'As melhores soluções para o Brasil saem das periferias', diz professor da USP:jogos bwin

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No final do ano passado, o estudo foi atualizado e relançado no livro A Formação das Sujeitas e dos Sujeitos Periféricos (Editora Dandara).
D'andrea explica que a "sujeita e o sujeito periférico são aqueles que se deram conta dessa condição e compreendem que a vivência no território os constituem como seres humanos. Essa consciênciajogos bwinpertencimento leva a uma ação políticajogos bwinreivindicação e afirmação da periferia."
O cientista social aponta que o "sujeito periférico" emergiu na décadajogos bwin1990 durante uma ondajogos bwinassassinatos que vitimou milharesjogos bwinjovens negros e pobres, mas também após o fortalecimentojogos bwincoletivos culturais que tentavam mostrar outras características desses locais para além do estigma da violência e da pobreza.
Nascido na Vila União, periferia da zona lestejogos bwinSão Paulo, Tiaraju Pablo D'andrea hoje dá aulas na Escolajogos bwinArtes, Ciências e Humanidades da USP, e também é professor na Universidade Federaljogos bwinSão Paulo (Unifesp), onde coordena o Centrojogos bwinEstudos Periféricos.
Na entrevista à BBC, ele também falou sobre o papel do homem branco e pobre na luta antirracista, a participação da periferia nas eleiçõesjogos bwin2022 e como o "sujeito periférico" ainda encontra barreiras e resistências para ocupar posiçõesjogos bwinliderança nas universidade e no mercadojogos bwintrabalho.
Confira a entrevista abaixo.
jogos bwin BBC News Brasil - Quem são os 'sujeitos periféricos'?

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jogos bwin Tiaraju Pablo D'andrea - Antes, é preciso explicar o conceito das subjetividades periféricas. São formas simbólicasjogos bwincaráter ejogos bwinenxergar o mundo que se dão a partirjogos bwinrelações sociais nas periferias, diferentesjogos bwinoutras experiências urbanas ejogos bwinclasse.
Uma pessoa que nasce e crescejogos bwinGuaianases (extremo lestejogos bwinSP) vivejogos bwinum território com precariedades: a educação éjogos bwinmenor qualidade, o transporte público é ruim, a polícia agejogos bwindeterminada maneira.
Por outro lado, Guaianases é um local heterogêneo: tem uma presença negra e nordestina muito expressiva, inúmeras igrejas evangélicas, terreirosjogos bwincandomblé, rodasjogos bwinsamba, bailes funk, futeboljogos bwinvárzea… Todas essas relações múltiplas formam o que chamojogos bwinsubjetividade periférica. No limite, todo morador da periferia tem essas subjetividades, e elas não são exatamente iguais.
Já a sujeita e o sujeito periférico são aqueles que se deram conta dessa condição e compreendem que as vivências no território os constituem como seres humanos. Essa consciênciajogos bwinpertencimento leva a uma ação políticajogos bwinreivindicação e afirmação da periferia. Essa pessoa pensa: 'sou nascido e criadojogos bwinum bairro popular e isso potencializa minha vida, mas também me traz limitações. Por isso, vou agir politicamente a partir da minha visãojogos bwinmundo'.
jogos bwin BBC News Brasil - E onde acontece essa ação política?
jogos bwin D'andrea - Na universidade, no Estado, empresas, meiosjogos bwincomunicação, coletivos feministas, movimento negro, nos coletivosjogos bwinarte, na cultura, partidos… É bom pontuar que há uma questão temporal.
A periferia sempre reivindicou melhorias das condiçõesjogos bwinvida. Nos anos 1970 e 1980, havia movimentos populares que lutavam por moradia, saneamento, saúde pública e creches. Eram movimentos da classe trabalhadora.
Mas essa nova formajogos bwinagir politicamente ejogos bwinse enxergar como periférico começou nos anos 1990 por uma sériejogos bwincaracterísticas e movimentos, como o fortalecimento dos coletivosjogos bwincultura e um maior acesso da população pobre ao ensino superior.
jogos bwin BBC News Brasil - Qual a diferença para a geração anterior?
jogos bwin D'andrea - Antes dos anos 1990, a classe trabalhadora não reivindicava os termos 'periferia' e 'favela'jogos bwinmaneira política. Eram movimentos populares ejogos bwintrabalhadores que lutavam por melhorias das condiçõesjogos bwinvida.
Já a geração dos anos 1990 foi marcada por um genocídio nos bairros pobres, principalmente da população negra. Nessa época, ocorreu um movimentojogos bwinpacificação, que vai encontrar na arte e na cultura, fundamentalmente no rap,jogos bwinmelhor maneirajogos bwinfazer política.
Os Racionais MCs são o maior expoente desse período, denunciando para a sociedade o massacre que estava acontecendo, mas também reivindicando o território e suas características.
A partir daí acontece uma 'primavera cultural periférica', com a proliferaçãojogos bwincoletivos que vão atuar no hip-hop, no audiovisual, universidades, teatro, jornalismo, música e outras linguagens. A gente vive esse momento até hoje.
jogos bwin BBC News Brasil - Nesses ambientes, o que esse 'sujeito periférico' pode fazer para não se ver na posiçãojogos bwinque só consegue falar sobre periferia?

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jogos bwin D'andrea - Essa é uma armadilha criada por nós mesmos, quase uma armadilha da identidade.
Faço partejogos bwinuma geração que reafirma a periferia. E é fundamental reafirmar, visibilizar, colocar na pauta pública quais são os dilemasjogos bwinse morarjogos bwinum bairro periférico com precariedades.
Mas é fundamental que isso leve a uma luta concretajogos bwinreivindicações, como melhorias na saúde, na educação, no transporte público.
Isso não exclui que possamos falar sobre outros temas universais a partir desse lugarjogos bwinsujeito periférico. Não é negar as origens, as marcas e os traumas. E, sim, como essas experiências nos constituem e nos dão a possibilidadejogos bwinfalarjogos bwinqualquer coisa.
jogos bwin BBC News Brasil - Como fazer isso?
jogos bwin D'andrea - No final do livro eu proponho formar uma tríade. Uma parte é nossa vivência e experiências acumuladas. O que só a gente sabe sobre o território e sobre andar pela cidade? Qual é a nossa leitura do mundo?
Mas é preciso formar uma teoria que explique essa vivência. O que quero dizer com isso?
Por exemplo, morojogos bwinum bairro popular, e tenhojogos bwinentender como ele foi formado, por que a distância entre minha casa e o centro me traz tantos problemas no trabalho, por que meu bairro tem esgoto a céu aberto, por que existe maior precariedadejogos bwinrelação a outros locais.
A partir dessa teoria, o terceiro ponto é formar um projeto políticojogos bwinreivindicação da periferia, com uma propostajogos bwinsociedade ejogos bwintransformações, superando os traumas e ressentimentos, senão a gente só fica escorregando e caindo.
jogos bwin BBC News Brasil - Você acredita que essa geração conseguiu ocupar postosjogos bwinpoder?
jogos bwin D'andrea - Sim, parte dessa geração começou a ter acesso à universidade e a pleitear postosjogos bwinpoder. Mas é importante fazer uma ressalva: a maior parte dos moradores das periferias continua vivendojogos bwinsituações precárias e subordinadas economicamente. Não podemos tratarjogos bwinmaneira binária.
A gente tem que assumir que uma parcelajogos bwinjovens periféricos melhoraramjogos bwinvida e estão na universidade, nas empresas, nos meiosjogos bwincomunicação colocandojogos bwinpauta, mas não podemos cairjogos bwinfalácias como a frase 'a favela venceu'.
jogos bwin BBC News Brasil - Por que você não concorda com essa frase?

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jogos bwin D'andrea - Na verdade, a favela perdeu. Essa frase mistifica alguns casosjogos bwinpessoas bem-sucedidas, usa um discurso triunfalista.
Mas a verdade é que a maioria ainda vivejogos bwinmaneira precária. Temos 33 milhõesjogos bwinbrasileiros passando fome. Todos os dados mostram que as condiçõesjogos bwinvida dos mais pobres pioraram muito nos últimos anos.
jogos bwin BBC News Brasil - Você acredita que o jovem periférico, mesmo inserido nas empresas e na academia, tem mais dificuldadesjogos bwincrescer profissionalmente e assumir essas posiçõesjogos bwinpoder?
jogos bwin D'andrea - Com certeza. Em minha própria trajetória acadêmica encontrei muitas barreiras e boicotes. Tenho plena consciência que minha condiçãojogos bwinhomem branco me facilitou alguns acessos. Mas a condiçãojogos bwinclasse fechou outras portas. A burguesia brasileira estipula um teto, como se dissesse: 'daqui você não pode passar'.
O Brasil é um país com mentalidade escravocrata. A elite econômica é muito pequena, mas é organizada e tem estruturas para manter o poder e beneficiar ela própria, formando 'panelinhas'. Poucas pessoas negras ejogos bwinorigem pobre conseguem furar essa estrutura. Quando conseguem, causam um terremoto.
Embora o acesso à universidade tenha aumentado, ele é muito pequenojogos bwinrelação ao tamanho da população negra e periférica do Brasil.
jogos bwin BBC News Brasil - Como você disse, a periferia é heterogênea e,jogos bwingrande parte, formada pela população negra. Mas há uma parcela importantejogos bwinpessoas brancas e pobres, também. Qual é a reflexão que o branco e periférico pode fazer sobrejogos bwincondição e o lugar onde vive?
jogos bwin D'andrea - O Brasil é um país racista. Então, o homem branco e periférico já tem privilégiosjogos bwincomparação ao homem negro, e principalmente à mulher negra. Ele tem mais facilidadejogos bwincircular pela cidade e acessar determinados espaços, porque a sociedade se estrutura por raça e classe.
Isso não quer dizer que a vida dele está resolvida. Ele não pode acreditar na ilusãojogos bwinquejogos bwincondição racial vai salvá-lo. Ele não será incorporado pela burguesia branca, porque as amarrasjogos bwinclasse são muito bem estruturadas.
Acho que ele precisa ter consciência dessa opressão ejogos bwinque a periferia é o local ideal para uma aliança interracial ejogos bwinluta antirracista. Também existe racismo na periferia, mas nos bairros populares, até pela conformação urbanísticas e geográfica, existe uma convivência maior entre brancos e negros do quejogos bwinem regiões mais ricas.

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jogos bwin BBC News Brasil - Qual a contribuição das periferias urbanas para o Brasil?
jogos bwin D'andrea - As melhores soluções para a consolidação da democracia no Brasil saem e saíram das periferias, como a formação do Partido dos Trabalhadores (PT).
O próprio Sistema Únicojogos bwinSaúde (SUS) surgiu depoisjogos bwinuma mobilizaçãojogos bwinmulheres trabalhadoras do Jardim Nordeste (zona lestejogos bwinSP) e que se espalhou pela cidade e acabou entrando na Constituiçãojogos bwin1988.
Da periferia vêm os Racionais MCs e todo o movimento hip-hop, as rodasjogos bwinsamba, o funk, a literatura, coletivosjogos bwinarte. Temos que ter muito orgulho desse legado. Muito disso depois é incorporado pela intelectualidade, às vezes com outro nome.
jogos bwin BBC News Brasil - No livro, você explica que o recepção ao termo 'periferia' mudou ao longo do tempo. Como isso aconteceu?

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jogos bwin D'andrea - Ela era usadajogos bwindebates econômicos nas décadasjogos bwin50 e 60 sobre a inserção do Brasil no capitalismo do mundo. O Brasil era um país da 'periferia do capitalismo', conforme estudosjogos bwinCaio Prado Jr. e do próprio Fernando Henrique Cardoso.
A partir da décadajogos bwin60, grandes cidades latino-americanas incharam muito, com a industrialização e a migração da zona rural. Essas pessoas passaram a viverjogos bwináreas muito empobrecidas.
O termo periferia começou a ser usado por pesquisadores para designar esses locais. A própria Igreja Católica tinha um projetojogos bwinatuação nos bairros chamado 'Operação Periferia'. Mas, naquela época, a palavra ainda tinha um caráterjogos bwinestigmatização.
Depois, já nos anos 80 e 90, a periferia foi tratada nos grandes jornais e na televisão como o lugar da pobreza e da violência, o local onde os criminosos moravam. Em minha pesquisa, entrevistei moradores dessa época, que disseram que não usavam a palavra periferia, porque era um termo que carregava um estigma e as pessoas tinham vergonhajogos bwinfalar.
Mas a partir da violência dos anos 90, houve uma reversão desse discurso e outros sentidos foram criados para a periferia. É aí que o termo ganha potência e um significadojogos bwinorgulho ejogos bwinvalorização do território. Embora ainda existam muitas mazelas, as pessoas começam a se sentir pertencentes, a ver beleza no lugar onde elas nasceram e cresceram. E dizem: 'a periferia não é isso que vocês falam, a periferia é isso aqui que estou dizendo.'
jogos bwin BBC News Brasil - Como você enxerga a migração do jovem da periferia para regiões mais centrais? Como ele lida com o estranhamento dentro da própria cidade?
jogos bwin D'andrea - Existe sensaçãojogos bwindesterro,jogos bwinlimbo permanente. Esse jovem tem uma infância pobrejogos bwinum bairro da periferia e, por circunstâncias da vida, consegue acessar espaços da classe média, como a universidade ou ambientesjogos bwintrabalho.
Nesses locais, ele vive outros tiposjogos bwinrelações profissionais, sociais ejogos bwinamizade. Mas São Paulo é uma cidade muito segregada e muito marcada por divisões sociais e raciais. Essas questões têm um peso muito grande.
Para chegar na Pompeia ejogos bwinPerdizes (zona oestejogos bwinSP), não é apenas um deslocamento geográfico, mas também simbólico. A paisagem e as pessoas mudam. Chega uma horajogos bwinque ele pode não se sentir como partejogos bwinnada, porque o círculojogos bwinclasse média não tem as referênciasjogos bwinsociabilidade da periferia… O futeboljogos bwinvárzea, a rodajogos bwinsamba, a conversa no boteco e na calçada.
Mas também há um momentojogos bwinque a própria relação com as pessoas da quebrada e da infância não se completa mais, porque nossa cabeça também muda. No fim das contas, fica a dúvida sobre a qual mundo ele realmente pertence. A quais as relações e círculos sociais ele pertence? Muita gente passa por esse dilema.

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jogos bwin BBC News Brasil - Como você avalia a participação da periferiajogos bwinSão Paulo nas eleições do ano passado?
jogos bwin D'andrea - Normalmente, a análise que se faz é pintar os distritos da cidadejogos bwinuma cor e dizer: 'esse distrito aqui deu vitória a Bolsonaro, logo, é um bairro bolsonarista'.
É mais complexo que isso: se um candidato teve 51% e outro 49%, não significa que aquele distrito é azul ou vermelho, mas que há divisões internas e diferentes maneirasjogos bwinpensar. Em São Paulo, há bairros mais periféricos, principalmente nos extremos da zona leste e zona sul, onde normalmente a esquerda tem uma votação maior.
Nessas regiões o PT teve uma atuação importante, com políticas que melhoraram a vida dos pobres, como mutirõesjogos bwinmoradia popular, Bilhete Único, Bolsa Família, os CEUs (Centro Educacional Unificado)... Mas esses locais também votaramjogos bwinBolsonarojogos bwin2018, como a maior parte da sociedade.
A grande questão são os bairros tradicionais que ficam no meio, como Penha, Sapopemba, Freguesia do Ó, Mandaqui… Nesses locais há uma pequena burguesia que reverbera o discurso do medo, principalmente o medo do pobre que está ascendendo.
Então as pessoas podem votar na direita, mas isso vai depender se existe um discurso mais conservador na sociedade. Por outro lado, essas regiões também podem votar na esquerda. Depende muito das circunstâncias.
Jájogos bwinoutros bairros, como Anália Franco, Mooca e Tatuapé (todos na zona leste), formados principalmente por uma população que ascendeu economicamente, há uma tendênciajogos bwinincorporar o discurso conservadorjogos bwinmaneira mais radical. O Tatuapé foi o distrito onde Bolsonaro tevejogos bwinmaior votação percentualjogos bwinSão Paulo.
Reportagem originalmente publicadajogos bwin- http://vesser.net/brasil-64418432