Pureza, a mãe que enfrentou fazendeiros e jagunços para salvar o filho do trabalho análogo à escravidão:download betano app

Peregrinaçãodownload betano appbusca do filho

Pureza nasceudownload betano appPresidente Juscelino, município a 85 kmdownload betano appSão Luís, e chegou com três filhos a Bacabal, onde o marido tinha parentes. Com o fim do casamento, a sobrevivência passou a depender da olaria na qual trabalhava ombro a ombro com a prole.

Evangélica, Pureza alfabetizou-se aos 40 anos com o objetivodownload betano appler a Bíblia. Quando o filho Abel paroudownload betano appdar notícias, cercadownload betano appum mês depoisdownload betano appter partido para o Estado vizinho para buscar fortuna como garimpeiro, a fé ajudou-a na peregrinaçãodownload betano appbusca do caçula.

A oleira percebeu que havia algo errado quando telefonou para parentes que Abel pretendia procurar no Pará. Surpresos, os familiares disseram-lhe que sequer sabiam da viagem do jovem e que não haviam sido contatados por ele.

"Medo eu não tinha. Nunca tive. Mas tinha a certezadownload betano appque ia ir atrás dele, porque eu tenho um Deus. Eu chamava ele e dizia 'não deixa eu morrer, deixa eu ir ao fim. Eu quero ir ao fim dessa briga'", diz Pureza à BBC News Brasil, por telefone,download betano appBacabal, onde vive com uma neta.

Em busca do filho, Pureza começou a trabalhar como cozinheiradownload betano appfazendas do sul do Pará, para onde acreditava que o filho tinha ido.

O serviço dos empregados nas propriedades da região consistiadownload betano appderrubar grandes extensõesdownload betano appmata nativa a fimdownload betano appconverter a áreadownload betano apppastagem para o gado. Os empregados, emdownload betano appmaioria migrantesdownload betano appoutros Estados das regiões Norte e Nordeste, eram recrutadosdownload betano appgrandes municípios como Marabá (PA) por aliciadores —conhecidos como "gatos" — a serviço dos fazendeiros.

O transporte até o local do serviço, situado a centenasdownload betano appquilômetros dos centros urbanos, era feito por caminhões. Ao chegar ao destino, os trabalhadores encontravam uma realidade muito diferente da apregoada pelos contratantes. Privadosdownload betano appdocumentos edownload betano appcontato com o mundo exterior, obrigados a se endividar com os empregadores para custear comida, vestuário e até ferramentasdownload betano apptrabalho, eram reduzidosdownload betano apppouco tempo à condiçãodownload betano appcativos.

De fazendadownload betano appfazenda, Pureza conheceudownload betano appperto o drama dos peões. As habilidadesdownload betano appcozinheira e a condiçãodownload betano appmulher madura fizeram com que se tornasse amiga e confidentedownload betano appmuitos trabalhadores. Ouviu sobre o sistema pelo qual os empregadores confiscavam documentosdownload betano appidentificação dos empregados e tornavam-nos totalmente dependentes dos encarregados para comer, se vestir, se abrigar e obter remédios. Embora não tenha presenciado assassinatos, ouviudownload betano appmuitos que o destino à esperadownload betano appquem tentava se rebelar ou fugir eram covas sem identificação na floresta.

Pureza havia esbarrado numa das pontas do iceberg do trabalhodownload betano appcondições análogas àsdownload betano appescravidão no Brasil.

Escravidão moderna

O fenômeno, que se expandiu velozmente a partir dos anos 1980, começou a atrair a atençãodownload betano apporganismos multilaterais e entidadesdownload betano appdireitos humanos na década seguinte. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), foram identificados 3.144 casosdownload betano apptrabalho forçadodownload betano app32 propriedades do sul do Pará entre 1980 e 1991. Na região, a fiscalização das relaçõesdownload betano apptrabalho era quase inexistente.

O padre missionário diocesano Flavio Lazzarin, 72 anos, italianodownload betano appMântua que vive desde 1987 no Brasil e assessora a Comissão Pastoral da Terra (CPT)download betano appSão Luís, lembra-se do diadownload betano appque Pureza, depoisdownload betano appconhecerdownload betano appperto a realidade do trabalho análogo à escravidão e convictadownload betano appque o filho era mantido naquela condição, chegou à sede da entidade.

"Na época,download betano app1994, não se marcavam reuniões com agenda. Ela entrou e contou essa históriadownload betano appuma mãe desesperadadownload betano appbusca do filho. Ficamos interpelados pela coragem amorosa dessa mulher", recorda-se Lazzarin, por telefone,download betano appSão Luís. Ele serviudownload betano appinspiração ao personagem ficcional Padre Flavio,download betano appMarabá, que, no filme, ajuda Pureza.

"O filme respeita a trajetória dela. A dramatização não é uma traição do sentimento profundo dessa mulher que não foi só mãe do Abel mas tambémdownload betano appmuita gente. A partir desse amor pelo filho, ela se envolveudownload betano appalgo maior do que a família e do que a vizinhança. Uma causa", diz Lazzarin.

Na tentativadownload betano appresgatar o filho, Pureza moveu céu e terra. Apoiada pela CPT, fez contatos com o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho no Maranhão, no Pará edownload betano appBrasília. Escreveu cartasdownload betano apppróprio punho para três presidentes da República: Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (o único a responder foi Itamar).

Estevedownload betano appBrasília, que qualificadownload betano app"cemitério" e "carniça". "Ali ninguém tem coração, ali só briga por dinheiro", afirma, acrescentando que, durante cercadownload betano appum ano, só recebeu ajudadownload betano apptrês pessoas, entre elas uma procuradora da República e um radialista.

Apesar das dificuldades, nunca pensoudownload betano appdesistir. "Não tem nada perdido para Jesus. Quando Jesus entra na guerra, não tem nada perdido, é só ganhar". Ao final da peregrinação, com apoiodownload betano appautoridades, Pureza conseguiu localizar e resgatar o filho caçula. Hoje, Abel vivedownload betano appBacabal com a família.

Da vida pro cinema

A jornadadownload betano appPureza deu impulso decisivo à criação, no final dos anos 1990, do Grupo Especial Móveldownload betano appFiscalização, que uniu Executivo, Ministério Público do Trabalho e Judiciário para viabilizar o cumprimento da lei e a observânciadownload betano appdireitos trabalhistas na Região Norte.

O caso da oleira passou a ser citado por entidadesdownload betano appdireitos humanos e servidores das três esferas quando o tema do trabalho escravo era abordado. Em reconhecimento ao papeldownload betano appPureza, ex-integrantes do Grupo Especial Móveldownload betano appFiscalização, como o juiz do Trabalho Jônatas Andrade, aceitaram o convitedownload betano appBarbieri para participar das filmagens do filme Pureza representando seus próprios papéis.

Ainda assim, coibir o trabalho forçado é uma obrigação que o Estado brasileiro ainda está longedownload betano apprealizar. Segundo o Radar do Trabalho Escravo, mantido pela Secretariadownload betano appInspeção do Trabalho do Ministério da Economia, foram encontrados 55.004 trabalhadoresdownload betano appcondições análogas àsdownload betano appescravo desde 1995 no país.

O filme Pureza, livremente baseado na vida da maranhense, estreou no 52º Festivaldownload betano appBrasília do Cinema Brasileiro,download betano appnovembrodownload betano app2019. Recebeu três prêmiosdownload betano appmelhor filme pelo júri popular, incluindo o dos 22es Rencontres du Cinéma Sud-Américaindownload betano appMarselha, França. A atriz Dira Paes, que interpreta Pureza, foi agraciada com quatro prêmiosdownload betano appmelhor atriz pelo trabalho.

O diretordownload betano appPureza, 63 anos, conheceu a história da oleira maranhense por intermédio do fotógrafo Hugo Santarém. Foram 11 anos entre a ideia inicial e a estreia do filme, durante os quais Barbieri edownload betano appequipe visitaram Bacabal e conheceram a heroínadownload betano appseu roteiro.

O filme foi rodadodownload betano applocações reais, como Bacabal e Marabá. Trabalhadores que viveram a experiência do cativeiro e integrantesdownload betano appum grupo que hoje fiscaliza o trabalho escravo interpretaram a si mesmos. "A presença desses indivíduos deu um banhodownload betano apprealidade edownload betano appafeto no elenco profissional. Muitos no elenco dizem que, se não tivesse os trabalhadores reais, o filme seria outro", diz o diretor.

Quando Barbieri viu a exibição da própria obra na mostra do 22º Festival do Rio, Pureza estava ao seu lado. Aos 76 anos, ela visitava o Rio pela primeira vez.

Barbieri diz que estava inseguro. "Quando faço filme sobre uma comunidade ou uma pessoa, quando ela assistir temdownload betano appse reconhecer naquela obra. Se ela não se perceber no filme, eu terei errado", afirma o diretor.

Ao longo da exibição, por cercadownload betano appcinco vezes, Pureza tocou no braçodownload betano appBarbieri e disse: "É assim mesmo que acontece". O diretor diz que teve a sensaçãodownload betano appque o pesodownload betano appum caminhão tinha sido retiradodownload betano appseus ombros. Ao final da sessão, o público aplaudiu. Barbieri, Pureza e Dira ergueram-se das poltronas. Com a sala iluminada, a oleiradownload betano appBacabal fitou o diretor e repetiu: "É assim mesmo que acontece".

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