'Só por milagre ganharia o mesmo no Brasil': como é ser motoboy na Inglaterra:ebet
O crescimento do trabalho por meioebetplataformas, como asebettransporteebetpassageiros e entregaebetcomida, tem levado governos e cortes judiciais do mundo todo a discutir regras para a relação entre empresas e trabalhadores da área – inclusive no Brasil (leia mais abaixo).
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Isso acontece depois que o númeroebetplataformas digitaisebettrabalho quintuplicouebettodo o mundo na última década, segundo relatórioebet2021 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No Reino Unido,ebetuma decisão que ficou conhecida mundialmente, a Suprema Corte decidiuebet2021 que motoristas do Uber eram "trabalhadores", categoria profissional no Reino Unido que faz com que tenham direito a salário mínimo, férias e aposentadoria. A decisão, restrita aos motoristas, não incluiu motoboys.
Embora faltem estatísticas oficiais detalhadas, dados citados por especialistas incluem a estimativaebetque, no Reino Unido, 7,25 milhõesebetpessoas trabalhavam na chamada gig economy (ou seja, atuando por meioebetplataformas diversas, não apenasebettransporte) no fimebet2022, segundo dados compilados pela plataformaebetRH StandOut CV.
Na prática, como é ser motoboy brasileiro na Inglaterra – onde basta caminhar alguns quarteirõesebetLondres para cruzar com gruposebetbrasileiros que fazem entregaebetcomidaebetmotos e bicicletas?
A seguir, veja os relatosebetJorge, que acabouebetvoltar ao Brasil após um ano e meio no Reino Unido; Jéssica, que trabalha com entrega na Inglaterra há 13 anos; e Thiago, que recentemente deixouebetser exclusivamente motoboy para ter como atividade principal um trabalho registrado no país.
Ganhos maiores
O motoboy Jorge,ebet45 anos, retornou a São Paulo depoisebetuma temporadaebetmaisebetum ano na Inglaterra – onde conta ter conseguido, na mesma atividade, ganhos que não consegue no Brasil.
Um motivo que o impulsionou a trocar as ruas paulistanas pelo Reino Unido foi exatamente a necessidadeebetaumentar a renda da família.
“Meu pai, que faleceuebet2022, tinha uma doença rara no pulmão e, no fim, usava dois cilindrosebetoxigênio por semana, que custava R$ 300. Aqui (em SP), não tinha como eu manter isso. Masebetum diaebettrabalho na Inglaterra eu comprava dois oxigênios.”
Os valores que um trabalhadorebetentrega ganha dependem, além da quantidadeebethoras trabalhadas,ebetquanto o trânsito está fluindo, do dia da semana (de sexta a domingo, há mais pedidos), da época do ano e das condiçõesebettemperatura daquele dia (em diasebetchuva eebetfrio, os pedidos aumentam).
Jorge e outros motoboys ouvidos pela reportagem relataram que giraebettornoebet100 libras (maisebetR$ 600) o valorebetum diaebettrabalho para quem atua exclusivamente nessa atividade por cercaebet12 horas diárias.
O valor, segundo eles, pode chegar a 200 libras (R$ 1,2 mil)ebetum diaebetmuito trabalhoebetum fimebetsemanaebetinverno (épocaebetque, segundo eles, a quantidadeebetpedidos é muito maior).
Desse montante, são descontados os gastos com o veículo, como combustível e manutenção. "Minha meta eraebet120 libras, para ficar com 100, porque era 10ebetgasolina e 10ebetcigarro."
"Para fazer R$ 600 no Brasil, só um milagre. O máximo que eu consigo trabalhando a mesma quantidadeebethoras no Brasil é R$ 200."
A remuneração média por horaebetentrega estimada no Brasil éebetR$ 23, segundo estudo divulgado pela Associação BrasileiraebetMobilidade e Tecnologia (Amobitec).
A demanda mais alta pelo trabalho dos motoboys no inverno, quando os moradores saem menosebetcasa, vêm com um preço sentido na pele na Inglaterra.
“Nunca passei tanto frio na minha vida – meus pés doíam, meu pé nunca ficou quente nesse lugar no primeiro ano. Depois, comprei uma meia elétrica que me indicaram. Sofri demais com o frio.”
Ele diz que, no exterior, conseguiu comprar produtos que não poderia no Brasil. “Nunca que eu compraria jaqueta da mesma marca que comprei na Inglaterra – paguei 260 libras (R$ 1.580) e aqui custa R$ 3 mil”, diz.
“Aqui você trabalha o mesmo tantoebethoras, mas não consegue conquistar as coisas que conquista na Inglaterra”, diz. “Você vai ao mercado lá, tem vontadeebetcomer uma coisa e não precisa ficar escolhendo – você pega e compra. Tem um sorvete que experimentei aí, 5 libras (R$ 30), que aqui custa R$ 54. Também comprei um iPhone – eu não teria como comprar iPhone 13 Pro Max no Brasil.”
Outro fator que deixa saudades no brasileiro é a sensaçãoebetsegurança que ele tinha, quando comparada à que senteebetSão Paulo. “AquiebetSP, os caras vêm com revólver, mão armada, para te assaltar”, diz. “Lá (cidade inglesa), graças a Deus o perigo são as raposas. Se ela bater na scooter, que a roda é muito pequena, você cai.”
Apesar da dificuldade imposta pelo frio, Jorge diz que foi a línguaebetprincipal barreira. Chegou ao Reino Unido, nas palavras dele, sabendo inglês suficiente apenas para contar até dez.
“Foi muito sofrimento, porque quando você faz entrega, os aplicativos pedem código para o cliente (informar para o motorista). Aí já viu. A sorte é que, na minha experiência, 90% dos clientes eram muito cordiais, mesmo você não falando inglês. Nunca fui maltratado – diferente do Brasil, onde às vezes o pessoal é meio ignorante quando você atrasa”, diz.
Para exemplificar o avanço na língua, ele compara as experiências ao comprar café na Inglaterra na chegada e na partida.
“Quando cheguei, não sabia que tinha que pedir café preto (black coffee, ou café sem leite). Aí a atendente perguntava se eu queria com alguma coisa e eu não entendia o que ela falava. Ela pegou um galãoebetleite e sacudiu”, diz.
“Aí, antesebetir embora, consegui pedir um salgado e um café, e entendi que ela me perguntou se eu queria frio ou quente. Pensa numa alegria que fiquei com uma coisa simples – foi uma vitória muito grande”, diz ele, que conta ter voltado ao Brasil devido à saudade da família que havia ficado por lá.
'Não se faz mais dinheiro como antes'
A mineira JessicaebetOliveira,ebet32 anos, acumula experiência com entregasebetmoto no Reino Unido desde 2015, quando deixouebetser chefebetcozinha para trabalhar com delivery.
“Tava cansada da cozinha e queria trabalhar para mim. Sempre fui motoboy, sempre gosteiebetmoto.”
Inicialmente, ela entregava encomendas, por meioebetuma empresa, e recebia 9 libras (R$ 55 na cotação atual) por entrega. Depois disso, conheceu a entregaebetalimentos por meioebetaplicativos.
“Entregaebetcomida sempre foi menos, uma médiaebet6 pounds por entrega. Antes, pagavam bem mais que hojeebetdia, tinha corrida que recebia 10 libras. Hojeebetdia, não tem mais esse valor”, diz. “Não se faz mais dinheiro como antes. Mas sempre é mais que o Brasil.”
Ela – que se formouebetgastronomia no passado e hoje estuda direito – resume que o trabalho com delivery “ainda paga as contas”. Mas diz que não vê seu futuroebetaplicativo “por muito tempo”.
As condições pioraram nos últimos anos, na avaliação dela. Além dos ganhos terem diminuído, diz que a sensaçãoebetsegurança piorou. “Já tem gente sendo assaltada com faca para pegar a moto. Antes não tinha isso. Ninguém ia roubar moto naebetmão. Isso já chegou ao Reino Unido. Preciso ter um futuro melhor.”
A brasileira morou dez anosebetLondres – onde define o trânsito como “uma loucura” – e agora vive há trêsebetBrighton – “mais tranquilo”.
Além das dificuldades enfrentadas pelos colegas homens, as mulheres nessa atividade precisam lidar com dificuldades adicionais, relata Jessica.
“Assédio tem muito, inclusive pelos motoristas que ficam nas ruas, – e pode ser até mesmo brasileiro. Às vezes entra uma moça nova e, se ela for muito bonita, é assediada pelos outros motoristas. Acontece bastante também quando você entrega álcool ou cigarro, porque o aplicativo pede (para o entregador checar) código e identificação do cliente. Se o cliente tiver drogado, bêbado ou algo do tipo, já aconteceu agressão verbal ou até física.”
“Uma amiga que trabalhava na minha área foi falar para o cliente que não poderia entregar a ordem (sem a identificação), ele tomou a ordem da mão dela e empurrou ela no chão. Quando chamamos a polícia, disseram que não podiam fazer nada.”
Jessica diz que considera que seriam benéficas regras para trabalhadores dessa área. Defende que é necessário continuar com a flexibilidade que hoje existe, mas argumenta que uma proteção maior para esses trabalhadores seria necessária.
'Desvalorização do serviço'
Foi durante a pandemiaebetcoronavírus,ebet2020, que Thiago Tedesco,ebet39 anos, decidiu imigrar para o Reino Unido para trabalhar como motoboy para entrega por aplicativos.
Ele trabalha com moto no Brasil desde 2008 – antes dos aplicativos, tinha um trabalho registrado também como motoboy – e diz que sempre teve planosebetmorar fora.
Quando um amigo que vivia na Inglaterra contou que os ganhos tinham subido para os entregadores durante a pandemia e que a demanda por entrega havia aumentado muito, Thiago entendeu que seria o momento.
“Já tinha planosebetvir e aproveitei o momento financeiro, que estavaebetalta aqui. E, no Brasil, estava aquele caos que a gente sabe.”
Entre os trabalhadores do delivery, é consenso que o período da pandemia propiciou maiores retornos financeiros para o trabalho deles. Um conjuntoebetfatores explica: além da maior demanda devido aos confinamentos, as vias sem trânsito (o que reduziu tempoebetentregas) e o fatoebetque restaurantes muitas vezes operavam exclusivamente com entrega (reduzindo o tempoebetespera).
Três anos após ter chegado ao Reino Unido eebetuma breve temporada na Itália, Thiago faz o balançoebetque “valeu à pena na época financeiramente” e diz que “conseguiu pôr a vidaebetordem”.
“Se não fosse o poderebetcompra e a segurança, eu ficaria no Brasil. Mas aqui a qualidadeebetvida é melhor.”
De 2015 até meses atrás, a atividade principalebetThiago era o delivery – mas neste ano achou que valia mais a pena migrar para um trabalho registrado e manter as entregas como um complemento no orçamento.
“No verão, o delivery dá uma caída e pós-pandemia os ganhos no meu estiloebetserviço não estavam sendo mais compensadores. Aí arrumei serviço registrado porque não estava ganhando o que gostaria. A desvalorização do serviço aqui e no Brasil é parecida, porém aqui a libra camufla isso, porque o poderebetcompra da libra é grande”, diz ele, que foi contratado para equipeebetlimpeza por uma universidade.
“No começo, achava que não ia conseguir cumprir horário pelo tempo que tiveebetflexibilidade. Nesse quesito, foi bem tranquilo. O que me fez decidir foi a garantia do salário do fim do mês, saber o que vou ganhar, ter férias, stress psicológico menor, porque sei o que vou ganhar – faça chuva faça sol. Na ponta do lápis, se analisar os gastos com moto, hoje ganho igual ou mais sem a despesa na moto.”
Agora, Thiago e a família planejam a mudança da esposa e dos filhos – gêmeosebet7 anos e uma meninaebet5 anos –, que ficaram no Brasil. “Quando minha família tiver aqui e minha esposa tiver trabalhando, vou diminuir drasticamente o tempoebettrabalho (com delivery). Se eu ganhasse bem mais do que ganho hoje, pararia (com delivery).”
Sobre a faltaebetproteção para a categoria, Thiago diz que, desde que vivia no Brasil, priorizou pagar seguro “top” para casosebetqueda e seguroebetvida. “Muitos acham besteira pagar um seguro, mas tenho 3 filhos, eu não posso falhar.”
Cadastroebetplataformas
Emebetpágina sobre entrega no Reino Unidoebetportuguês, o Deliveroo – empresaebetentrega citada por todos os entrevistados, diz que os requisitos para se cadastrar são: scooter, bicicleta ou carro (com licença e seguro), equipamentoebetsegurança (ex: capacete), smartphone com iOS 13.6/Android 6 ou superior, documento que comprova seu direitoebettrabalhar como autônomo no Reino Unido, e ter 18 anos ou mais.
A página da Uber no Reino Unido – outra empresa citada pelos entrevistados – também traz uma relaçãoebetdocumentos exigidos, a depender do veículo usado.
A BBC News Brasil procurou a Associação BrasileiraebetMobilidade e Tecnologia (Amobitec) para questionar se há um entendimento geral sobre as exigências para o cadastro no Brasil, e a associação informou que “os processos variam”.
A Uber no Brasil informou que as exigências para cadastro dependemebetlegislação local e que a empresa segue as regrasebetacordo com país ou cidade.
Regras para a relação entre trabalhadores e aplicativos no Brasil?
A discussão sobre o que devem ser as regras do trabalho para plataformas vem crescendo no Brasil, onde o Ministério do Trabalho discute com plataformas e trabalhadores os termos para uma propostaebetregulação a ser enviada ao Congresso Nacional.
Um dos pontos sobre os quais há debate é a proteção desses trabalhadores. No Brasil, apenas um a cada quatro (23%) entregadores e motoristas autônomos paga contribuição ao INSS, segundo estudoebetpesquisadores do InstitutoebetPesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto BrasileiroebetGeografia e Estatística (IBGE).
Uma decisão judicial recente aumentou a urgênciaebetdefinições sobre esse tema: a Uber foi condenada a pagar uma indenizaçãoebetR$ 1 bilhão e a contratar formalmente os motoristas ligados ao aplicativo, segundo decisão que considerou que a empresa "se omitiu"ebetcumprir a legislação do trabalho. A Uber informou que vai recorrer (entenda mais aqui).
Em entrevista à BBC News Brasil, o diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil, Vinícius Pinheiro, defendeu a necessidadeebetregulação do trabalhoebetplataformas e disse que novas regras não afastariam empresas do país.
“Claro que é necessário um ambiente favorável à inovação, mas não vejo a regulação e a adequação às necessidades humanas como barreiras. Pelo contrário. A tecnologia tem que servir às pessoas, e não as pessoas servirem à tecnologia”, disse Pinheiro.
*Nome fictício para proteger a identidade do entrevistado.