Como nova regra do foro privilegiado pode ampliar poderes do STF sobre Bolsonaro e outros políticos:

AlexandreMoraes sentado sério

Crédito, Divulgação STF

Para os ministros que votaram a favor da alteração, esse vaivém torna o andamento judicial mais lento, favorecendo a impunidade.

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A mudança foi proposta pelo ministro Gilmar Mendes, relatorum habeas corpus apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA),que o parlamentar pede para continuar sendo julgado pelo STFuma ação que o acusater cometido "rachadinha" (desvioverbagabinete) quando era deputado federal.

Sua posição foi acompanhada pelos ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, AlexandreMoraes, Dias Toffoli e Luis Roberto Barroso.

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Após o votoBarroso, que consolidou a maioria a favor da teseGilmar Mendes, o julgamento foi paralisado por um pedidovista do ministro André Mendonça.

Além dele, ainda faltam votar os ministros Edson Fachin, Carmen Lúcia, Luiz Fux e Nunes Marques, mas ainda que todos votem contra, não seria suficiente para reverter o resultado.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil reconhecem que a alteração terá o efeito positivoreduzir o "elevador processual", mas destacam também outro impacto: o aumento dos poderes da Corte sobre políticos,um momentotensão do Supremo com o Congresso e políticos bolsonaristas.

Um exemplo é o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que enfrenta diversas investigações no gabinete do ministro AlexandreMoraes por supostos crimes, como tentativagolpeEstado, vendajoias do acervo presidencial e fraudecartõesvacinação.

Havia questionamentos, entre apoiadores do ex-presidente e parte do meio jurídico, se seria correto esses inquéritos serem mantidos no STF, após Bolsonaro perder seu cargo.

Com a mudançaregra, o STF consolidaria o entendimentoque essas investigações devem permanecer na Corte.

O constitucionalista Diego Werneck, professor do Insper, ressalta que o Supremo tem apresentado outros argumentos jurídicos para manter casospessoa sem foro emalçada.

É o caso, por exemplo,desdobramentos do Inquérito das Fake News,que o STF entendeu que poderia investigar pessoas comuns que atacassem a Corte e atentassem contra o Estado DemocráticoDireito.

Mas o professor considera que a nova regra aprovada pela Corte para o foro especial reduz a possibilidadequestionamentos no casoBolsonaro e outros políticos que tenham perdido essa prerrogativa.

"Sem a nova regra, continuaria possível (manter investigações contra Bolsonaro no STF), mas seria muito mais discutível. Sem dúvida nenhuma, os caminhos seriam muito mais complicados. E agora fica mais evidente que não tem o que discutir", destaca.

Para Werneck, a mudança da regra é positiva ao combater o problema do vaivéminvestigações e processos.

"Perde-se muito tempo, às vezes anos, na Justiça, só para se determinar quem vai julgar", observa.

No entanto, para além dessa motivação técnica, o professor acredita que o contexto político favoreceu a mudançaentendimento da Corte sobre o funcionamento do foro especial.

"Tem outro tiporazões (para mudar a regra do foro) que são mais conjunturais. Eu acho que, nesse arco do governo Bolsonaro, o Supremo percebeu que é importante ter poder sobre os políticos. Percebeu que isso foi um ingrediente chave até para o esforçoresistência do Tribunal (a ataques)vários momentos", avalia, ressalvando considerar negativa essa percepçãouma atuação política do Tribunal.

Gilmar Mendes gesticula

Crédito, Divulgação STF

Legenda da foto, Gilmar Mendes liderou a mudança na regra do foro privilegiado

O advogado João Marcello Alves Costa, que estudou o funcionamento do foro especial emdissertaçãomestrado pela Pontifícia Universidade Católica do RioJaneiro (PUC-RIO), tem visão semelhante.

“Essa mudança vai ampliar o poder do Supremo sobre políticos, mas essa decisão não deixater o caráteraperfeiçoar um problema que eles mesmo criaram2018 (quando fixaram a atual regra do foro)”, analisa.

Costa considera, porém, que o “timing” (momento) da decisão é relevante.

“O ex-presidente (Jair Bolsonaro) está sendo acusadomuitos crimes que teriam sido cometidos enquanto Presidente da República. Esse timing do Supremodecidir que a competência do Supremo seguirá (após o fim do mandato) não parece por acaso. É difícil você dizer que não estão vendo isso no horizonte deles”, ressalta.

Para ilustrar o impacto da mudança, Costa cita também o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naleitura, o atual presidente não poderia ter sido investigado e julgado na primeira instância pela operação Lava Jato, se naquela época estivessevigor a nova regra do foro privilegiado.

O petista foi condenado, chegou a ficar preso 580 dias e foi impedidodisputar a eleição2022. Depois, o STF anulou as condenações, por considerar que os processos não deveriam ter tramitado na Justiça do Paraná e por avaliar que o então juiz Sergio Moro, hoje senador, foi parcial nas ações.

Impacto para caso Marielle é incerto

Apesara nova regra reduzir o vaivém processual, esse problema não deve ser totalmente eliminado com a mudança, dizem os especialistas.

Eles ressaltam que a regra criada2018 pelo STF estabeleceu que o foro privilegiado só seria aplicado quando o crime investigado tivesse relação com o cargo político. O objetivo foi tentar reduzir o númeroprocessos criminais no Supremo.

O problema, ressaltam, é que o critério tem se mostrado muito subjetivo naaplicação.

"Acho que o Tribunal não tem dado sinais muito claros que possam ser usados por parlamentares para entender quando o Tribunal considera que (determinado crime) está ligado ao exercício da função ou não", nota Werneck.

Por causa dessa incerteza, não está claro ainda qual será o impacto da nova regra sobre outro caso que tem mobilizado a opinião pública: a investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ),2018.

No momento, a investigação tramita no STF porque um dos suspeitoster encomendado o crime é o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), que está preso preventivamente.

Na época do crime, ele também era vereador carioca. Segundo as investigações da Polícia Federal, a motivação para o assassinato estaria relacionada à atuaçãoMarielle contra grilagensterra por milícias na zona oeste, reduto eleitoralBrazão.

Por esse critério, nota João Costa, o crime não teve relação com o mandatodeputado federal, e, por isso, não deveria estar no Supremo.

Por outro lado, há suspeitasque Brazão atuou para atrapalhar as investigações, o que poderia indicar a continuidade da atuação criminosa durante o mandato na Câmara dos Deputados.

"Agora, o quanto que o cargodeputado federal do Chiquinho Brasão permitiu efato foi determinante para embaraçar as investigaçõesum crime supostamente encomendado por ele como vereador não está claro", ressalta Costa, ao apontar a dificuldadeaplicar o critério do STF para o foro especial.

Foro privilegiado?

O foro por prerrogativafunção costuma ter uma conotação negativa no Brasil, associado à impunidade.

Os especialistas ouvidos dizem que a ideia do foro especial é oferecer uma dupla proteção ao processo, buscando tanto evitar que políticos sofram algum tipoperseguição, como impedir que juízesprimeira instância fiquem sujeitos a algum tipopressãopoderosos.

A ideia é queuma Corte Superior,que os julgamentos ocorremforma colegiada, os magistrados estariam mais protegidos dessas cobranças.

Para Diego Werneck, o problema é que no Brasil o foro por prerrogativafunção é muito amplo, ou seja, abarca um número muito grandeautoridades.

No Supremo, são julgados todos os parlamentares federais, o presidente e o vice-presidente da República, ministrosEstado, integrantes dos tribunais superiores, do TribunalContas da União e embaixadores.

Com isso, diz o professor do Insper, o STF acaba julgando muitos casos e passa a ser visto como um ator político, o que é negativo para a credibilidade do Tribunal.

"Quanto mais poder penal o Tribunal tiver sobre os políticos, mais cuidado deve ter ao usá-lo, porque se ele começa a usar muito, vai gerar retaliação dos políticos", analisa.

O advogado João Costa questiona o uso do adjetivo "privilegiado" para se referir ao foro por prerrogativafunção. Ele lembra que o político julgado diretamente no STF fica sem outra instância para recorrer.

"Que privilégio é esse que reduz quatro instâncias a uma? Se você só tem uma instância e seu ministro-relator é o AlexandreMoraes, por exemplo, um juiz duro, que privilégio é esse?", provoca.