São Jorge:onabet de quem ésanto 'cassado' a guerreiro que vive na Lua:onabet de quem é
De concreto sobreonabet de quem éprovável existência, há um documento chamadoonabet de quem é'Passio Georgii' (em português, 'A Paixãoonabet de quem éJorge'), reconhecido por um decreto da Igreja datadoonabet de quem é496. "Muitas das informações contidas nesse texto foram criando raízes e se fixando na tradição e no imaginárioonabet de quem étorno a São Jorge", afirma à BBC News Brasil o pesquisador Thiago Maerki, membro associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.
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Fim do Matérias recomendadas
"Como muitos desses santos dos primeiros séculos cristão, é muito difícil reconstituironabet de quem évida verdadeira. O que temos são algumas informações colhidasonabet de quem éalgumas fontes hagiográficas", comenta ele, salientando que a própria 'Passio', "classificada como apócrifa, não podia ser considerada uma fonte fidedigna".
A versão afirma que Jorge teria nascido na Capadócia, atual Turquia, por volta do anoonabet de quem é280, educadoonabet de quem éuma famíliaonabet de quem étradição cristã. Mais tarde, mudou-se para a Palestina, onde acabou se alistando no exército do imperador romano Diocleciano (243-312).
"Ele era considerado um soldado extremamente competente, a pontoonabet de quem épassar a integrar a guarda pessoal do imperador. Este é um dado significativo, porque para fazer parte dessa guarda devia ser alguémonabet de quem émuita confiança, não podia ser qualquer um", acrescenta Maerki. "Isso mostra que ele era extremamente importante e reconhecido por Diocleciano."
Ele existiu ou não?
"Segundo a tradição, Jorge teria sido um destemido e famoso tribuno da guarda romana, admirado por todos, inclusive pelo imperador", completa o escritor e teólogo J. Alves, autor do livro 'Os Santosonabet de quem éCada Dia',onabet de quem éresposta a perguntas formuladas pela reportagem.
No anoonabet de quem é303, o imperador publicou um edito considerado o marco da mais sangrenta perseguição aos cristãos. Jorge teria então doado todos os seus bens aos pobres e, apresentado-se a Diocleciano. Ali declarouonabet de quem éféonabet de quem éCristo, rasgando o decreto. Acabaria torturado e morto por decapitação, segundo o texto do Vaticano.
De acordo com a tradição, ele teria sido sepultadoonabet de quem éLida, na época capital da Palestina, atualmente uma cidade israelense localizada pertoonabet de quem éTelaviv. No local foi erguida uma igreja emonabet de quem éhonra — hoje restam ruínas.
Maerki recorda outra narrativa sobre o martírioonabet de quem éJorge, segundo a qual o imperador Diocleciano teria convocado um conselhoonabet de quem éreis, com 72 nobresonabet de quem édiversas localidades, para decidir estratégias para perseguir e matar cristão. "São Jorge havia se declarado cristão. E acabou convidado pelo imperador a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos", narra o hagiólogo. "Ele teria se recusado a fazer isso e, então, acabou espancado, dilacerado e jogado na prisão."
"Segundo consta, depois, no cárcere, ele teria tido uma visão divinaonabet de quem éque Deus lhe previa seis anosonabet de quem étormento e também uma espécieonabet de quem éressurreição após a morte. O que, segundo a lenda, se concretizaria", prossegue Maerki.
Mas ele existiuonabet de quem éfato? "Como muitos santos católicos dos primeiros séculos da era cristã, não há comprovação científica paraonabet de quem éexistência histórica, enquanto pessoa real situada no tempo e no espaço", comenta Alves. "“A memóriaonabet de quem éSão Jorge chegou até nossos tempos por meioonabet de quem émúltiplas narrativas edificantes, feitasonabet de quem éépocas e circunstâncias diferentes, colhendo e agregando à figura do santo o ethosonabet de quem écada época."
Ele atribui a isso a existênciaonabet de quem étantas "lendas e histórias fantasiosas" acerca do santo, "de vertente míticas, religiosas e socioculturais". "Tudo isso, ressignificado à luz da fé católica", enfatiza. "Essas contínuas releituras e reescritas se fundiram aos dados mais primitivos da tradição oral, resultandoonabet de quem éuma imagem multifacetada e cativante que torna São Jorge um santo universal que protege a todos, independenteonabet de quem ésua crença", argumenta.
Alves defende, contudo, que "é consensoonabet de quem émuitos hagiógrafos" que, mesmo com tantas versões e reinterpretações, "são fortes os indícios e evidências"onabet de quem éque ele existiu como figura histórica. "Um dos principais argumentosonabet de quem ésua historicidade está na antiguidade e continuidade do seu culto, já evidenciado no século 4, que perpassa não só a baixa e alta Idade Média, mas também a era moderna, permanecendoonabet de quem éevidência até os diasonabet de quem éhoje", diz ele.
O Vaticano atesta que "entre os documentos mais antigos" que indicam "a existênciaonabet de quem éSão Jorge" está uma epígrafe grega do anoonabet de quem é368 que menciona “casa ou igreja dos santos e triunfantes mártires, Jorge e companheiros".
"Outra evidência são as inscrições encontradasonabet de quem éruínasonabet de quem éantigas igrejas a ele dedicadas, na Síria, na Mesopotâmia, no Egito e Tessalônica, também datadas do século 4", aponta Alves.
Sincretismo
Para as religiõesonabet de quem ématriz africana, Ogum é o orixá do ferro, da guerra, da caça e da agricultura. No processoonabet de quem ésincretismo ocorrido no Brasil, os escravizados praticantesonabet de quem éreligiosidades como o candomblé acabaram elegendo São Jorge para representar o orixá.
"O sincretismo com santos católicos foi uma estratégiaonabet de quem ésobrevivência dos africanos e seus decendentes, uma tentativaonabet de quem érecriaçãoonabet de quem ésuas práticasonabet de quem éum contextoonabet de quem éque não tinham a liberdade", explica à BBC News Brasil o historiador Guilherme Watanabe, paionabet de quem ésanto do terreiro Urubatão da Guia,onabet de quem éSão Paulo, e membro fundador do Coletivo Navalha.
"Os escravizados eram proibidosonabet de quem écelebrarem seus cultos e suas tradições, então eles acabavam adotando alguns santos para continuar exercendo suas crenças, suas festividades", contextualiza Maerki. "Eles criavam seus altares e colocavam as estátuas dos santos católicos neles, mas guardavam as representações, as imagensonabet de quem ésuas divindades, escondidas por detrás dos santos católicos. Assim começou o sincretismo: na aparência, eles estavam celebrando os santos cristãos, mas muitas vezes estavam celebrando a divindade deles."
Watanabe analisa que, historicamente, contudo, o destaque para a figura do santoonabet de quem édetrimento a do orixá contribui para "um movimentoonabet de quem éembranquecimento, uma tentativaonabet de quem éesvaziamento,onabet de quem ésilenciamento e morte da cultura negra". E que, portanto, desde os anos 1980, há um esforço interno por muitas das liderançasonabet de quem éumbanda e candomblé para tentar desassociar essa relação sincrética com figuras originalmente católicas.
"Como historiador posso afirmar que esse culto aos santos católicos [por parteonabet de quem éreligiões africanas] é anterior à própria diáspora. Alguns reinos da África Central foram reinos católicos que incorporaram a religião cristã, e nessa incorporação existiu algum tipoonabet de quem éligação [de orixás] com santos católicos", exemplifica ele.
Watanabe ressalta que o "encontroonabet de quem éSão Jorge com Ogum" não foi obra do acaso ou um capricho aleatório. "Isso transformou o santo católicoonabet de quem éalgo que seja outra coisa. Existiu uma escolha. Jorge,onabet de quem éfato, está caçando, está com armaonabet de quem épunho, pronto para espetar o dragão, levar para casa. Aí liga ao orixá Ogum, que é o primeiro caçador. Ao mesmo tempo a gente pode ter a ideiaonabet de quem éque Ogum está guerreando, e São Jorge está guerreando com o dragão…", diz.
Ele lembra que Ogum tem uma importância muito grande — e por isso pode explicar por que São Jorge se tornou uma figura tão associada à cultura afrobrasileira. "Os orixás extremamente ligados à guerra são os orixás mais famosos do Brasil, justamente porque eles foram muito cultuados onde o sistema escravista cerceava, matava, estuprava, condenava as pessoas africanas à morte material e simbólica", pontua o historiador.
E no caso da umbanda, "uma religião afrodiaspóricaonabet de quem ébaseonabet de quem éentendimentoonabet de quem émundo centro-africano", há um outro ingrediente a ser considerado: o fatoonabet de quem éOgum ser ferreiro. Segundo Watanabe, na cultura iorubá, era uma profissão vista como da realeza. "Acho que isso é primordial, explica porque Ogum é considerado o rei da umbanda", conclui.
No mundo da lua
Desse sincretismo nasceu, no Brasil, uma das lendas mais bonitas ligadas a São Jorge. Como Ogum é o orixá da força masculina, ele precisaria buscar a feminilidade na lua, para garantir seu equilíbrio. O folclore se encarregouonabet de quem écriar a imagem do santo guerreiro cavalgando pelo terreno lunar — e as manchas que podem ser vistas no astro seriam rastros do próprio montadoonabet de quem écavalo branco.
"A figuraonabet de quem éJorge está viva, presente e perene no imaginário do povo, na religiosidade popular, no folclore, no esporte, na cultura e na geografia", comenta Alves. "Desde pequenos, nossos pais e avós apontavam para a lua cheia e nos mostravam São Jorge montandoonabet de quem éseu cavalo branco, espadaonabet de quem épunho,onabet de quem éluta contra o dragão."
"A lenda do santo que mora na lua temonabet de quem éorigem na história do dragão que, depoisonabet de quem édevorar todos os animais e os jovensonabet de quem éum certo reino, só lhe restava devorar a filha do rei", conta o escritor. "Prestes a ser sacrificada, ela foi libertada por um corajoso cavaleiro que conseguiu ferir o dragão comonabet de quem éespada."
Ferido, o dragão fugiu para a lua. "Em árdua batalha, o valente guerreiro o perseguiu por terra e pelo ar até a lua, onde ocorreu o embate final. Imensas crateras marcam o campo da batalha e da morte do dragão", narra ele.
"Reza a lenda que São Jorge decidiu morar na lua para proteger a humanidadeonabet de quem étodos os perigos e maldades", diz Alves.
'Cassação' pela Igreja
Embora seja celebrado no 23onabet de quem éabril, São Jorge desde 9onabet de quem émaioonabet de quem é1969 não integra mais o santoral oficial da Igreja Católica. Isso não significa que ele tenha deixadoonabet de quem éser reconhecido como santo, ou queonabet de quem écelebração seja proibida — mas já houve confusão nesse sentido.
De acordo com o Vaticano, São Jorge segue considerado o "padroeiro dos cavaleiros, soldados, escoteiros, esgrimistas e arqueiros". E é um santo que costuma ser invocado "contra a peste, a lepra e as serpentes venenosas". Contudo, "na faltaonabet de quem énotícias sobre aonabet de quem évida,onabet de quem é1969, a Igreja mudouonabet de quem écelebração:onabet de quem éfesta litúrgica, passou a ser memória facultativa, sem, porém, alterar seu culto".
Foi um movimento capitaneado pelo papa Paulo 6º (1897-1978), na esteira do Concílio Vaticano 2º — na época, foram retirados do santoral muitos personagens que careciamonabet de quem écomprovação histórica, masonabet de quem érespeito às tradições, principalmente nas localidadesonabet de quem éque tais figuras têm uma devoção popular mais forte, a memória e as celebrações se tornaram facultativas.
Segundo Alves, a revisão deixou "em evidência os santosonabet de quem écomprovada historicidade e que exerceram grande influência na propagação da fé e na vida da Igreja por meioonabet de quem ésua ação missionária e apostólica". "Embora o nomeonabet de quem éSão Jorge não conste no santoral da Igreja, seu culto e festas permanecem vivos, não apenas nas localidades e entidades que levam seu nome o cultuam como patrono, mas também seu nome é lembradoonabet de quem éâmbito da Igreja universal", salienta o escrito.
São Jorge segue, portanto, um santo do catolicismo. Mas essa exclusão do calendário oficial da época suscitou confusões — e muitos interpretaram que o santo havia sido "cassado" pela Igreja.
Também houve quem entendesse essa exclusão do santo no rol daqueles que mereciam celebração oficial como uma tentativa da Igrejaonabet de quem éminimizar a importânciaonabet de quem éuma figura que havia se tornado tão forte para as religiõesonabet de quem ématriz africanas.
O padre Eugênio Ferreiraonabet de quem éLima contou à BBC News Brasil que, naquela época, alguns sacerdotes católicos, "talvez por uma compreensão equivocada" da decisão do Vaticano, "promoveram a retiradaonabet de quem éimagens [do santo] das igrejas". "Muitas foram levadas pelos católicos para suas casas. Por onde passei [ao longo da carreira], recuperamos algumas dessas imagens [que foram reinstaladas nos altares]", diz Lima, que como pároco já atuouonabet de quem écinco cidades.
"Alguns santos não tinham dados históricos seguros e não se promoveu mais o seu culto. Mas já estavam no imaginário do povo, e isso não se tira por decreto", explica ele. "Como vivíamos aqui no Brasil a ditadura militar, com muitas cassaçõesonabet de quem épolíticos, se dizia que os santos foram cassados. Espalharam boatos sobre a cassaçãoonabet de quem éSão Jorge, mas isso não houve."
Para não deixar dúvidas, São Jorge foi um dos tantos santos enaltecidos pelo papa João Paulo 2º (1920-2005) nas celebrações do Jubileuonabet de quem é2000 — e isso foi visto por observadores como uma espécieonabet de quem éreabilitação oficial da figura.
"São Jorge é reconhecido como o santo que nos inspira e ajuda na luta contra os dragõesonabet de quem écada dia. É padroeiroonabet de quem émuitas paróquias e comunidades por esse Brasil, padroeiro dos corintianos, do estado do Rioonabet de quem éJaneiro e da Inglaterra", cita padre Lima. E, lembrandoonabet de quem éapropriação pelas religiõesonabet de quem ématriz africana, ele pede "que São Jorge nos ajude a vencer os dragões da intolerância religiosa, do racismo e da violência".