'Dieta Mediterrânea é um mito': o cientista que questiona as 'zonas azuis' da longevidade:aposta ganha crash
Vamos pegar Okinawa, no Japão, como um exemplo inicial. Uma revisão feita pelo governo japonêsaposta ganha crash2010 descobriu que 82% dos cidadãos que supostamente tinham passado dos 100 anos já estavam mortos há tempos — eles só não tiveram o óbito devidamente registrado.
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Além disso, um acompanhamento nutricional feito no país asiático desde os anos 1970 indica que Okinawa apresenta alguns dos piores índicesaposta ganha crashsaúde do Japão. Em comparação com toda a população, os habitantes dessa região são aqueles que ingerem menos vegetais.
Um padrão parecido foi observado nos outros bolsõesaposta ganha crashlongevidade, como você pode conferir ao longo desta reportagem.
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Newman, que também é pesquisador do Institutoaposta ganha crashEnvelhecimento Populacional da Universidadeaposta ganha crashOxford, na Inglaterra, compilou todos os achados num artigo, disponível no site BioRxivaposta ganha crashformato preprint (o que significa que o texto ainda não foi revisado por especialistas independentes).
O trabalho garantiu a ele um Prêmio IgNobelaposta ganha crash2024. A homenagem, concedida pela revistaaposta ganha crashhumor científico Annals of Improbable Research com direito a uma cerimônia na Universidade Harvard, nos EUA, tem como lema "fazer as pessoas rirem e depois pensarem" e pretende "celebrar o incomum, homenagear a imaginação e estimular o interesse das pessoas na ciência, na medicina e na tecnologia".
Em entrevista à BBC News Brasil, o demógrafo admitiu estar satisfeito com a repercussãoaposta ganha crashsua pesquisa.
"É muito divertido derrubar ideias estabelecidas num campo científico e por uma empresa bilionária", diz ele.
Com o slogan Live Better, Longer ("Viva melhor, por mais tempo",aposta ganha crashtradução livre), as zonas azuis — ou Blue Zones, no original — são hoje uma marca comercial registrada.
No site oficial, a empresa vende cursos, cremes, livrosaposta ganha crashculinária, moletons, sacolas reutilizáveis e alimentos — como um café Centenarios, cultivado na Costa Rica.
As zonas azuis também viraram temaaposta ganha crashuma série da Netflix e aparecem frequentementeaposta ganha crashreportagens, algumas delas publicadas na BBC.
A BBC News Brasil buscou a empresa por trás da marca Blue Zones por meio do endereçoaposta ganha crashe-mailaposta ganha crashcontato disponível no site, para que ela pudesse se posicionar sobre o assunto. Não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.
Dados que não batem
Newman começou a investigar estudos que fazem alegações sobre supercentenários nos últimos anos — e revelou que artigos publicadosaposta ganha crashrevistas prestigiadas, como Science e Nature, apresentavam uma sérieaposta ganha crashproblemas técnicos.
"A partir disso, desenvolvi um modelo matemático simples, que sugere que virtualmente todos os nossos dados sobre pessoas muito idosas são um lixo", resume ele.
Segundo o pesquisador, as alegações sobre a longevidade extrema — algo que pode ser resumido como ultrapassar a marca dos 100 ou dos 110 anosaposta ganha crashvida — não paramaposta ganha crashpé.
Ele analisou as informações disponíveis sobre 80% das pessoas que diziam ter comemorado maisaposta ganha crash110 aniversários. Desses, quase nenhum tinha uma certidãoaposta ganha crashnascimento.
Nos Estados Unidos, onde foram registrados 500 indivíduos com maisaposta ganha crash110 anos, apenas sete possuíam um documento desses — e cercaaposta ganha crash10% dos casos contavam com uma certidãoaposta ganha crashóbito.
No entanto, na avaliaçãoaposta ganha crashNewman, nem mesmo quando esses papeis existem é possível confiar cegamente naquela informação. "Esses documentos, como as certidõesaposta ganha crashnascimento ou morte, levamaposta ganha crashconta algo dito por alguém. E isso é bastante problemático", diz o demógrafo.
"Não podemos nos basear neles, porque muitos desses documentos podem ao mesmo tempo ser consistentes do pontoaposta ganha crashvista legal e estarem completamente errados", complementa ele.
Como exemplo desse paradoxo, Newman cita o que descobriu na Grécia, país que abriga uma das zonas azuis na ilhaaposta ganha crashIcaria.
"Segundo minhas estimativas, 72% dos centenários gregos já estão mortos, desaparecidos ou são essencialmente casosaposta ganha crashfraudes da previdência", calcula ele.
"O governo da Grécia calcula que maisaposta ganha crash9 mil pessoas que ultrapassaram os 100 anos estão mortas e ainda recolhem a aposentadoria."
Ou seja: há uma parcela expressiva desses indivíduos que já morreu faz tempo. Mas, por uma razão ou outra, continuam a aparecer como vivos nos registros públicos, pois não houve a notificação do óbito deles.
Essas inconsistências se repetemaposta ganha crashoutras zonas azuis.
"A partir dos anos 1990, a União Europeia faz análises regionais sobre a expectativaaposta ganha crashvida. E, curiosamente, Icaria e Sardenha estão bem longe do topo do ranking", destaca ele.
"De 128 regiões com análises sobre expectativaaposta ganha crashvida, Icaria aparece na 109ª posição. Já a Sardenha está no 51º lugar."
"Ou seja, essas alegaçõesaposta ganha crashque esses são os melhores lugares do mundo para envelhecer estão absolutamente erradas", raciocina o especialista.
Já Loma Linda, uma pequena cidade californiana com 23 mil habitantes, aparece na 16.101ª posição entre as regiões americanasaposta ganha crashtermosaposta ganha crashexpectativaaposta ganha crashvida, segundo uma avaliação independente do Centroaposta ganha crashControle e Prevençãoaposta ganha crashDoenças dos EUA citada por Newman.
Algo similar acontece com os dados que vêm da Costa Rica.
"Em 2008, um estudo revelou que pelo menos 42% dos costarriquenhos com maisaposta ganha crash99 anos tinham mentido sobre a idade no censo realizado no país durante o ano 2000", revela Newman.
"A partir dessa descoberta, a expectativaaposta ganha crashvida na zona azulaposta ganha crashNicoya encolheu cercaaposta ganha crash90% e se tornou uma das piores do país."
Para o pesquisador, as zonas azuis são "apenas um dos absurdos construídos a partiraposta ganha crashdados que apresentam uma sérieaposta ganha crashproblemas".
Erros ignorados
Mas por que ninguém havia questionado as informações sobre expectativa e longevidade até agora?
"Para mim, esses erros eram ignorados porque,aposta ganha crashprimeiro lugar, há algo muito lucrativo para ser vendido aqui", opina Newman.
"Em segundo lugar, as pessoas querem soluções fáceis para problemas que exigem um trabalho árduo."
"Todos adoraríamos se existisse um ‘leite com cúrcuma’, um ‘mirtilo mágico’, ou alguma outra coisa que fizesse a gente chegar aos 100 anos sem precisar ir à academia, pararaposta ganha crashbeber ou abandonar o fumo", complementa o demógrafo.
O pesquisador também critica a faltaaposta ganha crashceticismo e senso crítico da comunidade científica a respeito das conjecturas feitas a partir das zonas azuis.
"Um dos primeiros trabalhos a avaliar a Sardenha chegou à conclusãoaposta ganha crashque um dos fatores por trás da longevidade local eram os relacionamentos consanguíneos, como se múltiplas geraçõesaposta ganha crashcasamentos entre primos tivesse trazido algum benefício", exemplifica ele.
"Essa é uma conclusão ridícula, que tiraria gargalhadasaposta ganha crashqualquer geneticista."
Newman lembra que os "segredos" da vida longaaposta ganha crashOkinawa seriam supostamente uma alimentação vegetariana, baseadaaposta ganha crashvegetais (especialmenteaposta ganha crashbatata doce), a práticaaposta ganha crashjardinagem e uma vida comunitária e religiosa.
Segundo ele, os dados oficiais mostram o cenário oposto.
"O governo japonês avalia constantemente a alimentação da população, e os moradoresaposta ganha crashOkinawa são os que menos consomem batata doce. Eles também apresentam um dos piores índicesaposta ganha crashingestãoaposta ganha crashvegetais. Cada cidadãoaposta ganha crashlá come uma médiaaposta ganha crash40 quilosaposta ganha crashcarne por ano, e isso sem contar os frutos do mar."
"Okinawa está apenas na terceira posição entre as regiões com mais adeptosaposta ganha crashjardinagem, atrásaposta ganha crashTóquio e Osaka, apresenta a quarta maior taxaaposta ganha crashsuicídios entre idosos do país e 93,4% dos indivíduosaposta ganha crashlá se declararam ateus, a maior porcentagemaposta ganha crashtodo o Japão", complementa o cientista.
Para Newman, todas as alegações sobre os melhores lugares do mundo para envelhecer estão "evidentemente erradas".
"Se você olhar as estatísticas das Nações Unidas sobre países com mais centenários, vai ver que Tailândia, Malawi e Porto Rico aparecem no top 10", acrescenta ele.
Mais uma vez, o especialista duvida que esses dados representam a realidade. "Porto Rico, por exemplo, praticamente descartou as certidõesaposta ganha crashnascimento porque elas estavam gerando inúmeras fraudesaposta ganha crashaposentadoria", informa ele.
Newman chama a atenção para a necessidadeaposta ganha crashdesenvolver outros métodosaposta ganha crashavaliar a verdadeira idadeaposta ganha crashuma pessoa, que seja independente dos documentos — como, por exemplo, algum tipoaposta ganha crashexame capazaposta ganha crashfazer essa medição no organismo.
O 'mito' mediterrâneo
O demógrafo lembra que, ainda nos anos 1970, surgiram as primeiras versões do que viria a ser conhecido futuramente como "zonas azuis".
"As primeiras áreasaposta ganha crashlongevidade foram supostamente encontradas no Equador, no Paquistão e na Geórgia", diz ele.
"Mas elas foram abandonadas porque, pouco depois, descobriu-se que muitas pessoas mentiam sobre a idade e não havia documentos suficientes."
"Uma vez que os dados foram corrigidos, não sobrou nada. Tudo era uma fantasia", complementa ele.
Mas será que aquelas recomendações gerais sobre alimentação equilibrada, práticaaposta ganha crashatividade física, vidaaposta ganha crashcomunidade — alguns dos padrões observados nas "zonas azuis" — não se mostram benéficasaposta ganha crashoutras pesquisas?
"Quando Icaria foi incluída como uma zona azul, a Grécia tinha uma taxaaposta ganha crashobesidade maior que a dos Estados Unidos", compara Newman.
"Ou seja, existe uma desconexão entre o que se considera uma vida saudável e o que as pessoas desses lugares realmente fazem no dia a dia."
Nesse contexto, o pesquisador destaca que a famosa dieta Mediterrânea seria um exemplo desse descompasso entre o que é dito e o que acontece na prática.
"A dieta Mediterrânea pode ou não ser saudável, não é isso que estou discutindo aqui. Mas essa não é a maneira que as pessoas comemaposta ganha crashverdade no Mediterrâneo."
Newman destaca que esse conceito surgiu a partir do trabalho do fisiologista americano Ancel Keys (1904-2004), que estudava a relação entre a alimentação e a longevidade.
Ele elaborou a hipóteseaposta ganha crashque substituir a gordura saturada (encontradaaposta ganha crashmanteiga, queijo, leite e carnes) pela insaturada (de óleos vegetais, abacate, oleaginosas…) seria benéfico para a saúde cardiovascular.
Ao observar alguns povoados italianos que supostamente tinham muitos centenários, Keys teria desenvolvido a ideia da dieta Mediterrânea, que é baseada no azeiteaposta ganha crasholiva, nos vegetais e nos pescados.
"Só que ele excluiu da análise a ilhaaposta ganha crashCórsega, que pertence à França e fica no Mediterrâneo, porque a população local tinha um alto consumoaposta ganha crashgordura saturada e uma baixa frequênciaaposta ganha crashdoenças cardíacas", continua Newman,
O demógrafo lembra que "o Mediterrâneo é composto por maisaposta ganha crashduas dezenasaposta ganha crashpaíses, que são extraordinariamente distintos e não consomem apenas azeiteaposta ganha crasholiva".
"Em partes do Egito e do norte da África, que fazem parte do Mediterrâneo, a população adora comer pombos. Por que será que os pombos não fazem parte da dieta Mediterrânea?", questiona o demógrafo.
"É por que a ideiaaposta ganha crashcomer pombos não vende tão bem", responde ele.
"Assim como um dos pratos mais consumidos na Grécia é um delicioso queijo frito cobertoaposta ganha crashmel. É gostoso? Sim, é absolutamente fantástico. Mas faz bem para a saúde? De jeito algum."
Newman defende que a dieta Mediterrânea "é essencialmente um mito ocidental".
"Todos os elementos que integram essa dieta vendem bem nos países do Ocidente e formam essa ideia muito frágil, baseadaaposta ganha crashmitos, para pessoas ricas sobre o estiloaposta ganha crashvida dos mais pobres", conclui ele.