'É justo entregar jovem ao Estado e receber só ossos carbonizados?', pergunta mãewww netbetpolicial morta:www netbet
"Se o Estado já não cuida deles enquanto estão na ativa, imagina então quando são feridos e ficamwww netbetcama. Como é que uma família vai cuidarwww netbetuma pessoa que ficou tetraplégica sem recursos? Resolvemos fazer essa parte que ninguém quer", resume Zoraide.
'Acaba com a família inteira'
Ao receber a reportagem da BBC Brasil, as duas mães vestiam camisetas com o logotipo da Amapol - um coração estampado no peito com as palavras "Mãewww netbetPolícia" - e traziam no pescoço pingentes com a foto dos filhos, sorridentes, trajando suas becas nas respectivas formaturaswww netbetDireito.
Nas paredes da sede provisória da Amapol, o apartamentowww netbetZoraidewww netbetCopacabana, há fotoswww netbetsua filha por toda a parte.
Ludmila Fernandes Fragoso tinha 24 anos quando foi assassinada após um assalto na Baixada Fluminense,www netbetagostowww netbet2006. Identificada por levar a arma e o documentowww netbetpolicial civil, foi torturada e morta a pauladas. O corpo foi encontrado carbonizado dentrowww netbetseu carro. www netbet Ludmila era recém-casada e estava grávida do primeiro filho.
"A minha filha erawww netbetcarne e osso, mas teve uma morte tão brutal que a gente só pôde pegar a carcaça dela. Eu não pude nem vê-la no caixão. É justo isso, você entregar uma jovem para a Secretariawww netbetSegurança Pública e receber só ossos carbonizados?", questiona Zoraide.
'Vocês têm a mesma dor'
Thiago Pinheiro, filhowww netbetFrancilene, foi morto quatro meses depoiswww netbetLudmila, três dias antes do Natalwww netbet2006, ao ter seu carro roubadowww netbetCascadura, na zona norte do Rio, a caminho do trabalho.
Ao entrar no carro, o assaltante viu a arma que Thiago tentara esconder debaixo do banco. Rendeu a moça que ele levavawww netbetcarona e obrigou-a a dizer se ali tinha polícia. Ela apontou para o Thiago, e ele foi assassinado com um tiro nas costas. O carro foi deixado para trás.
Thiago era inteligente, "namorador" e "muito querido", descreve Francilene. Ela resistiu quando ele passou para o concurso da Polícia Civil, onde serviu durante cinco anos. "Não criei meu único filho para ir para a polícia, polícia é toda corrupta", lembra.
Em 2004, Thiago sobreviveu a um assaltowww netbetque levou cinco tiros, mas ainda assim não deixou a profissão. "Ele era apaixonado pelo que fazia", diz.
"Eu acho que mãe nenhuma, hojewww netbetdia, gostariawww netbetter um filho policial. Quando passei a aceitar a ideia, aconteceu", diz Francilene, lembrando o choque do assassinato.
"Não tem nem explicação. É uma dor que não existe. É uma perda incalculável. Quando acontece, tira teu chão, você fica perdida. É uma escuridão."
Zoraide e Francilene se conheceram após outra morte brutal, que chocou o Brasil há dez anos: foram apresentadas uma à outra no enterro do menino João Hélio Fernandes, que morreu ao ser arrastado do ladowww netbetfora do carro, após um assalto, por sete quilômetros. Ele ficou preso pelo cintowww netbetsegurança e os pais não conseguiram tirá-lo do veículo a tempo.
"Fomos à missa separadamente e uma outra mãe falou: 'Vocês duas têm a mesma dor. São mãewww netbetpolícia'", lembra Zoraide.
Até então, ela se sentia isolada, ou mesmo persona non grata, nos gruposwww netbetfamiliareswww netbetvítimas da violência. Porquewww netbetmuitos casos as outras mortes haviam sido causadas justamente por violência policial.
Ela conta já ter sido quase "massacrada"www netbetum evento ao ladowww netbetmãeswww netbetvítimaswww netbetchacinas. "Estou aqui com a mesma dorwww netbetvocês. Aqui não tem essawww netbetfavela e polícia", argumentou Zoraide, que trabalhou por quase 30 anos prestando assistência jurídica a moradores do Morro do Borel, na Tijuca - e só conseguiu acalmar as mães depoiswww netbetser reconhecida por algumas delas.
A partirwww netbetentão, a dupla passou a frequentar enterroswww netbetoutros policiais para fazer os primeiros contatos com suas famílias - como fezwww netbetagosto, após a mortewww netbetBruno Guimarães Buhler, o Xingu. O agente Coordenadoriawww netbetRecursos Especiais (Core) morreu durante uma operação na favela do Jacarezinho.
Burocracia
Zoraide afirma que os parentes enfrentam burocracia prolongada até conseguir receber as pensões por morte, bem como nos litígios judiciais relacionados ao processo. Quando o policial é mortowww netbetserviço, por exemplo, a família tem direito a uma pensão especial. Francilene, entre muitas outras mães, precisou entrar na justiça para receber esse direito. Já teve ganhowww netbetcausa, mas até hoje não recebe o acréscimo, 11 anos após a morte do filho.
Até mesmo o enterro pode virar uma via-crúcis, como no caso do cabowww netbetPolícia Militar Júlio Cesar Silvawww netbetOliveira,www netbet36 anos, assassinadowww netbetsetembro. Os criminosos roubaram seus documentos, e sem eles,www netbetmulher, Jessica Oliveira, custou a conseguir liberar o corpo no Instituto Médico Legal (IML). Na época, ela fez um apelo comovido pedindo que os bandidos devolvessem os documentos: "Já tiraram o meu maridowww netbetmim. Só quero ter o direitowww netbetenterrar o meu marido", pediu.
Já policiais feridos costumam ter dificuldades financeiras por causa da políticawww netbetabonos salariais, diz Zoraide. Quando são forçados a sairwww netbetcena, os salários despencam sem os abonos, e o mesmo ocorre com as pensões por morte.
A Amapol se concentrawww netbetajudar as vítimaswww netbetviolência na Polícia Civil, onde a filhawww netbetZoraide e o filhowww netbetFrancilene serviam.
"Quando jovem, o policial dá o sangue pelo Estado. Quando ele perde o sangue ou perde a vida, a família fica totalmente abandonada", diz Zoraide, que é advogada da OAB-RJ, tem 69 anos e há maiswww netbetdez anos se dedica à iniciativa, desde a mortewww netbetLudmilawww netbet2006.
"O policial tem família, não é filhowww netbetchocadeira não. E nem é Rambo que pode ser atropelado e depois a lataria desamassa", diz ela, que estáwww netbetbuscawww netbetuma sede permanente para receber famílias e policiais que enfrentem problemas com drogas, ferimentos ou distúrbios psiquiátricos.
A delegada Sânia Burlandi, diretora do Departamento Geralwww netbetRecursos Humanos (DGRH) da Polícia Civil, rechaça as críticaswww netbetque as famíliaswww netbetpoliciais ficariam "abandonadas".
"Essa informação não procede. Dentro das possibilidades da Polícia Civil, é feito um grande esforço para o acolhimentowww netbettodos os policiais e seus familiares que requerem assistência".
A Polícia Civil afirma dar apoio constante aos policiais e seu familiares por meio do Serviçowww netbetAtendimento ao Servidor (Seras), e realizar doaçõeswww netbetfraldas para cadeirantes. De acordo com a assessoriawww netbetimprensa, a instituição não tem psiquiatraswww netbetseus quadros, mas possui uma policlínica que conta com três psicólogos que atendem sob demanda.
Na PM, críticas semelhantes
Em 2014, a cabo da Polícia Militar do Estado do Rio (PMERJ), Flávia Louzada fundou o grupo "A Vida do Policial É Sagrada como Toda a Vida É".
Inicialmente, o objetivo era ajudar viúvas e órfãoswww netbetpoliciais militares mortos.
Com 107 PMs já mortos esse ano, o grupo, que tem 80 policiais como voluntários, tem sido cada vez mais requisitado - não apenas no apoio a familiares, como também para ajudar policiais que ficaram paraplégicos, tetraplégicos ou sofreram amputações após serem feridoswww netbetserviço.
"Eles ficam abandonados. Não podem voltar ao serviço porque foram feridoswww netbetforma irreversível. O número está crescendo e isso não tem visibilidade", diz Louzada. "Ainda mais agora, com o Estadowww netbetcrise e sem dinheiro para nada."
De acordo com a PMERJ, 351 PMs foram feridos neste ano. Louzada diz que há burocracia para obter o auxílio-invalidez, e faltam recursos para insumos básicos, como fraldas e pomada para escara. Já as famílias enfrentam um processo demorado até receber a pensão a que têm direito.
Louzada diz ainda que PM não oferece mais atendimento psiquiátrico, havendo apenas atendimento psicológico que, segundo ela, é insuficiente.
"Muitos anos atrás,www netbetcada batalhão havia um psicólogo. Agora não. O policial está trabalhando no limite entre a vida e a morte, sem equipamento, sem blindagem dos contêineres. A tropa está doente, vivendo no limite, mas não tem a quem recorrer", lamenta.
Questionada sobre a políticawww netbetapoio aos policiais militares e a seus familiares, bem como sobre a ofertawww netbetatendimento psicológico e psiquiátrico, a Polícia Militar do Estado do Rio informa apenas que todos os policiais militares mortos por ações violentas ou acidente têm direito ao segurowww netbetacidente pessoal. A indenização é paga "em até um mês após a abertura do processo", informa, por meiowww netbetsua assessoriawww netbetimprensa, "se os documentos estiveremwww netbetacordo com o exigido".
Pedindo ajuda para ajudar
No início do ano, Comissãowww netbetDireitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) deu início a uma parceria com PM para prestar assistência a parenteswww netbetpoliciais mortos, trabalho que a comissão já vem realizando há quatro anos.
A comissão procura oferecer outras formaswww netbetapoio e benefícios sociais às famílias, para além da pensão paga pelo Estado.
"A gente trabalha muito com o atendimento psicológico das famílias. Há uma demanda absurda", diz Antônio Pedro Soares, coordenador da Comissãowww netbetDireitos Humanos da Alerj.
"Tentamos convencer as mães a aceitar algum atendimento psicológico. Elas prolongam muito esse luto, e vemos que isso traz consequências mais sérias parawww netbetsaúde do que observamos com outros familiares."
Com a parceria recém-firmada com a PM, a comissão espera ter mais acesso às famíliaswww netbetpoliciais. Antes disso, o trabalhowww netbetmapear as vítimas e entrarwww netbetcontato com suas famílias dependiawww netbetgrande partewww netbetinformações veiculadas na imprensa.
Zoraide afirma que, na Amapol, um dos grandes desafios é obter informações sobre as famílias e policiais que precisamwww netbetassistência, já que esses dados, afirma, não são compartilhadas pela polícia.
As mães esperam que a situação melhore agora já que, no fimwww netbetsetembro, a Amapol foi uma das dez entidades da sociedade civil eleitas para o Conselhowww netbetSegurança Pública do Estado do Riowww netbetJaneiro (Consperj) no biênio 2017-2019 - ao ladowww netbetONGs como o Viva Rio e o Instituto Igarapé.
O órgão consultivo tem objetivowww netbetajudar o Estado a formular políticas públicas para promover segurança e reduzir a violência.
"Somos a primeira associaçãowww netbetmãeswww netbetvítimas a conseguir entrar no conselho", comemora Zoraide, torcendo que o diálogo com Secretariawww netbetSegurança Pública ajude-as a fazer seu trabalho e ter um impacto maior.
"Temos a boa vontadewww netbetajudar, mas para isso sabemos que é preciso andarwww netbetbraços dados com o Estado", diz. "Mas por enquanto o Estado não faz nem deixa ninguém fazer."
Após a mortewww netbetsua filha, Zoraide afirma nunca ter recebido qualquer tipowww netbetassistência do governo. Um ano após o assassinato, na semana do aniversáriowww netbetLudmila, chegou pelo correio um cartão com uma fotografia sorridente do ex-governador Sérgio Cabral, desejando-lhe parabéns.
"Ela já estava morta há um ano. Para você ver a faltawww netbetorganização", diz Zoraide. "Isso para não dizer que nunca recebi nada do Estado."