Como a escravidão atrasou o processoindustrialização do Brasil:
O tráficoafricanos começou no Nordeste do país na década1560, com os cativos sendo empregados inicialmentegrandes plantaçõescana-de-açúcar nos entornosRecife e Salvador. Na década1590, a chegadaescravizados aos portos da Bahia ePernambuco eraalgumas centenas ao ano. Antes da proibição do tráfico pela Lei EusébioQueirós,1850, esse número chegou a mais8 mil por ano.
O Sudeste se tornou um destino relevante para escravizados no século 18, durante a corrida do ouroMinas Gerais. A maioria dos africanos chegou à região através do RioJaneiro, que se tornou o maior portoescravizados do mundo. Os desembarquescativos ali chegaram a 25 mil por ano entre 1801 e 1850, com os escravizados sendo direcionados também à produçãocafé nos estados do RioJaneiro e São Paulo.
Números do início do século 19 sugerem que a populaçãoescravizados no Brasil chegou a cerca1 milhãopessoas, num país com uma população3,5 milhões.
O país também foi o último do Ocidente a abolir a escravidão,1888, depoistodos os vizinhos sul-americanos e caribenhos e dos Estados Unidos (1863).
Um debate que vemdécadas
"Nosso objetivo é contribuir para um debate amplo que é qual é o papel da escravidão no desenvolvimento econômicolongo prazo", diz Thales Pereira, professor da EESP-FGV (EscolaEconomiaSão Paulo da Fundação Getulio Vargas).
Pereira é um dos coautores do estudo, junto a Nuno Palma, Andrea Papadia e Leonardo Weller. Palma é professor na UniversidadeManchester, no Reino Unido; Papadia é pesquisador na UniversidadeBonn, na Alemanha; e Weller é professor da EESP-FGV. O artigo foi apresentado como texto para discussão pela UniversidadeWarwick, no Reino Unido, e os autores esperampublicaçãoperiódico acadêmico ainda este ano.
Segundo Pereira, esse debate começa na década1940, com o historiador Eric Williams, que discute o papel da escravidão no Caribe para a revolução industrial inglesa.
Nos últimos dez anos, ganhou força uma nova literatura sobre o tema, parte da chamada "Nova História do Capitalismo", produzida por um grupohistoriadores americanos, que busca analisar o papel da escravidão para o desenvolvimento dos Estados Unidos.
Para esses autores, como Edward Baptist e Sven Beckert, a industrialização dos EUA estaria ligada ao acesso a algodão barato, fruto da exploração violenta dos escravizados. "É uma visãocrescimento econômicoque o desenvolvimento vem da exploração", avalia Pereira.
Segundo ele, apesar da interpretação desses autores ser considerada por muitos pesquisadores como extremamente falha e baseadapremissas equivocadas, essa visão ganhou espaço no senso comum, daí a importânciatestar essas hipóteses a partirdados concretos da realidade.
No Brasil, produçãoalgodão com e sem escravizados
O Brasil ofereceu aos pesquisadores uma ótima oportunidade para esses testes. Isso porque, por aqui, houve um aumento repentino da produçãoalgodão a partir da década1860,resposta à paralisação das lavouras americanasmeio à Guerra Civil daquele país.
Além disso, no Brasil, houve uma situação peculiar: duas províncias vizinhas, Maranhão e Ceará, passaram por esse forte crescimento na produçãoalgodão, mas uma delas tinha praticamente só trabalho escravo e a outra, somente trabalho livre.
Assim, pela hipótese da "Nova História do Capitalismo", a produção do Maranhão deveria ter crescido mais do que aquela do Ceará. Mas não é isso que os pesquisadores encontram, ao analisar dados dos ministérios da Fazenda e da Agricultura do século 19.
"Na verdade, marginalmente, a produtividade do Ceará aumentou mais do que a do Maranhão", diz Pereira, acrescentando que isso descarta a hipóteseEdward Baptistque seria a violência contra os escravos a causa do aumentoprodutividade nas lavourasalgodão.
Por aqui, afirmam os pesquisadores, com baseregistros históricos, o fator determinante nesse ganhoprodutividade foi o usonovas sementes, importadas dos Estados Unidos, e a adoçãotecnologias inovadoras.
Escravidão e industrialização
Outra hipótese que pôde ser testada na realidade brasileira é a que relaciona a escravidão e o avanço da industrialização.
Para isso, os pesquisadores usaram dados do Censo nacionalantesdepois da Abolição, mais precisamente,1872 e 1920. E compararam dados municipais dos EstadosSão Paulo e do RioJaneiro (excluída a capital fluminense, cuja realidade era muito peculiar, pelo fatoa cidade ter sido a capital do país entre 1763 e 1960).
"Testamos se áreas que tinham maior presençaescravos, no Censo1872, que foi o primeiro Censo nacional brasileiro, tinham mais indústrias no início do século 20", explica Pereira. "Levamosconta um montecontroles para analisar isso."
Entre os controles utilizados estão a parcelatrabalhadores ocupados na agricultura, a presençaimigrantes, o graualfabetização, se os municípios eram produtores antigos ou tardioscafé, se havia presença ou nãoestaçãotrem, a distânciarelação ao porto mais próximo e a desigualdade na posseterras.
"O que encontramos é que há uma forte correlação entre industrialização e capital humano. Tanto regiões onde os brasileiros são mais alfabetizados, quanto regiões que têm imigrantes — que à época tinham mais acesso à alfabetização —, têm mais industrialização", diz Pereira.
"Mas o que encontramosinteressante é que esse efeito só aparece após a abolição da escravidão. Ou seja, regiões com mais alfabetização e mais imigrantes1872 não têm mais indústria. Mas, onde esses fatores estão presentes1872, aparece a indústria1920."
"Isso é o que a literatura, à exceção da 'Nova História do Capitalismo', já discutia há muito tempo: que o potencial produtivo do país era limitado pela escravidão. Então, com o fim dela, houve um melhor uso dos recursos humanos na sociedade."
'Escravidão foi um desastre e atrasou o país'
Segundo o pesquisador, a presençaescravizados afastava os imigrantes e o trabalho livremaneira geral. Além disso,regiões onde havia muitos escravos, não havia incentivo municipal para a aberturaescolas para alfabetizar a população.
O professor da FGV diz que há evidênciasque houve escravizados trabalhando na manufatura e na indústria têxtil, por exemplo. Mas que havia limites para a expansão dessa industrialização, pela faltaum mercado consumidor, já que esses trabalhadores não recebiam salários. Além disso, não havia estímulo para empregar escravizados na manufatura, porque o retorno deles na agricultura era maior.
"Resultados como os nossos, apesarnão serem conclusivos, ajudam a dissipar essa ideia, que vai e volta na literatura,que crescimento econômico ocorre simplesmente por exploração", diz Pereira.
"Tentamos retomar a literatura que diz que isso não é verdade. A escravidão foi um desastre, um horror. Ela gerou riqueza para alguns, mas não gerou crescimento econômico para a sociedade."
"Ela não teve um efeito positivo 'oculto' como sugere a 'Nova História do Capitalismo'. Ela era indefensável. Mas por que a escravidão durou tanto? Porque ela era lucrativa para as pessoas que eram donasescravos. Mas isso atrasou o país."
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