'Não dá para culpar militares se intervenção no Rio der errado', diz ministra do Superior Tribunal Militar:bonus sem depósito

Militares no Riobonus sem depósitoJaneiro

Crédito, EPA

Legenda da foto, A intervenção federal nos Estados está prevista na Constituiçãobonus sem depósito1988, mas nunca tinha sido aplicada até agora

"A Justiça Militar é uma Justiça civil também. E é uma Justiça muito dura, muito rigorosa", afirma.

A magistrada é uma das cinco civis entre os 15 ministros da corte penal, que julga cercabonus sem depósito1,2 mil processos por ano.

Confira os principais trechos da entrevista:

bonus sem depósito BBC Brasil - Você foi a primeira mulherbonus sem depósito205 anos a tornar-se juíza do Superior Tribunal Militar e também a primeira a presidi-lo. Qual o impacto que você acha que teve no STM?

bonus sem depósito Maria Elizabeth Rocha - Acho que minha principal contribuição foi levar o olhar da diferença e da alteridade para um plenário que é predominantemente masculino - como o ambiente da caserna também é.

A importância que tenho é levar minhas decisões jurídicas, que são técnicas, com meu olharbonus sem depósitomulher, que eu faço questão que prevaleça. Afinal, fui escolhida para fazer a diferença numa sociedade que ainda é sexista.

Também pesa o fatobonus sem depósitoeu ser uma civil. Não que seja melhor ou pior, mas é um olhar diferente. Temos um tribunal com magistrados civis e militares. O que eu acho proveitoso nessa composição é que os militares trazem para nós a experiência que têm da caserna e nós trazemos o nosso saber jurídico.

Maria Elizabeth Rocha
Legenda da foto, Maria Elizabeth Rocha é a primeira e única mulher a ser nomeada e a presidir Superior Tribunal Militarbonus sem depósitomaisbonus sem depósito200 anos | Foto: STM

bonus sem depósito BBC Brasil - Qual é a principal dificuldade que você enfrenta como juíza civilbonus sem depósitoum tribunal militar?

bonus sem depósito Rocha - Nosso código ébonus sem depósito1969, e a Constituição ébonus sem depósito1988. Eu acho que há vários dispositivos do código militar que foram revogados pela Constituiçãobonus sem depósito88 e ainda continuambonus sem depósitovigor, porque não existe uma reforma legislativa eficiente para se expurgar dessa legislação uma sériebonus sem depósitoprincípios ebonus sem depósitonormas anacrônicas. E não se tem muita vontade, no Congresso,bonus sem depósitodiscutir o Direito Militar.

O Direito Militar, por exemplo, também não concede a progressãobonus sem depósitoregime - o condenado tem que cumprir a pena integralbonus sem depósitoregime fechado, não interessa o tipobonus sem depósitocrime. Mas se até para os crimes hediondos o Supremo entendeu que deve existir a progressãobonus sem depósitoregime, porque no Direito Militar não teria?

A questão dos direitos sexuais também está muito defasada. O estupro, que hoje adquiriu uma definição muito mais ampla que apenas a conjunção carnal entre homem e mulher, ainda é tipificado no nosso código dessa forma antiga. Até o ano passado, a Lei Maria da Penha era inaplicável à Justiça Militar, porque ela mescla questões cíveis - como as medidas protetivas - com questões penais.

Hoje já podemos julgar agressões domésticas quando praticadas por militar contra militar, mas não podemos aplicar as medidas protetivas, que sãobonus sem depósitonatureza cível, já que somos apenas um tribunal penal. Então,bonus sem depósitocasos como esses, a mulher militar fica desprotegida.

bonus sem depósito BBC Brasil - As Forças Armadas são consideradas um meio ainda conservador e machista. No entanto, você encampou a defesa dos direitos das mulheres e dos homossexuais desde que ingressou no STM. Acredita ter conseguido avançar no tema?

bonus sem depósito Rocha - Acho que os avanços são significativos. Hoje a antiga política norte-americana do "Don't ask, don't tell" ("Não pergunte, não conte",bonus sem depósitotradução livre) que predominava nas Forças Armadas brasileiras acabou. A pessoa tem direito a assumir abonus sem depósitoidentidade e a não ser perseguida por causa disso.

Eu acho que quando eu iniciei essas discussões, há 11 anos, ainda existia uma resistência muito grande. Era uma resistência silenciosa, que é o pior tipo, porque você não tem como debater.

Mas eu me lembro que julguei o casobonus sem depósitoum oficial que era homossexual assumido e teve um problema sério. Antigamente, eles eram excluídos da Força, perdiam o posto e a patente por "indignidade". Eu fiz um longo voto, e não consegui mantê-lo na ativa, Mas ele não foi excluído, foi colocado na reserva compulsória remunerada.

Eu me lembro que fui acompanhada no meu voto vencido por um almirante. Um só. Mas considerei aquilo uma vitória. Os direitos civis são conquistados com muita luta. Ninguém te dá o direitobonus sem depósitopresente, você tem que lutar por ele.

bonus sem depósito BBC Brasil - O que exatamente a Justiça Militar pode julgar?

bonus sem depósito Rocha - O artigo 9º do Código Penal Militar especifica todas as situaçõesbonus sem depósitoque o crime ébonus sem depósitonatureza militar. Falandobonus sem depósitotermos gerais, os crimes militares são aqueles que ofendem a administração militar e as Forças Armadas mesmo se aplicadas por civis. Por isso, nossa competência abarca não só militares contra militares ou militares contra civis, mas até civis contra civis.

Militares no Riobonus sem depósitoJaneiro

Crédito, EPA

Legenda da foto, 'As Forças Armadas vão tentar cumprir a missão o melhor possível, mas também são formadas por homens, que cometem erros', diz juíza da corte militar

bonus sem depósito BBC Brasil - Como vê a intervenção militar no Riobonus sem depósitoJaneiro?

bonus sem depósito Rocha - Eu não vou discutir se a decisão política do Poder Executivo foi acertada ou não. Ela foi feita dentro dos parâmetros constitucionais - porque a nossa Constituição prevê e autoriza a intervenção federal e, como cidadã, espero que ela dê resultado.

Mas, para isso, precisa haver um planobonus sem depósitointervenção que não seja simplesmente colocar as Forças Armadas nas ruas para combater a criminalidade. É preciso que haja comunicação entre as polícias e as Forças Armadas para conseguir salvar o Riobonus sem depósitoJaneiro.

bonus sem depósito BBC Brasil - Alguns especialistas criticaram a faltabonus sem depósitoestratégias prévias à decisão da intervenção militar. O próprio general Braga Netto, nomeado como interventor, disse, ao assumir o posto, que agora começará o planejamento. A decisão foi apressada, embonus sem depósitoopinião?

bonus sem depósito Rocha - Eu acho que a situação no Riobonus sem depósitoJaneiro é tão calamitosa que esse planobonus sem depósitointervenção já deveria estar sendo gestado há algum tempo no governo federal, se é que a intervenção é a melhor resposta. Ébonus sem depósitose estranhar que ainda não haja plano.

Como todo cidadão brasileiro, eu estou aguardando pra ver. Vai ter que haver investimento, capacitação, porque a segurança pública acabou no Rio. Só acho que depois não dá para culpar os militares se não der certo. Os militares estão subordinados ao poder civil.

bonus sem depósito BBC Brasil - Mas o interventor nomeado para o Rio é um militar. Não vai ser difícil para as pessoas não culparem os militares se algo der errado?

bonus sem depósito Rocha - Pois é. Mas o militar cumpre ordens. Esse planobonus sem depósitointervenção tem que virbonus sem depósitocima para baixo. Eles estão lá para cumprir a missão, mas é preciso dizer especificamente qual é a missão. Porque a missão não é sair com um fuzil no meio da rua e barbarizar o cidadão, não é sair com o fuzil e subir o morro.

Eu sempre fui contra as GLO (operaçõesbonus sem depósitoGarantia da Lei e da Ordem, que permitem a atuação das Forças Armadas na segurança pública, excepcionalmente,bonus sem depósitomomentosbonus sem depósitograve perturbação da ordem).

Sempre achei que o papel das Forças Armadas não é obonus sem depósitocapitão do mato,bonus sem depósitofazer segurança pública. As Forças Armadas têm uma missão completamente diferente, estão lidando com a soberania do Estado. Defendem fronteiras, trabalhambonus sem depósitomissões humanitárias, na defesa da nossa biodiversidade.

O Brasil está caminhando como o México, que colocou todos os seus militares para fazer papelbonus sem depósitopolícia. Isso me preocupa. Primeiro porque estou vendo que os militares estão sendo usados politicamente, o que é um problema. E depois porque os militares foram treinados para lidar com a guerra. Isso é diferente do papel da polícia, que tem uma interface comunitária,bonus sem depósitotentar apaziguar conflitos.

Senado discute intervenção no Rio

Crédito, Reuters

Legenda da foto, No fim da noitebonus sem depósitoterça-feira, Congresso aprovou intervenção federal no Rio comandada por general Braga Netto

bonus sem depósito BBC Brasil - Críticos também dizem quem uma intervenção federalbonus sem depósitonatureza militar prejudicando a execuçãobonus sem depósitooutras atividadesbonus sem depósitoresponsabilidade das Forças Armadas. Isso pode realmente acontecer?

bonus sem depósito Rocha - Com certeza. Os contingentes militares hoje não são muito grandes, sobretudo se considerarmos a dimensão do Brasil, as Forças Armadas não estão aparelhadas como deveriam, porque os cortes orçamentários são imensos, e ainda vão perder grande parte dos seus homens, que vão para uma missão que não é exatamente aquela para a qual eles foram preparados.

O policiamentobonus sem depósitofronteiras pode ser prejudicado, mas é por isso que precisamos ver o planobonus sem depósitoação - para saber quais batalhões serão deslocados, quais militares vão participar da operação,bonus sem depósitoonde vai sair o dinheiro, etc.

O gesto simbólicobonus sem depósitotransferir a responsabilidade da segurança públicabonus sem depósitoum Estado inteiro para as Forças Armadas já é, por si só, o pior dos cenários. A intervenção tem que dar certo ou tem que dar certo. Não há outra alternativa.

E se der errado ou se começarem a acontecer mortes, os militares vão ser questionados e atacados.

bonus sem depósito BBC Brasil - Um dos argumentos contra a nomeaçãobonus sem depósitoum general como interventor é obonus sem depósitoque ele só poderia ser julgado pela Justiça Militar, tida por muitos como corporativista. Você acha que isso pode ser um problema?

bonus sem depósito Rocha - Pelo contrário, a Justiça Militar não tem nadabonus sem depósitocorporativista. Eu falo isso com tranquilidade porque, alémbonus sem depósitoser uma civil, sou um dos magistrados que mais absolve aqui nesse tribunal. É uma Justiça muito dura, muito rigorosa.

Eu acho os índicesbonus sem depósitocondenação da Justiça militar, sinceramente, muito altos. Acho que poderíamos usar maisbonus sem depósitopolítica criminal, absolver mais. Mas a quebra da hierarquia e da disciplina para os militares é algo impensável.

Até compreendo que eles pensem assim. Homens armados, dotados do monopólio da força legítima que o Estado investiu, se insubordinarem é o caos e a repetição do que não queremos mais que aconteça.

Muita gente se surpreende com o rigor das punições, até para falhas menores como um cigarrinhobonus sem depósitomaconha, que na Justiça comum seriam desconsideradas. Aqui a pessoa deixabonus sem depósitoser réu primário, fica comprometida durante cinco anos, que é o tempo que ela precisa para frequentar a reabilitação e ter a ficha novamente limpa.

Veja a ironia. O Massacre do Carandiru foi julgado por um tribunal civil, mas somente 22 anos depois, quando vários crimes prescreveram. E o Tribunalbonus sem depósitoJustiçabonus sem depósitoSão Paulo absolveu os comandantes. O mesmo aconteceu no Massacrebonus sem depósitoEldorado dos Carajás -bonus sem depósitoque 55 militares foram denunciados e dois foram condenados.

A Justiça civil absolve, não o tribunal militar.

bonus sem depósito BBC Brasil - Mas numa operação sem precedentes como a do Rio, a Justiça Militar seria mais eficiente do que a comum para julgar possíveis crimesbonus sem depósitosoldados?

bonus sem depósito Rocha - Eu acho que a nossa Justiça teria muito mais competência e expertise para julgar esse tipobonus sem depósitocrime. Primeiro porque ela é célere. Nós não temos a quantidadebonus sem depósitoprocessos que a Justiça Federal tem. O assoberbamento lá é tão grande que muitas vezes os crimes prescrevem. Nós conseguimos, bem ou mal, condenar ou absolver.

Além disso, a experiência dos militares vai ser fundamental nesse momento para dizer, por exemplo, se um exercício militar ou uma operação foi correta ou não foi. Às vezes há questões que eu mesma preciso que militares me expliquem para que eu possa julgar alguns casos.

Militaresbonus sem depósitoJaperi, Riobonus sem depósitoJaneiro

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Comandante do Exército disse que militares precisavambonus sem depósito'garantia para agir sem riscobonus sem depósitonova Comissão da Verdade' após intervenção no Rio

bonus sem depósito BBC Brasil - Mas teremos forças militares lidando diretamente com a população, fazendo algo que não ébonus sem depósitosua atribuição. Que garantia as pessoas podem terbonus sem depósitoque a bonus sem depósito corte bonus sem depósito militar será imparcial?

bonus sem depósito Rocha - Acho que nesse ponto a sociedade não precisa ficar preocupada, porque a Justiça Militar é independente. Ela não tem vinculação nenhuma com os comandos e nem com o Poder Executivo. É uma Justiça especializada, como a eleitoral.

Os militares que estão aqui como julgadores não são subordinados aos comandantes das Forças. Quando eles vêm para o STM, eles saem da Força. Só permanecem como militares na ativa porque, quando um militar vai para a reserva, ele passa a ser automaticamente mais novo do que um que está na ativa. E para um militar poder julgar outro, precisa ser mais antigo do que ele.

E se houver abusos eu não acredito que os militares não queiram punir. Muito pelo contrário. Porque às vezes por causabonus sem depósitoum mau elemento da corporação pode-se comprometer toda a farda. Acho que os militares seriam os primeiros e os mais interessadosbonus sem depósitoum julgamento justo e imparcial caso haja abusos na intervenção.

bonus sem depósito BBC Brasil - Na segunda-feira, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse ser necessário dar aos militares "garantia para agir sem o riscobonus sem depósitosurgir uma nova Comissão da Verdade" no futuro. Como vê essa afirmação?

bonus sem depósito Rocha - Eu não sei o que o comandante pensou quando disse isso, porque é difícil, às vezes, interpretar as palavras das pessoas. Mas posso dizer com certeza que impunidade ele não está buscando. A corte militar é séria e não é só composta por militares. E das nossas decisões cabe recurso no Supremo Tribunal Federal. Sequer somos a última instância.

Eu sempre fui a favor da Comissão da Verdade, mas é outra situação. Vivemos um regime constitucional, a intervenção foi decretada por um presidente civil democraticamente eleito - porque quando se elegeu a presidente Dilma se elegeu também Temer. E foi aprovada pelo Congresso Nacional, que é uma caixabonus sem depósitoressonância da sociedade.

bonus sem depósito BBC Brasil - O que as pessoas deveriam saber sobre a Justiça M bonus sem depósito ilitar?

bonus sem depósito Rocha - Que a Justiça Militar é uma Justiça civil também. Acho que isso é fundamental explicar. Todo o Ministério Público Militar é concursado, os juízesbonus sem depósitoprimeira instância também são todos civis, há cinco civis na composição do STM. Os advogados que atuam aqui são civis.

É completamente diferente da Justiça Militar norte-americana, onde os promotores e os advogadosbonus sem depósitodefesa são militares, onde é o comandante das Forças Armadas que decide se a ação penal vai prosseguir ou não e se a pena decidida será aplicada ou não.

Aqui é o Ministério Público Militar que propõe a ação penal. Nós somos independentes. A imparcialidade e seriedadebonus sem depósitoum magistrado se afere quando ele coloca a toga. E apesarbonus sem depósitonossos militares aqui ainda vestirem a farda, eles são magistrados. A toga está por cima da farda. E pode ter certeza, ela funciona muito bem.