Por que casamentos após 60 anos estão aumentando no Brasil:

Ana e Monica

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Em 2019, Ana e Mónica decidiram oficializar a união

O pensamento mudou2018, depois que ela conheceu o argentino Miguel Angel por meioum amigocomum quando ele estavaférias na cidade do Rio do Janeiro, onde Patricia mora.

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O interesse foi mútuo, e os dois engataram um namoro à distância quando Miguel voltou para casa, com muitas conversas pelo WhatsApp e alguns encontros por aqui e lá.

“Eu ia para lá mais que ele para cá. Eu ficava uns dois ou três meses. Fizemos isso durante seis anos”, relembra Patrícia.

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Depois que Miguel se aposentou, o casal decidiu que era horaoficializar a união. Miguel pediu a mãoPatricia ao amigocomum dos dois. "Foi uma surpresa para mim", diz ela.

Em julho do ano passado, os dois celebraram o casamentoum cartório e comemoraram com os amigos mais próximos. Ela tinha 63 anos e ele, 61.

Agora, Miguel quer se mudarvez para o Brasil, porque Patrícia, uma carioca, acha a Patagônia, onde ele mora, um lugar muito frio para viver.

“Com as filhas já criadas e formadas, ele aceitou se mudar”, diz ela.

A aposentada diz que se surpreendeu com a convivência a dois e que está curtindo essa nova fase da vida. A maturidade, ela ressalta, ajuda a lidar com as adversidadesum casamento.

“A idade faz você ver as coisas diferentes. Agora eu tenho uma pessoa para ir viajar, discutir o filme que a gente vai assistir. É interessante.”

O númeroidosos como Patrícia e Miguel que estão casando está aumentando no Brasil.

'Casamentos grisalhos'alta

Patrícia e Miguel

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Patrícia e Miguel realizaram a cerimônia no cartóriojulho2023 e depois fizeram uma comemoração com os amigos mais próximos

O envelhecimento da população brasileira, marcado por uma expectativavida cada vez maior, tem gerado novas dinâmicas sociais e comportamentais.

Entre elas, o crescimento significativo"casamentos grisalhos" — as uniões celebradas já na terceira idade.

Este é um fenômeno que reflete tanto as mudanças culturais quanto os avanços na saúde, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Dados recentes do Registro Civil do Instituto BrasileiroGeografia e Estatística (IBGE) revelam um aumento considerável nos matrimônios entre pessoas com mais60 anos.

Em 2022, ano dos dados mais recentes, foram registrados no Brasil 35.029 casamentos entre pessoas60 a 64 anos e 39.759 entre pessoas com 65 anos ou mais, totalizando 74.798 matrimônios.

Esse crescimento vem ocorrendo desde 2018. Naquele ano, para as mesmas faixas etárias, esses números somavam 60.580 uniões. Isso representa um aumento23,5% neste período.

A tendência reflete uma mudança significativa na forma como a sociedade enxerga o amor e o casamento na maturidade.

“A maneira como as pessoas estão lidando com a velhice está mudando. Já não é tão incomum ver alguém se casando com 60, 70 anos, como já foi no passado", destaca Márcio Minamiguchi, demógrafo do IBGE.

“Até pela questãovida saudável, a expectativavida tende a aumentar. Dessa forma, já não é mais uma etapaque a pessoa está esperando pelo fim da vida.”

Diferençasgênero nos casamentos na 3ª idade

Os dados do IBGE mostram ainda que homens com mais60 anos se casam mais do que mulheres na mesma faixa etária.

Os números mais recentes revelam que 5,37% dos casamentos o homem tinha 60 anos ou mais, enquanto as mulheres tinham 60 anos ou mais2,55% dos casamentos.

Em ambos os casos, houve um aumento na proporçãocasamentos na terceira idade, embora a diferença se mantenha ao longo do tempo.

Em 2011, por exemplo, os percentuais eram3,38% entre os homens e1,24% entre as mulheres.

Essa diferençagênero, segundo Fancelli, pode ser atribuída a fatores culturais.

"Historicamente, os homens têm mais facilidadereconstruirvida afetiva após a viuvez ou o divórcio, enquanto as mulheres tendem a se concentrar mais na vida familiar e social", avalia a psicóloga.

Ela aponta que as mulheres mais velhas, especialmente acima dos 70 anos, muitas vezes optam por se engajaratividades sociais e no convívio com filhos e netos, o que diminui a prioridadeum novo casamento.

Esse fenômeno também reflete uma diferença nas expectativasgênero, segundo os especialistas.

Enquanto os homens podem ver o casamento como uma continuaçãoseu papel social, as mulheres, muitas vezes, valorizam mais a liberdade e a autonomia conquistadas ao longo da vida.

"Muitas mulheres nessa faixa etária já passaram grande parte da vida cuidandooutros e agora desejam dedicar mais tempo a si mesmas", comenta Gomes.

"Para elas, o casamento pode não ser uma prioridade, mas uma escolha que precisa ser muito bem ponderada."

Casamento homoafetivo como ato'resistência'

Os dados sobre casamentos homoafetivos entre idosos também revelam uma tendênciacrescimento na última década

No Brasil, os casamentos entre homensque ao menos um deles tinha 60 anos passaram157 registros2013 para 2952022, um aumentoquase 88%.

Já entre mulheresque uma delas tinha 60 anos ou mais, o salto foi ainda maior,108 para 295 no mesmo período — ou seja, mais do que dobraram.

Segundo especialistas, a demora na oficializaçãomuitas dessas uniões pode ser atribuída ao fatoque muitos casais LGBTQIA+ viveram "escondidos" durante grande parte da vida, devido ao medo do preconceito

Esses casamentos são, portanto, um reflexouma maior aceitação social e da busca por direitos civis igualitários, segundo especialistas.

"Para muitos idosos LGBT+, o casamento é uma conquista que simboliza a superaçãodécadaspreconceito e invisibilidade", comenta Fancelli.

"É uma formagarantir proteção legal, mas tambémafirmar publicamente uma relação que muitas vezes foi mantidasegredo por anos."

Ana e Monica

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, De acordo com os últimos dados do IBGE, as uniões entre mulheres com 60 anos ou mais, representam 1,43% (correspondendo a 95 registros) do totalcasamentos homoafetivos

A professora e revisoratexto Ana MariaMattos,75 anos, diz que seu casamento comcompanheira foi uma espécie"atoresistência".

Ela conhecia Mónica Garcia,74 anos, já há 27, e as duas moravam juntas há 25, quando as duas decidiram casarpapel passado2019,.

Segundo ela, o país enfrentava uma “onda” homofóbica durante o início do governoJair Bolsonaro (PL), que era conhecido por falar abertamente contra os homossexuais.

Ana Maria diz que ela e Mónica temiam perder direitos ou ter outros problemas como um casal homoafetivo.

“Nosso casamento aconteceu por causa do antigo governo. Foi uma autoproteção. Digamos que era um casamento para desobediência civil”, relembra Ana Maria.

"A gente fez uma celebração enorme. Tinha umas 150 pessoas."

Como já viviam juntas há quase três décadas, ela conta que a oficialização não mudou a relação, mas, sim, trouxe mais segurança a elas.

A professora conta que como as duas vinhamcasamentos heterossexuais quando se conheceram e já tinham filhos. Sentiam assim que já haviam cumprido o “papel social exigido na sociedade”.

“Eu já falava minha esposa, minha companheira. As pessoas sempre nos respeitavam muito, principalmente no prédioque moramos”, conta Ana Maria.

O fatoestarseu segundo casamento e com mais idade, diz ela, permitiu que o casal administrasse melhor as expectativas, especialmenterelação ao futuro.

A professora também destaca que vivenciar uma relação homoafetiva hojedia apresenta muitas diferenças, principalmente na convivência.

"Uma coisa interessante é que, no casamento heterossexual, os papéis costumam ser mais definidos. A mulher fica geralmente sobrecarregada, cuidando da casa, dos filhos, levando-os para a escola. Enquanto o homem sai para trabalhar”, afirma Ana Maria.

“Apesareu ter trabalhos como freelancer, a maior dedicação era para a casa.”

Agora, no casamento com outra mulher, a dinâmica é completamente diferente.

“Somos duas donascasa, então, as tarefas são divididas. Não há aquele pesoum dos lados ter que assumir tudo. Além disso, nossos filhos já estão crescidos e morando fora, o que facilita bastante.”

Com a maturidade, a formaencarar a vida também muda, diz ela.

“A gente passa a dar mais valor ao que realmente importa e não perde tempo discutindo por coisas pequenas", avalia Ana Maria.

"É uma faseque podemos melhorarmuitos aspectos."

Ana e Mónica no dia do casamento

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Ana diz que o casamento foi um atoresistência

Novos significados e saúde mental

A psicóloga Márcia Pin Fancelli, especializadagerontologia pelo InstitutoAssistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe), atribui parte do crescimento dos casamentos na terceira idade ao aumento da expectativavida.

Dados do IBGE mostram que os brasileiros viviammédia 65,3 anos1990. Uma década depois,2000, já era74,08 anos.

Em 2023, passou para 76,4 anos, e a expectativa é que chegue a 83,9 anos2070.

"O aumento da longevidade, aliado à possibilidadevivê-la com saúde, abre várias portas para os indivíduos com mais60 anos, incluindo a oportunidadereconstruir a vida afetiva por meio do casamento", afirma Fancelli.

Essa nova realidade reflete ainda uma mudança na percepção dos idosos sobre seu próprio envelhecimento, avalia Fancelli.

Muitos passaram a enxergar essa fase como uma oportunidade para revisitar antigos sonhos ou até mesmo ter novas experiências.

"Há uma ressignificação do envelhecimento, que não é mais visto como uma etapadeclínio, mas como um momentonovas possibilidades, incluindo na esfera afetiva", complementa a psicóloga.

O casamento, para aqueles que já passaram dos 60 anos, pode ainda ser um aliado poderoso na conservação da saúde mental, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

"Reconstruir laços afetivos e sexuais nessa fase da vida contribui significativamente para o bem-estar emocional", diz Fancelli.

A psicóloga acrescenta que essa fase da vida é marcada por perdas, e estarum relacionamento pode ajudar a elaborar o lutoforma mais equilibrada, diminuindo os riscosdepressão e ansiedade.

Além dos benefícios emocionais, há também impactos positivos na saúde física, explica Francisco Carlos Gomes, psicólogo e mestrePsicologia Social pela Pontifícia Universidade CatólicaSão Paulo (PUC-SP).

"O apoio mútuoum casamento pode ser um fator decisivo para uma vida mais saudável, com uma rotina mais equilibrada e hábitos que promovem o bem-estar", diz Gomes.

A aposentada e assistente social Patricia D Faveri (à esquerda)

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A aposentada e assistente social Patricia D Faveri (à esquerda), atualmente com 64 anos, faz parte do grupoidosos que decidiram se casar na terceira idade

Casamento como antídoto para solidão

Embora casar para evitar a solidão possa parecer uma solução simples, tanto Fancelli quanto Gomes alertam para a importânciaencontrar um relacionamento que tenha valor.

"Casar apenas para não ficar sozinho não é a melhor escolha", ressalta Gomes.

"Quando se encontra uma relação significativa, com objetivos comuns, a união pode se tornar uma fonterenovação."

Fancelli acrescenta que, para muitos idosos, o casamento é uma formaredescobrir o prazer na vida cotidiana, compartilhando vivências e desafios.

Mas ela ressalta que o casamento pode, sim, ser um antídoto para a solidão, desde que seja baseadoum vínculo emocional genuíno e mútuo.

"A solidão é uma questão séria na terceira idade, mas deve ser combatida com relacionamentos que realmente façam sentido, que tragam alegria e satisfação, não apenas como uma tentativapreencher um vazio."

A possibilidadeconstruir uma nova história afetiva após os 60 anos pode trazer inúmeros benefícios.

Isso inclui até mesmo pessoas que já foram casadas e decidem retomar o relacionamento anos depois.

"Nada impede que uma relação positiva seja reconstruída, desde que ambos estejam dispostos a aprender com o passado e a definir novas metas juntos", diz Marcella Bianca, neuropiscóloga e colaboradora do ambulatórioenvelhecimento da Unifesp.

Bianca enfatiza que, além da busca por felicidade, há uma crescente valorização do que é essencialuma relação na terceira idade: o apoio mútuo, o respeito à individualidade e a disposição para compartilhar a vida.

"Os casais dessa faixa etária costumam ser mais tolerantes e compreensivos, porque já enfrentaram muitos desafios ao longo da vida. Isso cria um ambiente mais propício para um relacionamento saudável e duradouro", finaliza.