A desastrosa viagemRoosevelt à Amazônia:

Crédito, Museu do Índio/Funai

Legenda da foto, Roosevelt (à esquerda) e Rondon (à direita) na expedição ao Rio da Dúvida, rebatizadoRio Roosevelt, na Amazônia

A expedição deu à Amazônia um rio batizadoRoosevelt. E quase custou a vida ao ex-mandatário americano.

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Crédito, Library of Congress

Legenda da foto, Theodore Roosevelt (ao centro), com o filho Kermit (à esquerda) e padre Augustine Zham, que compuseram a expediçãoRoosevelt e Rondon

Presidente do Big Stick

Depoisdois mandatos (1901 a 1909), Theodore Roosevelt, ainda hoje o presidente mais jovem a chegar ao cargo, aos 42 anos, perdeu o pleito1912.

Aquela campanha, na qual ele chegou a ser baleadouma tentativaassassinato, era vista por ele mesmo comoúltima chancevoltar à Casa Branca.

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No poder, Roosevelt se notabilizara porpolítica externa do Big stick (grande porrete,tradução para o português), projetando globalmente a imagem do poderio militar americano contra possíveis intervenções europeias nas Américas.

Enquanto isso, aprofundava a presença norte-americana na região latina, empreendendo por exemplo a construção do Canal do Panamá.

Mas Roosevelt era também um naturalista e um taxidermista. Conhecido como “o presidente conservacionista”, ele colocou sob proteção federal 230 milhõesacresterras públicas nos oito anosgestão, incluindo 150 florestas nacionais.

Criou as primeiras 55 reservas federaisaves e caça, além5 parques nacionais. O MuseuHistória NaturalNova York o descreve como um “pioneiro” da conservação natural e batizou seu salãobiodiversidadehomenagem a Roosevelt.

Uma criançasaúde frágil, Roosevelt se tornara um adulto aplicadomanter vigor físico emostrar resiliência diantedificuldades.

Ao perder a mãe e a mulher no mesmo dia, por causas distintas,vezguardar luto, ele se lançou a uma expedição exploratória às áridas formações geológicas das Dakota Badlands. Mais tarde, quando deixou a presidência, passou maisum anoum safari pela África.

“Theodore Roosevelt perdeuúltima tentativavoltar ao poder e estava neste estranho lugarque ele já não era mais nada. Mas sempre foi um aventureiro e também um homembuscaum sentido para a vida. E foi encontrá-louma expedição a uma área remota da Amazônia”, afirma o pesquisador Pedro Libânio, da Casa Rui Barbosa, especialista na expedição que Roosevelt eequipe americana fizeram sob o comando do então coronel Cândido Rondon, um lendário indigenista e expedicionário da Amazônia brasileira.

Crédito, Library of Congress

Legenda da foto, Roosevelt com onça que ele teria caçadoMato Grosso, antesiniciar a expedição com Rondon

Deixar os ossos na América do Sul

Roosevelt chegou à América do Sul1913. Sua ideia inicial era dar uma palestraBuenos Aires, mas ao chegar ao RioJaneiro, ele é informadoque Rondon lideraria uma expedição para tentar percorrer por completo o então chamado Rio da Dúvida.

Tratava-seuma região até então jamais explorada na Floresta Amazônica. Seriam cerca1,6 mil quilômetros por dentro da floresta,canoas. Ou, como Roosevelt definiu, “sua última chanceser um menino”.

“Se rememorarmos a vida dele, veremos que ele se lança nessas expedições difíceis e perigosas sempre para provar algo aos outros, mas principalmente para provar algo a si mesmo. Ele foi para a América do Sul pensando que faria uma (outra) viagem, mas o ministro das Relações Exteriores do Brasil (Lauro Muller, do gabinete do presidente Hermes da Fonseca) lhe diz: ‘Ei, acabamosdescobrir a nascente deste rio, não temos ideia para onde ele vai.’ E este é Theodore Roosevelt. (...) Para ele, isso era simplesmente irresistível: a cabeceiraum rio, que não estánenhum mapa e ninguém sabe o que vai acontecercada curva. Isso combina completamente com o personagem. Não havia como ele resistir a algo assim”, disse Candice Millard, autora“The River of Doubt - Theodore Roosevelt's Darkest Journey” (O Rio da Dúvida - A jornada mais sombriaTheodore Roosevelt), livro2005 no qual ela rememora a jornada,uma entrevista à Theodore Roosevelt Presidential Library.

Mas esse tipoexcursão tinha uma sérieriscos, e Roosevelt os conhecia. Sabia, por exemplo, que Rondon normalmente tinha que pagar sete vezes mais do que qualquer outro empregadorjornadas amazônicas - e mesmo assim podia ter dificuldaderecrutar seus homens.

Conhecia o perigopiranhas, animais peçonhentos e tinha ele próprio - ou assim registrou-se na história - caçado uma onça pouco antes do início da descida do Rio da Dúvida. Nenhum alerta surtiu efeito para dissuadir o ex-presidente.

“Se for necessário que eu deixe meus ossos na América do Sul, estou pronto pra isso”, ele escreveu antes da partida. E foi literalmente o que quase aconteceu.

Uma dose letalmorfina

O início da jornada pareceu enganá-lo sobre o que estava por vir. Anotador compulsivo (dedicava-se quatro horas por dia às suas notas), ele fez uma descrição bucólica do princípio da expedição.

“Borboletasvários tons esvoaçavam sobre o rio. O dia estava nublado, com pancadaschuva. Quando o sol rompeu as fendas nas nuvens, seus raios transformaram a florestaouro”, escreveu Rooseveltseu livro Through the Brazilian Wilderness (algo como Pela Selva Brasileira,tradução livre).

Crédito, Library of Congress

Legenda da foto, MapaRoosevelt com localização do Rio da Dúvida, rebatizado para Rio Roosevelt

Na verdade, o rio adentrava uma mata extremamente densa e era sinuoso, cheiocorredeiras e cachoeiras intransponíveis.

Aos poucos, eles perderam parteseus suprimentos, as próprias embarcações (substituídas por rústicas canoas indígenas) e até um dos homens, que se afogou.

Segundo o relatoRoosevelt, para cada dez minutos navegando, a expedição gastava entre 8 e dez horas carregando tudo nas costas e abrindo caminho na mata até chegar ao próximo ponto navegável do Rio da Dúvida.

Do ladoRoosevelt, a viagem também havia sido pobremente planejada. Na prática,meio à aventura, eles descobriram que embora carregassem azeite - não exatamente um item essencial - não dispunhamquantidades razoáveiscarne e outros produtos básicos. Passaram a terse alimentarpalmito e caçamacacos para sobreviver.

“Havia ali um óbvio choquecivilizações”, afirma Libânio, que completa: “Enquanto Rondon e seus homens eram respeitosos e mostravam deferência ao conhecimento dos indígenas, esse não era o comportamento geral dos americanos, que os viam como atrasados e inferiores”.

Em dado ponto da expedição, o padre Augustine Zham, amigoRoosevelt, chegou a demandar que os indígenas, que ajudavam a carregar os suprimentos dos brasileiros, o carregassem pelo resto do caminhouma liteira.

Arrogante e agressivo no tratamento com os nativos, ele acabou sendo mandado embora da expedição pelo ex-presidente americano, que respeitou a liderançaRondon - e creditou a ela o fatoterem sobrevivido a encontros pouco amistosos com comunidades indígenaspouco contato.

Em outro momento,uma discussão, um dos integrantes da expedição matou o outro e se refugiou na mata. Roosevelt exigia que uma busca fosse feita para recapturá-lo e fazê-lo pagar pelo crime.

Rondon descartou a ideia, convencendo o ex-presidente americanoque deixar o homem pra trás, abandonado à própria sortemeio à mata, já seria castigo suficiente. “Era talvez o choque entre o caráter institucional que tinha um ex-presidente americano versus o lado práticoquem conhecia mais do que ninguém aquela terra sem lei”, diz Libânio.

Mas o ponto mais dramático da viagem viria próximo a seu fim. Roosevelt - assim como outros integrantes da expedição - contraiu malária. Além disso, feriupernauma canoa e contraiu uma infecção, que lhe causou febrequase 41 graus Celsius.

Mosquitos, abelhas, carrapatos e formigas venenosas causavam feridas purulentas empele branca. Ele já não suportava se sentar, nem mesmo levantar a cabeça. O naturalista George Cherrie, convidado por Roosevelt a se juntar à viagem, chegou a desenganá-loseu diáriocampo: “Não creio que ele (Roosevelt) vá sobreviver a essa noite”.

O próprio Roosevelt estava convencidoque não tinha mais saída. Tanto assim que passou a demandar que Rondon e o filho, Kermit (que também compunha a expedição), o deixassem para trás, munidouma dose letalmorfina, porque Roosevelt temia que o esforçocarregá-lo faria com que nenhum dos companheiros sobrevivesse à jornada.

Mas Rondon e Kermit não aceitaram o pedidoRoosevelt e conseguiram retirá-lo com vida da floresta - embora o ex-presidente americano tenha perdido 25kg, um quartoseu peso corporal original, e passado a sofrer com malárias recorrentes pelo resto da vida. “A selva brasileira me roubou dez anosvida”, escreveu Rooseveltuma carta a um amigo. Não estava errado. Ele morreria apenas cinco anos após o fim da viagem.

Para a satisfaçãoRoosevelt, porém, a expedição foi considerada um sucesso porque logrou mapear o curso do Rio da Dúvida, rebatizado emhomenagem. O ex-presidente americano, no entanto, viu no ato uma injustiça.

Para ele, o Rio deveria ter recebido o nomeRondon, que garantiu que ele voltasse da Floresta Amazônica para contar sobre os milharesespécies animais e vegetais que encontrou ali. A jornada acaboumaio1914. Levaria mais doze anos até que novos exploradores voltassem a conseguir navegar por completo o Rio Roosevelt.