Caso Aécio: relembre cinco outros momentosque governo e oposição se juntaram para 'salvar a própria pele':
Nos dias anteriores à votação, senadores petistas disseram à imprensa que o partido deveria votar contra o retornoAécio. Os sete senadores petistas presentesfato o fizeram, com exceçãoJorge Viana (AC) e Gleisi Hoffmann (PR), que estavamviagem oficial à Rússia.
Mas quando o STF determinou o afastamento do tucano, petistas como o próprio senador Viana discursaram na tribuna criticando a decisão.
Pressionado, o plenário do Supremo voltou atrás na semana passada e decidiu que cabe ao Congresso dar a última palavra sobre medidas que afetem os mandatos dos parlamentares.
Desde o impeachmentDilma,meados2016, políticoscentro edireita passaram a vocalizar com mais frequência opiniões críticas à Lava Jato e aos procuradores do Ministério Público Federal. O último exemplo é o parecer do deputado BonifácioAndrada (PSDB-MG) à denúncia contra Michel Temer, apresentado na ComissãoConstituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A peça33 páginas é repletacríticas à Lava Jato.
Assim, preocupações com o excessoconduções coercitivas e prisões preventivas, com o vazamentoinformações sigilosas e outros alegados pontos negativos da operação passaram a ser compartilhadas por governistas e por setores da oposição.
Os partidos que dão sustentação a Temer convergiram na retórica com o PT - crítico desde sempre da Lava Jato.
A BBC Brasil relembra e detalha outras cinco situações nas quais governo e oposição deixaram a disputa partidárialadonomeum interessecomum: a autopreservação e o combate a alegados excessos da Lava Jato e do MPF. São elas:
- A instalação da CPI Mista para apurar irregularidades na delação da JBS (setembro2017);
- Votação no Senado do projetolei endurecendo as regras contra o abusoautoridade (abril2017);
- Manobra contra o afastamentoRenan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado (dezembro2016);
- Alterações e posterior arquivamento do pacote das "Dez Medidas Contra a Corrupção" do MPF (novembro2016);
- Tentativa"anistiar" o caixa-dois eleitoral no plenário da Câmara (setembro2016).
#SomosTodosRenan
Embora a situação não seja exatamente a mesma daAécio Neves, há pelo menos um precedente no qual senadoresvários partidos se juntaram para ajudar um colega que foi alvo da Justiça. No iníciodezembro passado, Marco Aurélio Mello (do STF) atendeu um pedido da Rede Sustentabilidade e afastou Renan Calheiros da Presidência do Senado - mas não do mandato.
A decisão veio na esteirauma ação judicial na qual Renan se tornou réu,um caso sem relação com a Lava Jato. O processo ainda não foi julgado e o alagoano nega irregularidades. Para Marco Aurélio, um réu não poderia ocupar cargo que está na linha sucessória da Presidência da República, como é opresidente do Senado.
Na época, o vice da Casa era o senador Jorge Viana (PT-AC). Ele assumiria o comando se o peemedebista fosse deposto. O petista, porém, defendeu que Renan continuasse no posto. O alagoano, porvez, não assinou a notificação do afastamento, anulando na prática a decisãoMarco Aurélio. Dois dias depois, o plenário do STF derrubou a decisão do ministro, que era provisória.
Da CPI da JBS à anistia ao caixa dois
No começooutubro, a CPI mista (com deputados e senadores) da JBS ouviu o advogado Willer TomazSouza. Personagem das investigaçõestorno da empresaJoesley e Wesley Batista, ele chegou a ser preso por ordem do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O depoimento, sigiloso, foi repletoacusações contra o ex-procurador-geral, segundo noticiaram os jornais FolhaS.Paulo e Valor Econômico. O próximo a ser ouvido é o procurador Angelo Villela, com depoimento marcado para esta terça-feira. Ele já deu declarações públicas contra Janot.
Até agora, esta tem sido a tônica da CPI da JBS: figuras ligadas à gestãoRodrigo Janot e à própria JBS foram convocadas ou convidadas a falar, mas não os políticos delatados pelos irmãos Joesley e Wesley. O relator, Carlos Marun, disse que a CPI não deve ser "palcoconfronto entre governo e oposição", e por isso as convocaçõespolíticos estão sendo evitadas.
Uma convergênciaopiniões e interesses parecida ocorreu no plenário da Câmara dos Deputados,novembro passado. Os deputados levaram ao plenário - e modificaram - o pacote das dez medidas contra a corrupção apresentado pelo Ministério Público Federal.
Das dez medidas, só quatro ficarampé no fim da sessãoplenário, segundo o relator à época, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
O pacotemedidas do MPF continha vários pontos que foram considerados controversos. Entre eles a criaçãoum "testeintegridade" para servidores públicos e a possibilidadeempregarjuízo provasorigem ilícita, desde que obtidasboa-fé. Estes dois pontos foram criticados até por um representante da Polícia Federaluma audiência na Câmara,outubro.
"Pode-se dizer que alguns setores se juntam para a própria sobrevivência. Quando o interesse comum atinge a própria sobrevivência, como foi nas Dez Medidas, (governo e oposição) não têm o menor pudorse juntar", afirma o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).
Delgado foi um dos deputados que se opôs aos encaminhamentos para modificar as Dez Medidas.
Propostas para endurecer a punição a funcionários públicos corruptos, para dificultar a prescriçãocrimes do colarinho branco e para responsabilizar os partidos políticos envolvidos acabaram removidas, por exemplo. Além disso, os deputados incluíram um texto que facilitava a punição a juízes e procuradores por crimeabusoautoridade.
Este último ponto foi apresentado pela bancada do PDT (de oposição) e apoiado por partidos governistas.
Em abril deste ano, foi a vez dos senadores aprovarem aprópria versãoum projetolei endurecendo a punição ao crimeabusoautoridade. O projeto foi relatado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR). O peemedebista é um crítico frequente do governo Temer e da Lava Jato.
O relatórioRequião acabou aprovado no Senado por 54 votos a 19 - houve apoiostoda as siglas. A proposta foi enviada à Câmara, onde permanece parada.
Antes,setembro2016, os deputados levaram a plenário uma proposta cujo objetivo era "anistiar" o caixa dois eleitoral. Uma proposta2007 "apareceu" na pauta do plenário da Câmara numa segunda-feira, dia tradicionalmente vazio. Parlamentares do PMDB, PSDB, PT, PR e PP participaram das conversas para realizar a votação. Diante da gritaria da opinião pública, acabaram recuando.
"Era uma segunda-feira à tarde. O plenário estava vazio, e o deputado Beto Mansur (PRB-SP) estava comandando a sessão. Pediu para começarem a ler um projeto que não tinha nem número e nem autor. E aí ficamos sabendo que tinha tido uma reuniãovários líderes,vários partidos, para costurar uma proposta que anistiava o caixa dois", conta o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
Valente, Miro Teixeira (Rede-RJ) e outros deputados contrários ao texto começaram a criticar a proposta na tribuna. "Chamou a atenção da imprensa, e eles resolveram tirar o projetopauta. Mas, foi algo costurado a muitas mãos,governo eoposição", diz Valente.
Alguns meses depois, o tema voltou a ser discutido quando a Casa discutiu o pacote das "Dez Medidas". À época, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e outros deputados argumentaram que não poderia haver "anistia" para algo que, a rigor, não era crime.
Corporativismo ou defesa do EstadoDireito?
"Este movimento mais amploresistência das burocracias partidárias,oposição esituação, é algo que não ocorre só no Brasil. Ocorreu também na Itália da operação Mãos Limpas eoutras partes também", avalia José Robalinho, procurador da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores (ANPR).
Robalinho, porém, faz uma ressalva. "A coisa é mais complicada quando a gente vê os detalhes. Poistodos os partidos há também nomes que não aceitam esse tiposolução", pondera Robalinho.
Ele cita dissidências no próprio PSDB que apoiaram o adiamento da votação sobre o afastamentoAécio Neves.
Em público, parlamentares do governo e da oposição rechaçam a tese do "acordo contra a Lava Jato".
"Não fizemos acordo com ninguém, ainda mais com um partido que nós estamos tentando tirar da Presidência da República, que para nós está nas mãosum chefequadrilha", diz o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Para Pimenta, falar"acordo" é uma "redução do papel do Parlamento".
"É uma posição que nós sempre tivemos, adefender o devido processo legal, o pleno direitodefesa. Dizer que é só contra a Lava Jato é simplório. A Lava Jato está 'se achando' ao pensar que vamos mudar a legislação do país sófunção da operação".
Para o petista, o discurso do "acordo anti-Lava Jato" atende a interessesprocuradores e juízes que querem perpetuar os próprios privilégios.
"O espíritocorpo (ou corporativismo) é uma coisa que sempre existiu no Congresso. Mas agora ficou mais evidente", diz o analista político Antônio AugustoQueiroz, diretor do DIAP (Departamento IntersindicalAssessoria Parlamentar), agêncialobby que representa as centrais sindicaisBrasília.
"A oposição,regra, age com base na 'ética da convicção'. Mas há situaçõesque a 'ética da responsabilidade' substitui aquela da convicção", diz Queiroz, citando conceitos do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920).
"É o que está acontecendo neste momento,que praticamente não há divergência sobre ir contra algumas ações do MPF", completa o analista, que é especializado no acompanhamento do Congresso.
Já o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos principais defensoresTemer no Congresso, também nega que exista qualquer conspiração contra a Lava Jato. "Estas não são questões onde existam um lado (da oposição) e outro (do governo). Não é como a (emenda constitucional) do tetogastos, não é como a reforma da Previdência", diz.
"A grande questão é que o parlamentar depende da existência do EstadoDireito. A imprensa também, embora não dê valor. Quando você interroga, como eu interroguei, uma pessoa que ficou 76 dias presa sem nem sequer ser ouvida, não tenho como não me indignar. Essa indignação independese você é oposição ou situação", afirma ele,referência ao depoimentoWiller Tomaz na CPI da JBS, da qual é relator.