'Quando alguém controla o dinheiro na relação, controla a relação profundamente':

Legenda do áudio, Tabitha Lasley queria descobrir como os homens agem quando não há mulheres por perto

Fez as malas e resolveu seguir seus impulsos e seu grande sonho: escrever um livro sobre as plataformas petrolíferas do Mar do Norte e os seus trabalhadores, a grande maioria homenscidades pós-industriais do norteInglaterra, onde ela cresceu.

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Querendo superar essa minicrise existencial, chegou à capital petrolífera da Europa, Aberdeen, na Escócia, onde gastou grande partesuas poupanças no aluguelum pequeno apartamento por cinco meses, períodoesteve rodeadahomens que viraramvidacabeça para baixo.

No final, valeu a pena.

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A experiência resultou na publicaçãoseu primeiro livro Sea State (estado marítimo,tradução livre), com as memórias dos temposAberdeen.

Naquela cidade ela se apaixonou pelo primeiro trabalhador que entrevistou, se redescobriu, chorou e, acimatudo, tentou combater a misoginiaum setorque reina uma masculinidade bastante tóxica.

A obra aborda questões sociais que Tabitha achou muito mais interessantes do que a extraçãopetróleosi, como o papel do dinheiro na constituiçãoclasses no trabalho e a vida familiar desses homens que passam metade do tempo longe da família.

A BBC News Mundo, serviçoespanhol da BBC, conversou com ela durante o Hay Festival Cartagena, realizado25 a 28janeiro2024,Cartagena, na Colômbia.

BBC - Como a vida familiar é afetada quando um membro da família está sempre ausente para trabalhar?

Tabitha Lasley - Quando você fica fora metade do tempo, não consegue criar os mesmos laços que outras pessoas que trabalham das 9h às 17h podem criar.

Um homem que chegacasa no mesmo horário todas as noites, come com a família e coloca os filhos para dormir terá uma noção mais fortecomo é um lar estável e pertencer a essa família.

O vínculo que normalmente une uma família - que geralmente são as atividades que realizam juntos - não está presente.

trabalhadoresporto

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Trabalhadores pertoum navioabastecimento no porto da cidadeAberdeen, conhecida como a capital petrolífera da Europa.

BBC - Os trabalhadores da indústria petrolífera ganham muito dinheiro, mas as condiçõestrabalho são precárias e eles não veem as suas famílias com frequência. O dinheiro que ganham compensa tudo isso?

Lasley - Não. Porque na realidade já não ganham tanto como antes. Nas décadas70 e 80 ganhavam muito, mas desde então os salários têm caído.

Navios ancoradosAberdeen

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Aberdeen, Escócia, Reino Unido.

Quando entrevistei trabalhadores, conheci um casal que me disse que estava feliz. Mas isso pode ser devido à disposição: há pessoas que são felizesquase todas as circunstâncias.

A maioria dos trabalhadores estava deprimida e sempremau humor.

BBC - É um setor onde a grande maioria dos trabalhadores tende a ser homens, e você começou a escrever o livro querendo saber como são os homens quando não há mulheres ao seu redor. Como eles agem e o que fazem? De que falam?

Lasley - Nunca soube realmente como são os homens quando não há mulheres por perto, porque sou mulher.

Isso alterou a interação entre eles e é por isso que parte da premissa do meu livro falhou.

Mas embora nunca tenha descobertoprimeira mão como os homens realmente eram, consegui ter uma ideia.

Um ambientetrabalho puramente masculino tem um efeito muito negativo sobre os homens.

Há muita misoginia nas plataformas petrolíferas, porque muitos dos homens que lá trabalham são mais velhos, já se divorciaram uma ou duas vezes e carregam uma espécieressentimentorelação às mulheres que transmitem aos mais jovens.

Observa-se o mesmo mau comportamento que se verificaoutros locais onde há grande aglomeraçãohomens, comotorcidasfutebol ou presídios. As mulheres têm um efeito civilizador sobre os homens.

BBC - Você acha que esse efeito civilizatório se deve à classe social e que há mais igualdade entre mulheres e homens quando têm rendas semelhantes?

Lasley - Completamente. Penso que, pelo menos hoje no Reino Unido, na classe média importa cada vez menos se somos homens ou mulheres. Ambos os sexos têm rendimentos mais ou menos semelhantes e têm mais ou menos o mesmo poder.

Eles também têm amigosambos os sexos, ao contrário das classes mais baixas, onde isso é mais raro.

Em Londres, por exemplo, meu ex-namorado era muito controlador, mas nunca teve problemas com o fatoeu ter amigos homens.

Foi muito diferenteAberdeen, onde os trabalhadores das plataformas petrolíferas me disseram que achavam estranho ter amigas.

Quanto mais baixa a classe social, mais diferentes são as mulheres e os homens entre si.

E isso acontece porque os papéisgênero são muito mais definidos. As mulherescasa e os homens ganhando mais dinheiro.

BBC - No seu livro você também fala sobre dinheiro, quem tem e quem não tem. O que você diria que é uma grande diferença entre os dois grupos?

Lasley - Realmente, um dos temas principais do livro é dinheiro.

Quando alguém controla todo o dinheiroum relacionamento, também controla o relacionamento, euma forma muito profunda.

96% dos parceiros abusivos são financeiramente abusivos, alémse envolveremoutras formasabuso.

Parte do controle é ter e administrar dinheiro.

Obviamente nem todas as pessoas que ganham muito mais dinheiro que as outrasum relacionamento são abusivas por definição.

Mas, acimatudo, quase todo agressor é financeiramente abusivo, porque é uma forma muito eficazobter controle.

Quando você controla o dinheiro, geralmente controla todo o resto.

Infelizmente, é incomum que uma pessoa que ganha muito mais do que seu parceiro o veja e trate com igualdade.

BBC - Um dos trabalhadoresAberdeen chamou vocêprostituta e disse que você parecia fácil. Você o desafiou e alguém lhe disse para ignorá-lo porque era assim que os caras falavam lá. Você aprendeu a ignorar esse tipomisoginia?

Lasley - Ele não foi o único que me chamouprostituta.

Nunca aprendi a ignorar esse tipocomportamento, mas fiquei mais forte no final da minha estada lá.

Lembro-melágrimas enchendo meus olhos na primeira vez que alguém me chamouprostituta. Senti que ia chorar, mas disse a mim mesmo: "Não chore".

Eu não estava acostumada a ouvir insultos assim.

BBC - Você se apaixonou pelo primeiro homem que entrevistou para o livro. O que você lembra dessa históriaamor? Você sabia que isso terminariacatástrofe?

Lasley - Sim, uma pena! Acho que todos ao meu redor sabiam que a história iria acabar mal, menos eu.

Ficamos juntos por cinco meses, mas tudo foi muito dramático.

Lembro-meter pensado: "Uau, minha vida agora parece uma novela".

Todos os dias havia uma reviravolta. Todos os dias algo acontecia. Aquele cara foi um desastre, virou minha vidacabeça para baixo como um tornado.

Ele fez muito drama durante cinco meses e depois desapareceu durante a noite.

BBC - A esposa dele descobriu o que estava acontecendo e iniciou uma campanhaabusos contra você, insultando-a e culpando-a pela infidelidade do marido dela, mas depois o perdoou. É uma história que ouvimos com frequência, por quê?

Lasley - Porque ele tinha todo o dinheiro. Ele pensouesconder todo o seu dinheirouma conta secreta para evitar que a esposa ficasse com o dinheiro, mas desistiu.

Muitas pessoas perdoam parceiros infiéis porque, no final, dá muito trabalho romper um casamento, principalmente se você tem filhos e fica um tempo sem trabalhar porque desistiu da carreira para cuidar dos filhos.

De qualquer forma, esse homem com quem fiquei era um mentiroso. Sua esposa provavelmente se casou com ele sabendo disso e aceitou.

Não foi a primeira vez que ele a traiu, a novidade é que dessa vez ele a abandonou e, por isso, ela enlouqueceu.

Ele terminou com ela depoisme ver seis vezes, isso não é normal.

Perguntei várias vezes se ele tinha certezaque queria deixar a esposa e começar algo comigo, porque ele não me conhecia bem.

Eu disse a ele que lhe custaria muito dinheiro deixar a esposa, mas ele não me ouviu. Acho que estava ruim da cabeça.

Depois que ele disse à esposa que estava deixando ela, ela contratou um advogado que disse a ele que ele teriapagar a ela 1.400 libras (R$ 8,7 mil) por mês e, ao saber disso, ele decidiu que não estava mais apaixonado por mim.

Trabalhadoresrefinaria

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Trabalhadores da refinariapetróleoGrangemouth após reunião sindical na Escócia.

Ele é alguém que culpa todos os outros por seus erros. Se estavaum casamento infeliz, a culpa era da esposa e, depois que ele a deixou e teve problemas, a culpa passou a ser minha.

BBC - Um dos trabalhadores te disse: "Na verdade, nenhum homem quer se casar". Mas muitos deles se casaram.

Lasley - Foi ele mesmo quem me disse isso. Sua esposa foi esperta ao insistir que eles se casassem porque isso dava a ela alguma proteção e segurança financeira.

Muitos não se casam e se envolvem com uma mulher com quem convivem há anos até arranjarem uma nova que gostem mais e deixarem a outra na pobreza e com filhos que terão que criar sozinhas.