Como o cérebro se reconfigura quando vivemos o luto pela morteesporte bet palpitesalguém :esporte bet palpites
Nas últimas décadas, o conhecimento sobre esse tema evoluiu bastante — e a BBC News Brasil conversou com alguns dos autores das pesquisas mais importantes nessa área para desvendar a neurociência do luto, como você confere a seguir.
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Embora as investigações científicas sobre o luto tenham diferentes abordagens e pontosesporte bet palpitespartida, os especialistas ouvidos para essa reportagem foram unânimesesporte bet palpitesafirmar que, para entender o impacto da morte, é essencial conhecer os fundamentos do amor.
"Quando falamos sobre a perdaesporte bet palpitesalguém importante, precisamos antes compreender a fundo o que é o vínculo entre duas pessoas", concorda a neurocientista Zoe Donaldson, professora da Universidade do Coloradoesporte bet palpitesBoulder, nos EUA.
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Em uma sérieesporte bet palpitesentrevistas e palestras, a professoraesporte bet palpitesPsicologia e Psiquiatria Mary-Frances O’Connor define o luto como "o preço que pagamos por amar alguém".
Após publicar diversos estudos sobre o tema na Universidade do Arizona, também nos EUA, a especialista chegou à conclusãoesporte bet palpitesque o sentimentoesporte bet palpites"perder um pedaço"esporte bet palpitesnós mesmos diante da morteesporte bet palpitesum familiar ou um amigo querido é algo real, uma vez que esse vínculo afetivo está enraizado e codificado nos neurônios.
O'Connor, uma das pioneiras no estudo do luto e autora do livro O Cérebroesporte bet palpitesLuto (Editora Principium), explica que, num momento tão difícil como este, o cérebro entra numa espécieesporte bet palpitescontradição.
De um lado, a massa cinzenta registrou as memórias da morte eesporte bet palpitestodos os ritos associados a ela, como o funeral e o enterro. Ou seja: uma parte do sistema nervoso tem plena consciência do que aconteceu.
De outro, no entanto, há um fluxo diferenteesporte bet palpitesinformações, interpretado pelo que a especialista americana descreve como a teoria ou a neurociência do apego — termo que vem do inglês attachment theory.
Para O’Connor, quando criamos um vínculo especial com alguém, certas partes do cérebro (sobre as quais falaremos adiante) criam uma noção bem forte, que pode ser resumida na frase: "Eu sempre estarei aqui por você, e você sempre estará aqui por mim".
Ela avalia que esse sentimento está no âmagoesporte bet palpitestodo relacionamento afetivo e funciona muito bem quando nos afastamos momentaneamente desses indivíduos (como durante uma viagem a trabalho, por exemplo).
No fundo, sabemos que essa separação é limitada e logo estaremos juntos com aquela pessoa amada novamente.
Mas daí vem a morte — e aqueles dois fluxosesporte bet palpitesinformação (memórias x apego) entram literalmenteesporte bet palpitesparafuso.
Conscientemente, sabemos que aquela pessoa não está mais ali.
Mas as estruturas neurais relacionadas ao apego sinalizam justamente o oposto. Após dias, semanas, meses, anos, décadasesporte bet palpitesconvivência, essa parte do sistema nervoso cria uma noçãoesporte bet palpitesque o amigo/familiar/companheiro sempre estará ali conosco.
E esse choque gera raiva, frustração, estresse e todo o fluxoesporte bet palpitessentimentos que marcam o processoesporte bet palpitesluto.
Em seu livro, O'Connor pontua que o vínculo afetivo está registrado no nosso cérebro, mais especificamente na conexão entre os neurônios. Segundo ela, quando criamos amor por alguém, há uma mudança física no contato entre essas células e até na forma como certas proteínas atuam no sistema nervoso.
E, diante da perdaesporte bet palpitesalguém tão importante, todo esse arcabouço neuronal precisa ser reorganizado, o que é custoso e demanda tempo e novas experiênciasesporte bet palpitesvida (como conhecer outras pessoas para criar conexões inéditas).
O que roedores podem ensinar
Mas quais são as áreas específicas do cérebro que estão relacionadas ao luto?
Para encontrar respostas para essa pergunta, estudiososesporte bet palpitesvárias partes do mundo se voltaram a uma espécie animalesporte bet palpitescaracterísticas únicas.
Falamos aqui dos arganazes-do-campo (Microtus ochrogaster), roedores típicos da América do Norte que são absolutamente monogâmicos — na contramãoesporte bet palpitesoutros ratos e camundongos, que costumam adotar um comportamento classificado como "promíscuo" pelos cientistas.
Quando um arganaz-do-campo escolhe um parceiro, esse vínculo dura pela vida toda — ou até que a morte os separe.
Essa característica, um tanto incomum no reino animal — apenas 3 a 4% dos mamíferos do planeta são monogâmicos — tornaram esses roedores os modelos perfeitos para estudar o vínculo emocional e o que acontece quando um dos parceiros parte dessa para outra.
"De uma perspectiva científica, os arganazes reúnem as características perfeitas para estudarmos o assunto. Eles têm esse comportamento carismático, parecido aoesporte bet palpiteshumanos, e possuem um tamanho similar aoesporte bet palpitesoutros roedores, o que permite o uso das técnicas avançadasesporte bet palpitesneurociência que temos à disposição", conta Donaldson, que possui um laboratório dedicado a estudar esses animais.
Entre as técnicas mencionadas pela cientista, há a possibilidadeesporte bet palpitesrealizar examesesporte bet palpitesimagemesporte bet palpitestempo real do cérebro dos bichinhos, para ver como os neurônios se comportam dianteesporte bet palpitesdiversas situações — como quando eles são afastados do parceiro, por exemplo.
"Basicamente, o que diferencia o lutoesporte bet palpitesuma depressão é o anseio/saudade. No luto, há um forte desejoesporte bet palpitesreencontrar aquele indivíduo, mesmo que isso não seja mais possível", raciocina a pesquisadora. "E por que há esse anseio? Porque estar reunido com aquele ser é algo recompensador."
Quando alguém tão querido morre, o cérebro continua a manifestar esse desejoesporte bet palpitesestar junto. Como isso não é mais possível, surgem os sentimentos típicos do luto, como a frustração, a tristeza, a perda do prazer, a raiva…
Donaldson lembra que esses efeitos não se limitam à cabeça — não à toa, a morteesporte bet palpitesum familiar ou amigo costuma ser descrita pelos enlutados como "a perdaesporte bet palpitesum pedaço do corpo" ou "o aparecimentoesporte bet palpitesum buraco no coração".
"As emoções surgem na cabeça, mas elas ganham formas fisiológicas. Elas mudam a maneira como o corpo se expressa", observa a neurocientista. "Há, por exemplo, a elevação do hormônio cortisol, que acelera os batimentos cardíacos e diminui o apetite."
O neurobiólogo Oliver Bosch, que também estuda arganazes-do-campo no Departamentoesporte bet palpitesNeurobiologia Molecular e Comportamental da Universidadeesporte bet palpitesRegensburg, na Alemanha, pondera que não é correto afirmar com todas as letras que esses roedores passam pelo luto.
"Isso é algo que gostamosesporte bet palpitespensar, mas não podemos ter certeza absoluta", explicou o cientista à BBC News Brasil.
"O que podemos dizer é que os arganazes monogâmicos mostram sinais parecidos ao que vemosesporte bet palpitesuma pessoa enlutada como, por exemplo, aumento nos níveisesporte bet palpitesestresse, surgimentoesporte bet palpitespassividade e uma variabilidade nos batimentos cardíacos", detalha ele.
Em pesquisas no laboratório, Bosch separou os roedores machosesporte bet palpitessuas parceiras.
"Observamos que o núcleo accumbens, uma estrutura cerebral importante para o sistemaesporte bet palpitesrecompensa e também para a formação do vínculo entre um casal, ficava prejudicada nesses arganazes machos", conta o pesquisador.
"Curiosamente, estudos com humanos que sofrem com luto prolongado [saiba mais sobre o transtorno a seguir] mostram que pensar na pessoa que faleceu também gerou uma ativação do núcleo accumbens", complementa ele.
Os estudos feitos na Alemanha ainda revelaram que, após a separação, o sistemaesporte bet palpitessinalização do estresse dos animais ficava mais agitado — o que gerava uma inibição da ocitocina, substância conhecida como hormônio do amor ou do afeto que é fundamental para a formação do vínculo entre duas pessoas.
Cientistas agora buscam entender o papel da dopamina, um outro neurotransmissor, nesse processo.
"Queremos compreender como o luto é engatilhado e por que algumas pessoas sofrem mais que outras", resume o neurobiólogo.
Um conflito complexo entre partes do cérebro
Para a neurologista Lisa M. Shulman, professora da Escolaesporte bet palpitesMedicina da Universidadeesporte bet palpitesMaryland, nos EUA, a morteesporte bet palpitesalguém querido pode ser comparada a outros eventos traumáticos — pelo menos do pontoesporte bet palpitesvista do funcionamento da mente.
"O cérebro possui um sistemaesporte bet palpitesvigilância que é ativado dianteesporte bet palpitesdiferentes ameaças", diz a médica, que é autora do livro Before and After Loss – A Neurologist's Perspective on Loss, Grief, and Our Brain ("Antes e Depois da Perda - A Perspectivaesporte bet palpitesuma Neurologista sobre Perda, Luto e Nosso Cérebro",esporte bet palpitestradução livre).
Esse sistema envolve partes neurais mais primitivas, como a amígdala e o sistema límbico.
"Quando essas estruturas identificam algum nívelesporte bet palpitesameaça, elas disparam um alarme", continua a médica,esporte bet palpitesentrevista à BBC News Brasil.
Esse alarme pode ser interpretado como aquela sérieesporte bet palpitesreações observadas nos arganazes monogâmicosesporte bet palpiteslaboratório — subida do cortisol, disparos no coração, perdaesporte bet palpitessono, alteraçõesesporte bet palpitesapetite, tristeza, catatonia…
Por outro lado, outras regiões cerebrais mais avançadas, que estão relacionadas ao pensamento racional — como o córtex pré-frontal — ficam enfraquecidas e menos ativas.
"E essas alterações colocam o indivíduo numa situaçãoesporte bet palpitesgrande ansiedade e hipervigilância", observa Shulman.
A neurologista explica que esses traumas são cumulativos e, embora a reação a cada morte seja algo individual, certos padrões são observados independentemente se a perda é súbita — por acidente ou homicídio, por exemplo — ou após um longo processoesporte bet palpitesdoença — como no tratamentoesporte bet palpitescâncer ou demência.
"Mesmo nos casosesporte bet palpitesque uma enfermidade se arrasta por meses ou anos, e você vê o declínio daquela pessoa, a morte ainda é impactante, porque é um momento definitivo, impossívelesporte bet palpitesantecipar", raciocina ela.
Mas esses padrões citados pela especialista não significam que o luto siga uma espécieesporte bet palpites"receitaesporte bet palpitesbolo".
Os famosos estágios do luto — negação, raiva, negociação, depressão e aceitação —, elaborados a partir do trabalho da psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross com pacientes que estão nos últimos diasesporte bet palpitesvida, não estão escritosesporte bet palpitespedra e tampouco respeitam fielmente uma ordemesporte bet palpitestodos os que sofrem pela perdaesporte bet palpitesalguém querido.
Um dos estudos que testou esse conceito foi publicadoesporte bet palpites2010 por especialistas do Centroesporte bet palpitesAvaliaçãoesporte bet palpitesCuidadosesporte bet palpitesSaúde VA Palo Alto e do Centro Médico da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.
Ao analisar maisesporte bet palpites600 participantes, os autores não encontraram evidênciasesporte bet palpitesque todos experimentaram aqueles estágios do luto.
"Nossa pesquisa sugere que as vivências relacionadas ao luto são muito mais diversas do que um modelo estritoesporte bet palpitesestágios", resume o psicólogo Jason Holland, um dos autores do artigo.
Um detalhe que chamou a atenção dos especialistas no estudo foi o que eles chamaramesporte bet palpites"reaçãoesporte bet palpitesaniversário", marcada pelo aumento repentino do estresse e pela redução no nívelesporte bet palpitesaceitação da morte.
Os dados levantados nos EUA apontam que, curiosamente, as datas próximas ao segundo ano após o falecimento costumam ser as mais complicadas.
"Nós ficamos surpresos que a reaçãoesporte bet palpitesaniversário foi mais aparente no segundo ano do que no primeiro", confessa Holland.
"Isso pode sugerir alguns desafios particulares ao enlutado neste segundo ano, talvez porque aquele suporte inicial recebido nos primeiros meses após a morte se esvai aos poucos", especula o psicólogo.
É possível superar o luto?
Para O'Connor, o luto pode ser encarado como uma espécieesporte bet palpitesaprendizado.
Com o tempo, o choque entre as memórias concretas e os sistemas da teoria do apego se ameniza e o cérebro se reconfigura para lidar com a ausência.
E o tempo é uma palavra-chave aqui. Nosso sistema nervoso (ou ao menos a parte que lida com o apego) precisa entenderesporte bet palpitesfato que aquele ser amado se foi — e, claro, vai demorar um pouco para se acostumar com essa falta.
Esses períodos também são valiosos para entender a nossa própria personalidade dianteesporte bet palpitesum novo cenário e o que significa estar neste "novo mundo" após a morte.
Afinal, quando perdemos uma mãe, nosso papelesporte bet palpitesfilho se modifica ou ganha novas perspectivas. Um homem cuja mulher morreu passa a ser viúvo; e assim por diante.
Alémesporte bet palpitestempo, O'Connor entende que esse processo requer experiência. Aos poucos, a pessoa segue a vida, se engajaesporte bet palpitesnovas atividades e faz conexões valiosas com outros indivíduos — claro, sem deixaresporte bet palpiteslembrar as experiências e vínculos passados.
Holland entende luto e aceitação como "os dois ladosesporte bet palpitesuma mesma moeda".
"A partir desse pontoesporte bet palpitesvista, podemos entender o luto como uma reação emocional que surge a partir das dificuldadesesporte bet palpitesaceitar a perda, que tendem a amenizar com o tempo, conforme os enlutados processam e dão sentido ao que aconteceu", explica ele.
Mas existem algumas pessoas que não conseguem superar essa fase. Elas vivem no que é chamado na psiquiatriaesporte bet palpitesluto profundo ou transtorno do luto prolongado.
A médica Katherine Shear dirige um centroesporte bet palpitespesquisas sobre esse distúrbio na Universidade Columbia, nos EUA, e estima que o quadro afeta entre 3% e 20% das pessoas que perderam alguém importante.
"É um tanto paradoxal pensar que podemos reagir tão fortemente à ausência", reflete ela.
"Quando perdemos alguém importante, perdemos a sensaçãoesporte bet palpitessegurança,esporte bet palpitescuidar e ser cuidado", complementa a psiquiatra.
A especialista explica que, mais do que uma suposta demora para encontrar alívio, o transtorno do luto prolongado é definido pela intensidade dos sintomas e os impactos que eles trazem no bem-estar e na vida do paciente.
"E, nos nossos estudos, ainda não encontramos diferenças no transtorno entre pessoas que perderam alguémesporte bet palpitesforma súbita e violenta ou quando a morte vem após uma doença que se prolongou por um período maior. Quando a condição se instala, ela é praticamente a mesmaesporte bet palpitesambos os cenários", compara Shear.
A médica também desenvolveu um sistemaesporte bet palpitestratamento desses casos, que é divididoesporte bet palpitesuma sérieesporte bet palpitesetapas.
"Nós basicamente separamos o processoesporte bet palpitesmarcos da recuperação", começa ela.
"A primeira etapa envolve a aceitação do luto como parte natural da vida, sem julgamentos. Depois, tentamos abrir caminhos para mostrar que a vida ainda pode ter propósito, significado, alegria e satisfação, mesmo que aquela pessoa tão querida não esteja mais aqui", continua a médica.
Na sequência, a terapia desenhada por Shear incentiva o paciente a iniciar ou reconstruir relacionamentos que possam ser significativos — enquanto celebra e valoriza os significados e valores das histórias passadas.
Claro que esse tratamento não é linear — e pode ser que alguns indivíduos voltem algumas casas ou precisemesporte bet palpitesum suporte maioresporte bet palpitesdeterminada etapa.
Para Donaldson, que estuda os roedores monogâmicos, todo esse processo pelo qual passamos (ou vamos passar) tem como objetivo "transformar memórias dolorosasesporte bet palpiteslembranças agridoces".
Ou, como diz a própria canção Muerte,esporte bet palpitesNatalia Lafourcade, a morte não apenas nos ensina a viver: ela nos convida a sair e a decifrar a nossa própria sorte.