'Não ensinam isso na escola': como jovens da periferia apostam nas 'soft skills' para impulsionar carreira:slot 11

Victor Rodrigheri

Crédito, Reinaldo Canato

Legenda da foto, Estudanteslot 11História, Victor Rodrigheri pretende seguir carreira acadêmica

A faixa etária entre 18 e 24 anos representa 30% dos 7,5 milhõesslot 11desempregados no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiroslot 11Geografia e Estatística (IBGE) relativos ao segundo trimestreslot 112024.

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No total, são 2,2 milhõesslot 11pessoas sem trabalho nessa camada — 6,9% da população brasileira está desempregada.

"Para mim, a chave mais importante foi aprender como me comunicar melhor, como não ficar nervoso na entrevista, como usar as mãos para passar mais segurança quando falo sobre minhas ideias", explica o estudante universitário Victor Rodrigheri,slot 1120 anos, criadoslot 11Caçapava, no interiorslot 11São Paulo, e hoje morador do Jardim Bonfiglioli, periferia da Zona Oeste paulistana.

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Fim do Que História!

Rodrigheri fez o ensino fundamentalslot 11uma escola pública. Quando terminou o ensino médio — ele tinha bolsaslot 11um colégio particular —, precisavaslot 11um emprego para se manter e continuar os estudos.

Mas uma barreira o atrapalhava na hora da disputa por uma vagaslot 11trabalho:

"Eu era uma pessoa muito tímida, e tinha muita dificuldadeslot 11me expressar. Então, fazer uma entrevistaslot 11emprego, ou falarslot 11público, era uma coisa muito difícil. E isso não é algo que ensinam na escola", diz.

Para tentar resolver o problema, o jovem então se inscreveuslot 11um programaslot 11capacitação profissional da Fundação Wadhwani, uma organização sem fins lucrativos criada pelo bilionário indiano-americano Romesh Wadhwani.

Depois do curso, Rodrigheri passou emslot 11primeira entrevistaslot 11empregoslot 11uma fábrica. E, no início deste ano, entrouslot 11História na Universidadeslot 11São Paulo (USP).

"Hoje vejo que essas habilidades me ajudam até na universidade, como quando falo com um professor ou na horaslot 11apresentar um trabalho", diz ele, que pretende seguir carreira acadêmica e se tornar professor.

O que são 'soft skills'

mousepad com inscriçãoslot 11'soft skills'

Crédito, Getty Images

Em atuação no Brasil desde 2020, a Fundação Wadhwani faz parcerias com escolas e entidadesslot 11ensino locais para dar cursosslot 11capacitaçãoslot 11soft skills a jovens periféricosslot 11cidades como São Paulo e Rioslot 11Janeiro.

"Soft skills são habilidadesslot 11comunicação, resoluçãoslot 11problemas, trabalhoslot 11equipe, pensamento crítico e mentalidade empreendedora", resume Thiago Françoso, vice-presidente da fundação no Brasil.

"O que escutamos dos empregadores é que, muitas vezes, o jovem da periferia chega bem preparado, com curso técnico e outras qualificações, mas tem dificuldades básicas, como escrever um e-mail e se expressarslot 11uma reunião."

Uma pesquisa da Fundação Wadhwani com maisslot 11200 empresasslot 11vários países apontou que as soft skills têm uma importância relativaslot 1145% na hora da contratação, frente aos 55% das habilidades técnicas.

No Brasil, a "comunicação" foi apontada por 84% dos empregadores ouvidos como a habilidade essencialslot 11um candidato a uma vaga — 44% também falaramslot 11"resiliência"; 40%slot 11"trabalhoslot 11equipe"; 32% disseram considerar a qualidade do "atendimento ao cliente"; e 24% citaram "liderança" e "responsabilidade".

"Em nossos cursos, ensinamos desde o básico, que é escrever um email e o tomslot 11voz no trabalho, até a gestãoslot 11emoções como o estresseslot 11um ambiente competitivo", explica Françoso.

Como ser mais criativo

Ana Lívia Marques

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Ana Lívia Marques pretende atuar na áreaslot 11tecnologia voltada ao esporte

A BBC News Brasil ouviu outras duas jovensslot 11periferias sobre suas experiências com o aprendizado das soft skills.

A estudante Ana Lívia Marques,slot 1120 anos, também moradoraslot 11Caçapava, acredita que aprender a se comunicar melhor com o público foi fundamental para conseguir o estágio na recepçãoslot 11um consultório médico da cidade.

"Tento mostrar para o cliente que sou o elo entre ele e a empresa. E que estou disposta a entender a demanda e encontrar a melhor formaslot 11resolvê-la", diz Ana Lívia, que sempre estudouslot 11escolas públicas e também participouslot 11um programaslot 11formação da Fundação Wadhwani.

Técnicaslot 11Administração, a jovem pretende continuar atuando na área por um período. Mas sonhaslot 11trabalhar com saúde e tecnologia no esporte.

"Pensoslot 11me formarslot 11biotecnologia para trabalhar com vôlei, que pratiquei quando era mais jovem e é meu esporte preferido. O vôlei foi muito importante na minha vida, por ser um esporte coletivoslot 11que todas as pessoas são importantes", diz ela.

Para Ana Clara Mendes,slot 1120 anos, do bairro Deodoro, periferia da Zona Norte carioca, organizar as próprias ideias e colocá-lasslot 11prática são habilidades que ela está desenvolvendoslot 11um cursoslot 11capacitação do Coletivo Aprendiz.

O programa, que oferece formaçãoslot 11habilidades socioemocionais para jovens periféricos do Rioslot 11Janeiro, Vitória e São Paulo, é um dos braços educacionais da ONG Centro Integradoslot 11Estudos e Programasslot 11Desenvolvimento Sustentável (Cieds).

"Me acho uma pessoa criativa, mas penso demais, elaboro demais e, às vezes, não consigo tirar do papel. Meu professor sempre me fala: 'Ana, muito boa essaslot 11ideia, mas como você pode ser mais dinâmica para fazer tudo funcionar?'", conta Mendes, que recentemente conseguiu uma vaga como menor aprendizslot 11uma empresaslot 11saneamento.

Ela diz que a proximidade entreslot 11casa e o trabalho (cercaslot 1130 minutosslot 11ônibus) foi um dos pontos que facilitaramslot 11contratação.

Ana Clara Mendes

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, A carioca Ana Clara Mendes pretende trabalhar com atletasslot 11alto rendimento

"Muitas vezes, quando você moraslot 11um bairro da periferia, não te contratam porque a empresa terá mais custos com transporte. E, se você mora a duas horas do trabalho, precisa acordar quatro horas antes para se arrumar. E ainda tem o ônibus que demora, trânsito… Você pode chegar atrasada, e ainda tem mais sete horasslot 11trabalho… E depois mais duas horas no ônibus voltando para casa. É uma rotina muito difícil."

Ana Clara era atletaslot 11judô até os 18 anos, quando sofreu uma contusão no joelho e precisou abandonar as competições. "Sempre achei que seria uma atleta profissional. Mas,slot 11repente, veio esse baque. Então precisei pensar: 'e agora, o que vou fazer da vida?'"

Mesmo longe do judô, ela ainda pretende trabalhar com o esporte. "Comecei como menor aprendiz com o objetivoslot 11pagar meus estudosslot 11educação física. Quero trabalhar com atletasslot 11alto rendimento. Quero fazer mestrado, doutorado. Esse é meu sonho, vou conseguir", diz.

'Duplo foco'

Mas o quanto as habilidades socioemocionais realmente fazem a diferença na trajetóriaslot 11um estudante?

A cidadeslot 11Sobral, no Ceará, um dos municípios brasileiros com nota mais alta no Índiceslot 11Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), decidiu tornar as soft skills parte do currículo dos 35 mil alunos do ensino fundamental.

Com auxílio do Instituto Ayrton Senna, que realizou pesquisas acadêmicas e ajudou na elaboração do projeto, a prefeitura criou uma nova carreira no ensino municipal: aslot 11psicólogo.

Em 2017, momentoslot 11que a cidade vivia uma ondaslot 11violênciaslot 11bairros periféricos, cada uma das 90 escolas recebeu um profissional — eles foram contratados por meioslot 11um concurso público.

"Mesmo com ótimos indicadores, percebemos que faltava aos nossos alunos uma formação mais cidadã", explica Herbert Lima, secretárioslot 11Educaçãoslot 11Sobral.

O psicólogo passou a auxiliar os professores durante as aulas. "Trabalhamos com um duplo foco. O professor desenvolve os conteúdos das aulas, como a leitura ou matemática, junto a competências socioemocionais, como tolerância, empatia e respeito", diz Lima.

Segundo o secretário, o projeto produziu um aumento das notas do municípioslot 11avaliações do ensino, como o Ideb, mas também uma "melhora na relação entre alunos e professores".

Rodaslot 11alunosslot 11escolaslot 11Sobral

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Alunosslot 11escolas públicasslot 11Sobral (CE) têm rodasslot 11conversas durante as aulas

Uma dessas psicólogas é Bruna Pereira Farias, que passou a trabalharslot 11uma escolaslot 11Sobralslot 112021.

"Nós tínhamos os melhores índicesslot 11educação do Brasil, mas estávamos perdendo nossos jovens para a violência. Então, um dos nossos desafios é trabalhar o alunoslot 11diferentes situações, não apenas na escola, mas também no território,slot 11questões culturais e sociais. Eles precisam aprender a conviver entre si. Fazemos muitas rodasslot 11conversas", diz a psicóloga.

"O aluno não é só um resultado. Ele precisa estar bem emocionalmente para se desenvolverslot 11outras áreas. E a escola precisa ser acolhedora, ter pessoas disponíveis a ouvir o aluno e ajudá-lo a ter um projetoslot 11vida", diz Bruna.

Ela cita um exemplo do uso das soft skillsslot 11sala. "Em uma aula sobre mapasslot 11rios, abordamos tanto a questão geográfica, como a situação social dos ribeirinhos, o contexto cultural da região e a importânciaslot 11se preservar aquele meio ambiente. O objetivo é que o aluno entenda as questões sociais envolvidas, criando empatia e cidadania", diz.

Autoestima e pertencimento

Mas o jovem da periferia é menos preparado para assumir cargosslot 11empresas do que os concorrentes?

O economista Vandre Brilhante, presidente do Cieds, acredita justamente no contrário disso.

"Nossa experiência mostra que, comparativamente, o jovem do asfalto, da comunidade, costuma se destacar mais nas empresas quando tem oportunidades".

Ele cita alguns motivos:

"O jovem da periferia tem um potencial muito maior do que o da classe média. Ele tem mais habilidade para resolver conflitos, porque faz isso desde criança na comunidade, tendoslot 11tomar decisões sozinho. Não foi criadoslot 11um condomínio fechado, com os pais ali o tempo todo para socorrê-lo. Ele tem essa vivência da rua,slot 11quem sabe se virar diante dos desafios", diz.

"Outro fator é a forçaslot 11vontade. Quem vem da periferia costuma se agarrar mais à oportunidade, porque muitas vezes ela é a única da vida. O jovem da Zona Sul do Rio, da classe média, sabe que se ele sair da empresa, não terá muita dificuldadeslot 11conseguir outro emprego, pois sempre teve muitas oportunidades", explica.

Segundo Brilhante, um empecilho para o jovem periférico é a autoestima. "Quem vem da periferia tem dificuldadeslot 11enxergar o próprio potencial e receioslot 11frequentar espaçosslot 11outras regiões mais ricas, porque não se vê como parte daquele lugar. Em nossos cursos, a gente sempre tenta fazer com que ele pense: 'eu pertenço a esse lugar, e esse lugar me pertence'".