'Doping corporativo': a venda ilegalbet 44remédio para TDAH que invadiu a Faria Lima:bet 44

Os comprimidos, prescritos para TDAH e compulsão alimentar, aumentam a liberação dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina nas sinapses, que são as conexões entre os neurônios.

Essas substâncias, deficientesbet 44quem tem os quadros citados, são cruciais para a regulação do humor, atenção e comportamento impulsivo.

"Masbet 44organismos onde os níveis já são adequados, o aumento pode causar efeitos indesejáveis", diz Marcos Gebara, psiquiatra e professor convidado do cursobet 44Pós-Graduaçãobet 44Psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica do Riobet 44Janeiro (PUC-RJ).

Os sintomas incluem insônia, ansiedade, irritabilidade, impaciência e até agressividade. Casos mais graves incluem convulsões e problemas cardiovasculares

Em pessoas predispostas a problemas psíquicos, esses efeitos, dizem os especialistas, podem piorar significativamente.

Gebara e outros médicos consultados pela reportagem afirmam que o uso dos comprimidos por pessoas sem diagnósticos que o justifique tem sido cada vez mais comum, e que muitos usuários não sabem ou ignoram que o Venvanse contém anfetamina, uma substância que pode causar dependência.

"O uso requer um acompanhamento médico, sempre. A dependência é um risco, especialmente se a pessoa aumentar as doses sem indicação."

Com medo justamentebet 44que pudesse ficar dependente da ‘sensaçãobet 44superpoder’, Marta expressou suas preocupações, mas o médico insistiu que o uso era seguro.

"Foi aí que busquei outro profissional, que me ajudou a parar com o remédio, entendendo minha preocupação com os efeitos a longo prazo. Foi difícil aceitar a vida sem Venvanse. Me senti deprimida por algumas semanas."

Amanda também teve acesso ao remédio por prescrição médica e sem ter nenhum dos diagnósticos para os quais a droga é indicada.

Foi ela que, se sentindo esgotada e incapazbet 44dar conta dos dois empregos que levava, pediu a uma nutróloga que receitasse Venvanse. Ela conta que a médica pediu exames, e com os resultadosbet 44dia, forneceu a receita.

"Eu usava os comprimidos esporadicamente, apenas nos diasbet 44que precisavabet 44um desempenho melhor no trabalho. Percebi que me dava um foco e energia extras, mas no dia seguinte estava extremamente cansada e precisava dormir mais para compensar."

Depois que as últimas caixas acabaram, Amanda cogitou pular a fase da consulta médica e comprar os comprimidos direto no mercado ilegal.

"Tinha colegas que me indicaram os caminhos: por grupos nas redes sociais e até com esquemas diretamente com farmáciasbet 44rua", conta.

Mas por fim, assim como Marta, ela também relata ter paradobet 44usar o remédio por medobet 44uma dependência da qual não conseguisse mais voltar atrás.

'Doping corporativo'

Ambas as mulheres têm maisbet 4430 anos e trabalhambet 44grandes empresas – do ramobet 44tecnologia e comércio –bet 44São Paulo. Elas relataram que o usobet 44Venvanse ‘off label’ – com e sem receita médica – é algo comum no ambiente corporativo.

"É mais banalizado do que eu imaginava, e o uso desses remédios cria uma competição desleal, já que levam a um desempenho melhor."

"Trabalhobet 44uma empresa com cultura americana, onde a competição é intensa, e sei que sou comparada a colegas que usam esses medicamentos. Isso aumenta a pressão para ter alta performance, um dos pontos que me levou a tomar", diz Marta.

Os psiquiatras ouvidos pela BBC News Brasil reiteram que há uma ‘onda’bet 44busca por maior produtividade no trabalho, e o medicamento tem sido usado sem rigor.

Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra e professor da Escola Paulistabet 44Medicina da Universidade Federalbet 44São Paulo (EPM/Unifesp), explica que, embora quem tome sem ter TDAH ou compulsão alimentar possa ter uma sensaçãobet 44melhora na produtividade, o efeito é ilusório.

"A sensaçãobet 44estar mais alerta e produtiva é subjetiva – a pessoa não fica mais inteligente nem necessariamente produz mais. Testes cognitivos mostram que o desempenhobet 44uma pessoa sem transtornobet 44atenção não é superior com o uso do Venvanse."

Ana, também empregadabet 44uma grande empresabet 44tecnologia, acabou desistindo da ideia, mas conta que considerou tomar Venvanse ao observar o desempenho dos colegas.

"Eu digo que era um doping corporativo. Eu via a diferença nas pessoas que conhecia; quem usava realmente parecia mais focado no trabalho. Não falavam abertamente porque não era muito bem visto, mas depoisbet 44um tempo a conversa fluía, e eu percebi que eram muitas pessoas usando", lembra.

Para o psiquiatra Dartiu Xavierbet 44Silveira, esse usobet 44Venvanse por quem não precisa realmente do remédio reflete a procura desenfreada por performance na sociedade atual.

"Há uma pressão constante para se destacar e ser bem-sucedido, e pressão, muitas vezes, leva as pessoas a colocar a produtividade à frente da saúde, o que considero um reflexobet 44um idealbet 44sucesso muito doentio", avalia.

E as queixasbet 44quem faz o uso indiscriminado podem não ser resolvidas com o remédio para TDAH ou até pioradas por ele.

"Muitos dos pacientes que usam dizem usar porque estão desanimados e querem melhorar a performance", complementa Silvia Brasiliano, psicóloga e coordenadora do Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD) do Institutobet 44Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdadebet 44Medicina da USP.

"Eu sempre os encaminho a um psiquiatra para avaliar se realmente precisam do medicamento. Venvanse não é para qualquer um, não é um remédio que melhora a performancebet 44qualquer pessoa sem efeitos colaterais. Pode causar ansiedade e dificuldade para dormir, por exemplo."

Brasiliano afirma que o uso tem se tornado cada vez mais comum. "Busco explicar que essa droga pode causar dependência e deve ser usada especificamente para transtornobet 44atenção. Se alguém está desmotivado, pode ser um quadrobet 44depressão, burnout... Para cada situação, é necessário um tratamento diferente."

A psicóloga afirma, ainda, que há pouca informação na literatura científica sobre o abusobet 44Venvanse. "Há alguns alertas e estudos americanos, mas faltam dados sobre o contexto brasileiro."

Outro uso indevido que tem se tornado cada vez mais comum,bet 44acordo com os médicos, é o recreativo. Por ser um estimulante, há quem compre o Venvanse para usarbet 44festas.

"Venvanse com álcool ou outras drogas estimulantes, como cocaína ou MDMA, é uma combinação muito perigosa. Os riscos incluem problemas cardíacos, pressão alta, derrame e quadros psicóticos", alerta Silveira, que é um dos fundadores do Programabet 44Orientação e Atendimento a Dependentes (PROAD).

A reportagem da BBC News Brasil encontrou grupos no Telegram onde caixas do remédio são vendidas por mais do que o dobro do preço legal e onde até prescrições médicas falsas são oferecidas.

Como funciona a venda ilegalbet 44Venvanse

Em farmácias, com uma receita legal, o Venvanse já tem um preço considerado altobet 44comparação a outros remédios psiquiátricos.

De acordo com as regras da Câmarabet 44Regulação do Mercadobet 44Medicamentos (CMED), que limita o preço máximobet 44medicações no Brasil, uma caixabet 4428 comprimidosbet 4430mgbet 44Venvanse deve custar, na maioria dos estados brasileiros, no máximo R$ 365,38.

Para as versõesbet 4450mg e 70mg, o valor pode chegar a R$443,07.

Em um grupobet 44Telegram onde se vendem, ilegalmente, caixasbet 44Venvanse e outras substâncias controladas, como diferentes remédios psiquiátricos e até drogas anabolizantes, o remédio chega a custar R$850 na dosagem mais alta.

A BBC News Brasil perguntou ao Telegram se a plataforma estava ciente e se tomariam medidas para tentar evitar o comércio ilegal, mas não recebeu retorno até o momento da publicação desta reportagem.

Os atendentes do canal também oferecem ajuda para falsificar receitas amarelas, o tipo exigidobet 44farmácias para o Venvanse.

A falsificaçãobet 44receita médica é crime previsto no art. 298 do Código Penal com penabet 44um a cinco anos e multa. Nesses casos, o risco todo fica a cargobet 44quem vai tentar usar o documento falso na farmácia.

Para ter acesso ao receituário amarelo, os profissionais – sejam eles médicos, veterinários ou cirurgiões-dentistas – devem se cadastrar previamente na Autoridade Sanitária local.

Após o cadastro, o órgãobet 44vigilância fornece ao prescritor um talonário com uma quantidade específica e numeração dos receituários. Estes profissionais precisam estar devidamente inscritos nos seus respectivos Conselhos profissionais.

A Anvisa (Agência Nacionalbet 44Vigilância Sanitária) afirmou à reportagem que há 15 dossiês investigativos relacionados ao comércio ilegal,bet 44sites sem a devida autorização e sem receita médica, do Venvanse.

A agência reitera que todos os seus canaisbet 44atendimento podem ser usados para denúnciasbet 44venda ilegal.

A única responsável pela produçãobet 44Venvanse atualmente, a farmacêutica Takeda, afirmou à reportagem que "firmemente rechaça qualquer iniciativa que estimule o usobet 44medicamentos sem prescrição médica. Por isso, os medicamentos da Takeda são vendidos exclusivamente nos canais devidamente autorizados."

Venvanse para quem precisabet 44Venvanse

O Venvanse passou a ser comercializado no Brasilbet 442010, a princípio recomendado apenas para quem tem diagnósticobet 44TDAH, um dos distúrbios mentais mais comuns,bet 44acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).

O transtorno afetabet 445 a 8% das crianças, principalmente meninos, e frequentemente persiste na vida adulta.

As causas exatas ainda não são totalmente compreendidas, mas alguns fatores que podem desempenhar um papel incluem: genética, já que o TDAH pode ser hereditário; experiências traumáticas significativas na infância; nascimento prematuro; lesão cerebral; alémbet 44a mãe fumar, consumir álcool ou sofrerbet 44estresse extremo durante a gravidez, ou ser exposta ao chumbo durante a gestação.

O diagnóstico é principalmente clínico.

"É baseadobet 44sintomas principalmente do período da infância, atentando para déficitbet 44atenção, hiperatividade e impulsividade e considerando o contexto familiarbet 44cada um", afirma o psiquiatra Luiz Sperry,bet 44São Paulo.

Além do Venvanse, a Ritalina é outro remédio bastante comum para o transtorno.

"Ambos aumentam a dopamina na região frontal do cérebro. Algumas pessoas se adaptam melhor a um do que a outro. A principal diferença é que o tempobet 44duração do efeito da ritalina é curto, cercabet 444 horas, enquanto o Venvanse durabet 448 a 12 horas", afirma Dartiu Xavier da Silveira.

Dez anos depois,bet 442021, o Venvanse também passou a ser indicado para compulsão alimentar, um quadro caracterizado por episódiosbet 44ingestão excessivabet 44alimentosbet 44pouco tempo, acompanhados por sensaçãobet 44perdabet 44controle e seguidos por sentimentosbet 44culpa e vergonha.

"Para esses casos, o remédio também pode ajudar porque é a anfetamina presente no comprimido reduz o apetite. Dá a sensaçãobet 44saciedade, como se a pessoa tivesse comido há pouco tempo", diz Sperry.

A droga não substitui, no entanto, outros tiposbet 44tratamentos que podem ser recomendados para o quadro, como acompanhamento com psicólogo e psiquiatra.

Quebrabet 44patente

Atualmente, a farmacêutica Takeda detém a patente do Venvanse, o que impede a produçãobet 44versões genéricas (com a mesma formulação, mas sem a marca) por outras empresas.

A quebra da patente estava prevista para 2024, mas a Takeda pediu uma extensão, alegando demora além da prevista para ter a patente concedida no passado. A decisão estábet 44processo judicial.

Com o vencimento da patente, espera-se maior disponibilidade do tratamento para quem precisa - mas, com o preço mais baixo, também é possível que o uso indiscriminado aumente, segundo especialistas.