A tensão gerada pelo avanço da mineração chinesa ao redor do mundo para produçãotecnologia verde:
Há apenas 10 anos, uma empresa chinesa comprou a primeira participação do paísum projetoextração dentro do chamado “triângulo do lítio” — formado por Argentina, Bolívia e Chile, que juntos detêm a maior parte das reservas mundiaislítio.
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Seguiram-se muitos outros investimentos chinesesoperações locaismineração,acordo com publicações do setor, relatórios corporativos, governamentais e reportagens da imprensa.
A BBC calcula que, com base nas suas participações, as empresas chinesas controlam agora cerca33% do lítioprojetos que atualmente produzem o mineral ou estãofaseconstrução.
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Mas à medida que as empresas chinesas se expandiram, enfrentaram denúnciasabusos semelhantes às que são feitas com frequência contra outros gigantes da mineração internacionais.
Para Ai Qing, o protesto com a queimapneus foi um duro despertar. Ela esperava levar uma vida tranquila na Argentina, mas se viu envolvida na mediaçãoconflitos devido ao seu conhecimentoespanhol.
“Não foi fácil”, diz ela.
“Além da língua, temos que apaziguar muitas coisas, como a forma como a administração pensa que os funcionários são simplesmente preguiçosos e dependentes demais do sindicato, e como os moradores locais pensam que os chineses estão aqui apenas para explorá-los.”
A Unidade GlobalChina da BBC identificou pelo menos 62 projetosmineraçãotodo o mundo, nos quais empresas chinesas têm participação, que se destinam a extrair lítio ou um dos outros três minerais essenciais para tecnologias verdes: cobalto, níquel e manganês.
Todos são usados para fabricar bateriasíon-lítio — usadasveículos elétricos — que, assim como os painéis solares, são agoraalta prioridade a nível industrial para a China. Alguns projetos estão entre os maiores produtores destes minerais no mundo.
A China é há muito tempo líder no refinamentolítio e cobalto — e teve uma participação72% e 68%, respectivamente, no seu fornecimento global2022,acordo com a Chatham House, uma consultoria e centropesquisaLondres.
A capacidaderefinar estes e outros minerais críticos ajudou o país a fabricar mais da metade dos veículos elétricos vendidostodo o mundo2023, deter 60% da capacidade globalproduçãoturbinas eólicas e controlar pelo menos 80%cada etapa da cadeiafornecimentopainéis solares.
O papel da China no setor tornou estes produtos mais baratos e mais acessíveis a nível mundial.
Mas não é só a China que vai terextrair e processar os minerais necessários à economia verde. A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que, se o mundo quiser atingir a metaemissões líquidas zerogases causadores do efeito estufa até 2050, o seu uso precisa aumentarseis vezes até 2040.
Enquanto isso, os EUA, o Reino Unido e a União Europeia desenvolveram estratégias para reduzirdependência dos fornecimentos chineses.
À medida que as empresas chinesas intensificaram suas operaçõesmineração no exterior, as denúnciasproblemas causados por estes projetos vêm aumentando.
A ONG Business & Human Rights Resource Centre afirma que tais problemas "não são exclusivos da mineração chinesa", mas no ano passado publicou um relatório listando 102 denúncias feitas contra empresas chinesas envolvidas na extraçãominerais críticos, que vão desde violações dos direitos das comunidades locais a condiçõestrabalho precárias e danos aos ecossistemas.
Estas denúncias datam2021 e 2022. E a BBC contabilizou mais40 denúncias adicionais feitas2023, divulgadas por outras ONGs ou pela imprensa.
Moradoresdois países,lados opostos do mundo, também nos contaram suas histórias.
Nos arredoresLubumbashi, no extremo sul da República Democrática do Congo, Christophe Kabwita lidera o movimentooposição à minacobaltoRuashi, que pertence ao Jinchuan Group desde 2011.
Ele diz que a mina a céu aberto, localizada a 500 metros da porta dacasa, prejudica a vida das pessoas ao usar explosivos para detonar a rocha duas ou três vezes por semana. As sirenes soam quando as explosões estão prestes a começar, como um sinal para que todos parem o que estão fazendo e se protejam.
“Qualquer que seja a temperatura, faça chuva ou haja um vendaval, temossair das nossas casas e ir para um abrigo perto da mina”, afirma.
Segundo ele, isso se aplica a todos, incluindo pessoas doentes e mulheres que acabaramdar à luz, uma vez que nenhum outro lugar é considerado seguro.
Em 2017, uma adolescente chamada Katty Kabazo teria sido morta por uma rocha desprendidauma explosão quando voltava da escola para casa, enquanto outros fragmentosrocha teriam feito buracos nas paredes e telhadoscasas na região.
Uma porta-voz da minaRuashi, Elisa Kalasa, reconheceu que “uma jovem estava naquela área — ela não deveria estar lá e foi atingida pelas rochas voadoras”.
Ela acrescentou que desde então “melhoramos a tecnologia, e agora usamos o tipodetonaçãoque não há mais rochas voadoras”.
Mas a BBC conversou com um gerenteprocessamento da empresa, chamado Patrick Tshisand, que pareceu dar um panorama diferente.
“Se mineramos, usamos explosivos. Explosivos podem causar rochas voadoras, que podem acabar na comunidade, porque a comunidade está muito perto da mina... então tivemos vários acidentes como esse”, ele disse.
Kalasa também informou que entre 2006 e 2012 a companhia indenizou mais300 famílias para se mudarem para longe da mina.
Na remota IlhaObi, na Indonésia, uma minapropriedade conjunta da empresa chinesa Lygend Resources and Technology e da gigante da mineração indonésia Harita Group, engoliu rapidamente as florestas ao redor do vilarejoKawasi.
Jatam, um supervisor local da mineração, conta que os moradores têm estado sob pressão para aceitar uma indenização do governo e se mudar. Dezenasfamílias se recusaram, alegando que o dinheiro oferecido está abaixo do valormercado. Como resultado, alguns dizem que foram ameaçados com processos judiciais por supostamente atrapalhar um projetoimportância estratégica nacional.
Jatam afirma que florestas antigas foram derrubadas para dar lugar à mina — e eles documentaram como os rios e o oceano foram preenchidos com sedimentos, poluindo o que antes era um ambiente marinho intocado.
“A água do rio agora é imprópria para consumo, está muito contaminada, e o mar, que geralmente é azul claro, fica vermelho quando chove”, diz Nur Hayati, uma professora que mora no vilarejoKawasi.
Soldados indonésios foram enviados para a ilha no intuitoproteger a mina e, quando a BBC visitou a região recentemente, tinha havido um aumento notável da presença militar.
Jatam conta que os soldados estão sendo usados para intimidar e até mesmo agredir pessoas que se manifestam contra a mina. Nur diz que acomunidade sente que o Exército está lá para “proteger os interesses da mina, e não o bem-estar do seu próprio povo”.
O porta-voz dos militaresJacarta, capital da Indonésia, disse que as acusaçõesintimidação "não podem ser provadas" — e que embora os soldados estivessem lá para "proteger a mina", não estavam lá para "interagir diretamente com os moradores locais".
Em comunicado, ele afirmou que a realocação dos moradores para dar lugar à mina foi supervisionada pela políciaforma "pacífica e tranquila".
Nur estava entre um grupomoradores que viajou para Jacarta,junho2018, para protestar contra o impacto da mina. Mas Samsu Abubakar, um representante do governo local, disse à BBC que não havia recebido reclamações por parte da população sobre danos ambientais.
Ele também compartilhou um relatório oficial que concluiu que o Harita Group estava “cumprindo com as obrigaçõesgestão e monitoramento ambiental”.
O próprio Harita Group nos disse que “segue rigorosamente práticas comerciais éticas e leis locais” — e está “trabalhando continuamente para abordar e mitigar quaisquer impactos negativos”.
A companhia alegou que não causou desmatamento generalizado, disse que monitorou a fonte localágua potável, e que testes independentes confirmaram que a água atendia aos padrõesqualidade do governo. Acrescentou ainda que não realizou açõesdespejo forçadas nem transações injustasterras e também não havia intimidado ninguém.
Há um ano, a câmara chinesacomérciometais e minerais, conhecida como CCCMC (na siglainglês), começou a criar um sistemareclamações, destinado a resolver queixas apresentadas contra projetosmineraçãopropriedade chinesa.
As próprias empresas “não têm capacidade — tanto cultural como linguística” para interagir com as comunidades locais ou organizações da sociedade civil, afirmaporta-voz, Lelia Li.
Mas este sistema ainda não está totalmente operacional.
Enquanto isso, parece certo que a participação da Chinaoperaçõesmineração no exterior vai aumentar.
Controlar um mercado estratégico não é apenas uma “jogada geopolítica”, também faz sentido do pontovista empresarial, avalia Aditya Lolla, diretor do programa para a Ásia do Ember, um think tank ambiental com sede no Reino Unido.
“As aquisições estão sendo feitas por empresas chinesas porque, para elas, tudo se resume ao lucro”, acrescenta.
Como resultado, trabalhadores chineses vão continuar a ser enviados para projetosmineração no mundo todo — e, para eles, estes projetos representam, na maioria das vezes, uma oportunidadeganhar um bom dinheiro.
É o casoWang Gang*,48 anos, que trabalha há 10 anosminascobalto, pertencentes à China, na República Democrática do Congo.
Ele mora no alojamento da empresa e faz suas refeições na cantina dos funcionários, trabalhando 10 horas por dia, sete dias por semana, com quatro diasfolga por mês.
Ele aceita ficar separado da família, que vive na província chinesaHubei, porque ganha mais do que conseguiriacasa. E também gosta dos céus claros e das florestas altas da República Democrática do Congo.
Ele se comunica com os trabalhadores locais nas minasuma misturafrancês, suaíli e inglês, mas diz:
"Raramente conversamos, exceto sobre assuntos relacionados ao trabalho."
Até mesmo Ai Qing, que fala fluentemente a língua do país anfitrião, interage pouco com os argentinos fora do trabalho.
Ela começou a sair com um colega chinês, e eles costumam conviver com outras pessoas como eles — que se aproximam por estar a milharesquilômetros longecasa.
Um ponto alto para ela é visitar as planíciessal nas Cordilheiras dos Andes, onde o lítio é extraído — e a vida é “tranquila”.
“Sempre sofro com o mal da altitude — não consigo dormir e não consigo comer”, diz ela.
"Mas eu gosto muitosubir até lá porque as coisas são muito mais simples, e não há política corporativa."
*Ai Qing e Wang Gang são pseudônimos.
Reportagem adicionalEmery Makumeno, Byobe Malenga e Lucien Kahozy.