Os livros 'perigosos demais' para serem lidos:betmotion
Os livros transmitem o conhecimento. Eles agem como polinizadores da mente, espalhando ideias que se autorreproduzem no tempo e no espaço.
Nós esquecemos o milagre que é ver as letras exibidasbetmotionuma página ou na telabetmotionvidro, permitindo a comunicaçãobetmotionum cérebro para outro, no outro lado do mundo, ou a um séculobetmotiondistância no tempo.
Como diz o escritor americano Stephen King, os livros são "uma magia portátil única". E essa parte portátil é tão importante quanto a magia.
Um livro pode ser levado embora, escondido e serbetmotionprópria fonte particularbetmotionconhecimento. O diário pessoal do meu filho, por exemplo, tem um acessório que não funciona, mas é simbolicamente importante: um cadeado.
O poder das palavras dentro dos livros é tão grande que há muito tempo é costume omitir alguns termos, como palavrõesbetmotionromances do século 19; ou palavras poderosas demais para serem escritas, como o nomebetmotionDeusbetmotionalguns textos religiosos.
Liberdade da leitura
Os livros transmitem conhecimento e conhecimento é poder. Por isso, eles são uma ameaça para as autoridades - tanto para governos estabelecidos quanto para líderes autonomeados - que querem ter o monopólio do conhecimento e controlar o que seus cidadãos pensam. E a forma mais eficientebetmotionexercer esse poder sobre os livros é proibi-los.
A história da proibiçãobetmotionlivros é longa e ignóbil, mas não está morta. Ela segue sendo um expediente muito utilizado.
E o mêsbetmotionsetembro marcou o 40º aniversário da Semana dos Livros Proibidos, um evento anual que "celebra a liberdade da leitura".
A Semana dos Livros Proibidos foi lançada nos Estados Unidosbetmotion1982,betmotionresposta ao aumento dos questionamentos sobre determinados livros nas escolas, bibliotecas e livrarias.
É preciso admirar,betmotioncerta forma, a energia e a vigilância das pessoas que querem proibir livros hojebetmotiondia, uma prática que costumava ser muito mais simples no passado.
Séculos atrás, quando a maioria da população não sabia ler e os livros não eram facilmente disponíveis, era possível restringir o conhecimento na fonte.
A Igreja Católica, por exemplo, por muito tempo dissuadiu as pessoasbetmotionterem suas próprias cópias da Bíblia, aprovando apenas uma traduçãobetmotionlatim que poucas pessoas comuns conseguiam ler.
A justificativa era evitar que os leigos fizessem má interpretação da palavrabetmotionDeus, mas também os impediabetmotiondesafiar a autoridade dos líderes da igreja.
Mesmo quando as taxasbetmotionalfabetização aumentaram, como ocorreu quando o Reino Unido introduziu leis sobre a educação no final do século 19, os livros continuaram sendo caros, particularmente as obras literáriasbetmotionponta, cujas palavras e ideias eram mais duradouras (e, potencialmente, mais poderosas).
Foi somente nos anos 1930, com as editoras Albatross Books e Penguin Books, que o novo público que ansiava por livros acessíveisbetmotionqualidade teve seu apetite satisfeito.
E, simultaneamente, a proibiçãobetmotionlivros passou a assumir nova forma, com os censores tentando acompanhar desesperadamente a proliferaçãobetmotionnovos títulos que abriam os leitores para novas e perturbadoras ideias.
Mas a surpresa sobre a expansão da proibição dos livros no século 20 foi observar como é abrangente esse desejobetmotion"proteção".
A 'corrupção das mentes'
O governo da China, por exemplo, continua a emitir até hoje decretos contra livros nas escolas que "não estejam alinhados com os valores centrais socialistas [do país]; que tenham visõesbetmotionmundo, da vida e valores distorcidos".
Estas são palavras flexíveis que podem ser aplicadas a qualquer livro que as autoridades desaprovem, por qualquer razão - mesmo que "os alunos, na verdade, não olhem mesmo para eles", como observou um professorbetmotion2020 ao retirar das prateleiras da biblioteca da escola os clássicosbetmotionGeorge Orwell: A Revolução dos Bichos e 1984.
Na Rússia, a proibiçãobetmotionlivros sempre foi uma atividade notadamente pública, considerando a quantidadebetmotiongrandes escritores que o país exportou, querendo ou não, para o restante do mundo.
Na era soviética, por exemplo, o governo tentou exercer o máximobetmotioncontrole possível sobre os hábitosbetmotionleitura dos seus cidadãos, da mesma forma que sobre os demais aspectos das suas vidas.
Em 1958, o escritor russo Boris Pasternak recebeu o Prêmio NobelbetmotionLiteratura pelo seu romance Doutor Jivago, que havia sido publicado na Itália no ano anterior, mas não no seu país.
O prêmio despertou tanto a ira das autoridades soviéticas (a imprensa controlada pelo Estado chamava o livrobetmotion"obra maliciosa e artisticamente esquálida") que Pasternak foi obrigado a recusá-lo.
O governo repudiava o livro não só pelo que ele deixoubetmotionincluir - a obra não enaltece a Revolução Russa) -, mas também pelo que havia nele: enfoques religiosos e celebração do valor do indivíduo.
E, observando o "grande valorbetmotionpropaganda"betmotionDoutor Jivago, a CIA fez com que o livro fosse impresso na União Soviética.
A proibiçãobetmotionlivros na URSS levou ao desenvolvimento da literatura samizdat (autopublicada). A ela devemos, por exemplo, a preservação da obra do poeta russo Osip Mandelstam (1891-1931).
O escritor dissidente Vladimir Bukovsky foi quem resumiu a samizdat: "Eu mesmo escrevo, edito, censuro, publico, distribuo e cumpro a penabetmotionprisão".
Mas o Ocidente se engana ao acreditar que o mesmo não acontece por aqui. Quando livros são proibidos ou existem tentativasbetmotionproibição, o argumento é o mesmobetmotionqualquer outra parte do mundo: o objetivo é proteger o cidadão comum, que aparentemente é tacanho demais para julgar as obras por si próprio, contra a exposição a ideias degradantes.
No Reino Unido, a proibiçãobetmotionlivros muitas vezes tem sido uma ferramenta contra a percepçãobetmotionobscenidade sexual.
Ela é tipicamente uma tentativabetmotionusar a força bruta da lei para impedir mudanças sociais - uma tática que sempre falha, mas, mesmo assim, é irresistível para as autoridades que só pensam no curto prazo.
Muitos escritores virambetmotionreputação melhorar graças às leis britânicas sobre a obscenidade. James Joyce teve essa percepção ao afirmar, enquanto escrevia seu livro Ulysses que, "apesar da polícia, gostariabetmotionincluir tudo no meu romance".
Ulysses foi proibido no Reino Unido entre 1922 e 1936, embora o censor responsável pela proibição tivesse lido apenas 42 das 732 páginas da obra. "Tudo", conforme mencionado por Joyce, incluiu masturbação, palavrões, sexo e idas ao banheiro.
Já o poeta e romancista D. H. Lawrence foi um caso especial. Suas obras, que frequentemente continham atos sexuais que Lawrence observava com reverência espiritual, foram o alvobetmotionuma campanha da procuradoria pública britânica por anos.
Seu romance O Arco-Íris foi queimado,betmotioncorrespondência foi interceptada para apreenderbetmotioncoletâneabetmotionpoemas Pansies ("Amores-perfeitos",betmotiontradução livre) e houve uma batida policialbetmotionuma exposição dabetmotionarte.
E a vingança prosseguiu até mesmo depois da morte do escritor, quando a Penguin Books foi processada por publicar a obra O AmantebetmotionLady Chatterley,betmotion1960.
O julgamento é famoso: a editora convocou dezenasbetmotionescritores e acadêmicos para confirmar as qualidades literárias do romance - embora a escritorabetmotionlivros infantis Enid Blyton o tenha rechaçado.
E o juiz exemplificou a desconfiança do Estado sobre os leitores comuns ao aconselhar o júri a não confiar nos especialistasbetmotionliteratura: "É assim que as meninas que trabalham na fábrica irão ler este livro?"
Mas o júri decidiu a favor da Penguin por unanimidade, o que foi coroado por uma deliciosa ironia. Três anos atrás, seis décadas depois da tentativabetmotionproibir o livro, o governo britânico evitou que a cópiabetmotionO AmantebetmotionLady Chatterley usada pelo juiz fosse vendida para o exterior, para que "possa ser encontrado um comprador para manter no Reino Unido esta parte importante da história do nosso país".
Manter as ideias vivas
Já nos Estados Unidos, é uma espéciebetmotiontributo para o poder duradouro dos livros observar que proibi-los continua sendo algo tão comum num mundobetmotionque cada nova ondabetmotiontecnologia, da TV ao vídeo game e às redes sociais, atrai temores sobre seu conteúdo "inadequado".
As escolas são um nicho específicobetmotiontentativabetmotioncensura,betmotionparte porque dirigir a mente maleável das crianças parece ser uma forma eficientebetmotioneliminar possíveis riscos, mas também porque (ao contrário das livrarias) as diretorias das escolas são vistas com algum graubetmotioninfluência pela comunidade.
Em 1982, ano do lançamento da Semana dos Livros Proibidos, chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos um casobetmotiontentativabetmotioncensura na escola (no Distrito Escolar Island Trees, no EstadobetmotionNova York, EUA).
O conselho escolar argumentava que "é nossa obrigação moral proteger as crianças das nossas escolas contra este perigo moral, além certamente dos riscos médicos e físicos".
Os riscos a que eles se referiam eram livros "antiamericanos, anticristãos, antissemíticos e puramente indecentes". A acusaçãobetmotionantissemitismo referia-se ao romance O Faz-Tudo (Ed. Record, 2006), do romancista judeu Bernard Malamud (1914-1986).
Mas o tribunal concluiu, com base na Primeira Emenda à Constituição americana, que os "conselhos escolares locais não podem retirar livros das bibliotecas escolares simplesmente porque eles não gostam das ideias contidas nesses livros". Mas isso não impediu as tentativasbetmotionproibição.
Um dos principais temas que causam proibiçõesbetmotionlivros nas escolas e bibliotecas americanas é o sexo. "Os Estados Unidos parecem ter muita preocupação com sexo", segundo o escritor James LaRue, quando era diretor do EscritóriobetmotionLiberdade Intelectual da Associação AmericanabetmotionBibliotecas,betmotion2017.
Tradicionalmente, sexo significava obscenidade. Isso levou o juiz americano Potter Stewart a lançarbetmotionfamosa definição do que é "pornografia explícita"betmotionum processo judicialbetmotion1964: "Eu sei quando a vejo".
Mas, hojebetmotiondia, "sexo"betmotionproibiçõesbetmotionlivros significa mais frequentemente sexualidade e identidadebetmotiongênero. Os três livros mais contestadosbetmotion2021 nos Estados Unidos foram questionados devido ao seu conteúdo LGBTQIA+.
Isso traz à discussão a ideiabetmotionque certos livros são proibidos para proteger os jovens, não como tentativabetmotionpurga ideológica. E demonstra a faltabetmotionimaginação dos censores, que defendem que a exibição (por exemplo,betmotionpessoas transgêneros) é que causa o fenômeno e não o contrário.
Esta concepção está ligada à crençabetmotionque as coisasbetmotionque não gostamos podem ser ignoradas com segurança - basta não as vermos impressas. Um livro que é presença constante entre os 10 mais citados na listabetmotionlivros proibidos nos Estados Unidos é o clássico moderno O Olho Mais Azul (Ed. Companhia das Letras, 2019), da escritora americana Toni Morrison (1931-2019), devido àbetmotiondescriçãobetmotionabuso sexual infantil.
Mas a censura literária nos Estados Unidos tem uma longa história. Sua primeira vítima famosa foi o romance antiescravagista A Cabana do Pai Tomás,betmotionHarriet Beecher Stowe, publicadobetmotion1852.
Em 1857, um homem negrobetmotionOhio (EUA), Sam Green, foi "julgado, condenado e sentenciado a 10 anosbetmotionprisão na penitenciária" por "estarbetmotionpossebetmotionA Cabana do Pai Tomás". O fatobetmotionque a obra atualmente é criticada com mais frequência pelo lado progressista do espectro político, por retratar os personagens negrosbetmotionforma estereotipada, é uma reviravolta da história.
Quanto mais importante for um livro, maior a probabilidadebetmotionque ele atraia a atenção dos censores. Um livro que vem sendo questionado regularmente nos Estados Unidos é O Apanhador no CampobetmotionCenteio (Ed. Todavia, 2019), do escritor americano J. D. Salinger (1919-2010).
Um professor foi demitidobetmotion1960 por ensinar sobre a obra, que depois foi retirada das escolas nos EstadosbetmotionWyoming, Dakota do Norte e Califórnia, nos anos 1980.
O argumento para a proibição do romancebetmotionSalinger é tipicamente por profanidade e linguagem obscena, emborabetmotionfrasebetmotionabertura, com tudo aquilo "meio David Copperfield", possa parecer antiquada hojebetmotiondia.
A proibiçãobetmotionlivros é uma atividade ampla, que reúne livros que normalmente não andam juntos. Ela engloba um poucobetmotiontudo, desde ficção popular (como Peter Benchley, Sidney Sheldon e Jodi Picoult) até clássicos consagrados (Kurt Vonnegut, Harper Lee e Kate Chopin).
Ela tem mais alvos que um torneiobetmotionarco e flecha, que vão desde acusaçõesbetmotionveneração do ocultismo (a série Harry Potter) até o ateísmo (O Estranho Caso do Cachorro Morto,betmotionMark Haddon - Ed. Record, 2004).
Mas, evidentemente, há esperança. A publicidade trazida pela Semana dos Livros Proibidos, por exemplo, leva esses livros e a questão da censura para os holofotes.
E existe o chamado "Efeito Streisand" - tentar proibir livros faz com que mais pessoas tomem conhecimento dabetmotionexistência. Nos Estados Unidos, algumas livrarias Barnes and Noble mantêm mesasbetmotionlivros proibidos e seu website tem uma categoria separada para eles.
No Reino Unido, uma feirabetmotionlivros raros na Galeria Saatchi,betmotionLondres, exibiu e colocou à venda edições rarasbetmotionlivros proibidos, desde um raríssimo exemplar autografadobetmotionO Apanhador no CampobetmotionCenteio (ao preçobetmotion225 mil libras, ou cercabetmotionR$ 1,34 milhão) até o clássico Das Revoluções das Esferas Celestes,betmotionNicolau Copérnico, que escandalizou a Igreja Católicabetmotion1543, ao sugerir que a Terra não era o centro do sistema solar (cotadobetmotion2 milhõesbetmotionlibras, ou cercabetmotionR$ 11,9 milhões).
Mas a eterna vigilância, não só da Associação AmericanabetmotionBibliotecas, masbetmotiontodos os leitores,betmotiontodas as partes do mundo, é o preçobetmotionmanter nossas ideias vivas. Como nos conta a história dos Livros Sibilinos, livros podem ser queimados, seu conhecimento pode ser perdido e nada dura para sempre.
- Este texto foi publicadobetmotionhttp://vesser.net/vert-cul-63556693
betmotion Leia a versão original desta reportagem betmotion (em inglês) no site BBC Culture betmotion .