e a praticada por Götsch e pela colônia japonesaTomé-Açu, como a grande diversidadeespécies e a dispensainsumos externos.
A diferença principal, diz ele, é a maneira como se renovam as plantações nos sistemas. Na agricultura indígena, as áreas são abandonadas após a colheita para que se regenerem naturalmente, e parte-se para a aberturanovas roçasoutros locais, normalmente com o auxílio do fogo.
Já nos sistemasGötsch eTomé-Açu, não é necessário esperar a regeneração natural e o fogo jamais é empregado. Nesses modelos, quando uma agrofloresta chega à maturidade, é possível abrir clareiras no mesmo local para reiniciar o processo, aproveitando a fase inicial para cultivar alimentos que exigem mais luz, como hortaliças, milho e mandioca. Depois, conforme o sistema avança, privilegiam-se frutas e a extraçãomadeira.
Segundo Kato, o manejo sem fogo é uma grande vantagem das agroflorestas, já que as queimadas geram emissõesgás carbônico, empobrecem o solo e podem fugir do controle. Além disso, ele afirma que a possibilidadecultivar a mesma área repetidas vezes e sem interrupções é valiosa num momentoque a população e a demanda por comida aumentam.
"Quando havia muita terra e menos gente, dava para deixar as áreaspousio (repouso) até voltar a cultivar o alimento lá, mas não dá mais tempofazer isso", afirma
Götsch reconhece que suas filosofias têm semelhanças com asindígenas. "No mundo inteiro, há frações das populações que têm uma relação mais harmoniosa com a natureza", diz.
Ele elogia ainda os povos nativos das Américas por terem nos legado plantas "que achamos que são naturais, mas são cultivadas do México à Bolívia, do Equador ao Amapá", entre as quais o carro-chefesua plantação, o cacau.
Reflorestar desertos
Depoisensinar tantos a "plantar água", o que Götsch planeja para o futuro?
"Estou me dedicando a passar aquilo que achei significante para as futuras gerações", conta.
Nos últimos anos, ele construiu alojamentos na fazenda para receber os alunos, a quem chama"estagiários".
Muitos vêmgrandes cidades e têm pouca ou nenhuma prática com agricultura - fatores que, segundo Götsch, permitem que aceitem mais facilmente seus conceitos.
Mas o suíço tem também planos mais ousados. Ele diz que, ao ajudar a implantar agroflorestas no Semiárido brasileiro sem a necessidadeirrigação, passou a querer reflorestar um deserto.
Ele diz ter iniciado conversas com o governo da Arábia Saudita para ajudar a trazer o verdevolta a partes do país hoje ocupadas por desertos.
As tratativas avançam lentamente por causa da pandemia, mas ele diz esperar um desfechobreve.
"Quando você parasonhar, não vive mais", diz Götsch.
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