A influência sombria na América Latinaempresa que levou ao termo 'república das bananas':
A Chiquita argumenta que começou a fazer os pagamentos depois que o então líder das AUC, Carlos Castaño, insinuou que os funcionários e ativos da empresa poderiam sofrer danos se o dinheiro não fosse entregue.
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Fim do Matérias recomendadas
A empresa afirmoucomunicado após o veredito deste mês que a situação na Colômbia era "trágica para muitos, incluindo aqueles diretamente afetados pela violência, e os nossos pensamentos permanecem com eles e com as suas famílias".
"No entanto, isso não muda a nossa crençaque não há base legal para estas reivindicações", acrescentou.
A BBC News Mundo, serviçonotíciasespanhol da BBC, entroucontato com a empresa para obter mais informações, mas não obteve resposta.
O pagamento a grupos paramilitares na Colômbia, país cuja justiça não condenou a empresa, é apenas um dos capítulos sombrios no histórico obscuro da empresa.
Um mercado inovador
A Chiquita Brands é "herdeira" da United Fruit Company, empresa fundada1899 que mudou o mundo com seu modeloproduçãobanana — e influenciou a política e economiavários países latino-americanos a pontopassarem a ser chamados"repúblicas das bananas".
O seu negócio consiste, há mais100 anos,levar bananas frescaspaíses produtores, que são necessariamente tropicais, à mesaconsumidores no mundo todo.
Nas palavrasPeter Chapman, autor do livro Bananas: How the United Fruit Company Shaped the World ("Bananas: Como a United Fruit Company moldou o mundo",tradução livre), a empresa foi a primeira das multinacionais modernas.
Representou, portanto, um passo fundamental na história do capitalismo.
A United Fruit Company construiu uma redevastas plantações que se estendia da Guatemala à Colômbia (passando por Honduras, El Salvador, Belize, Nicarágua, Costa Rica e Panamá) — e incluía ilhas caribenhas como Cuba e Jamaica.
Sua capacidadeoperação superavamuitos casos a dos governos destes países.
"Ela podia usartecnologia,experiência, para operaráreas onde outros não conseguiam ir", diz Chapman à BBC News Mundo.
Como empregadoramilharespessoas, proprietáriamilhareshectaresterra e aliada do governo dos EUA quando necessário, a United Fruit Company era capazinfluenciar na geraçãoestabilidade ou instabilidade.
Décadas antesfinanciar os paramilitares, a empresa desempenhou um papel central no chamado massacre das bananeiras1928, também na Colômbia, e no golpeEstado na Guatemala1954.
Embora tenha passado por uma grave crisemeados dos anos 1970, sobreviveu mudandoproprietário — e hoje a Chiquita Brands vende toneladasbananas com adesivos azuissupermercados do mundo todo.
Como tudo começou
Antesse tornar um magnata do setorbanana, Minor Keith, fundador da United Fruit Company, era um empresário ferroviário.
"Ele só se interessou por bananas quando percebeu que os trabalhadores jamaicanos que ele havia levado para a Costa Rica para construir a ferrovia haviam levado consigo uma produçãopequena escalabananas para se alimentarem", diz o jornalista e escritor Peter Chapman.
"Então Keith, que estava com problemas financeiros para construir a ferrovia, pensou que poderia vender banana nos Estados Unidos."
A partir1873, ele começou a fazer experiências com a produção e transportebananas.
Naquela época, levar uma banana da Costa Rica para Nova York sem apodrecer era uma façanha. Não existiam barcos com sistemarefrigeração.
"Era um luxo, essa fruta doce e tão boa, vinhamuito longe e você podia comer o ano todo", explica Chapman.
Keith "começou a usar a produção e distribuiçãobanana como formaapoiar seu grande projetoconstruçãouma ferrovia na Costa Rica", e começou a fazer issogrande escala.
Em 1899, fez uma fusão com outra empresa que dominava o mercadobanana na Jamaica, e nasceu a United Fruit Company.
As repúblicas das bananas
Quando percebeu que poderia ganhar dinheiro com bananas, Keith começou a negociar com o governo da Costa Rica para dar a ele terrenos baldios longe do centropodertroca da promoçãoavanços tecnológicos einfraestrutura nessas áreas, afirma Chapman.
Assim nasceu o seu modeloatuação, que posteriormente expandiu para outros países da América Central e parte da costa atlântica da Colômbia.
"De repente, a empresa acabou acumulando um poder considerável, e se tornou quase um governo autônomo. Embora estivesse fazendo coisas que o governo considerava muito úteis, era quase um Estado dentroum Estado", diz o escritor à BBC News Mundo.
Trinta anos depois, conforme conta a historiadora Catherine LeGrand no livro Nueva HistoriaColombia ( "Nova História da Colômbia",tradução livre), a United Fruit Company possuía mais1 milhãohectares, havia construído mais2,4 mil quilômetrosferrovias e contava com 90 barcos a vapor, conhecidos como Grande Frota Branca, que transportavam bananas para os Estados Unidos e a Europa.
"As exportaçõesbanana chegaram a 65 milhõescachos por ano", diz LeGrandseu livro.
A empresa tinha o monopólio quase total do mercado da fruta.
Este poder econômico abriu as portas para a empresa influenciar o poder político.
"Havia muito espaço para a corrupção, no sentidoque podiam sempre subornar a autoridade central, ou podiam favorecer um candidato presidencialdetrimentooutro, tinham o dinheiro e os recursos para chegar ao centro do poder", diz Chapman, que foi correspondente da BBC e do jornal britânico The Guardian na América Central e no Caribe.
Ou seja, a empresa costumava ter influência e uma relação amigável com o governo — mas isso podia mudaracordo com seus interesses, como aconteceu no golpeEstado na Guatemala1954, do qual vamos falar mais adiante.
A United Fruit Company era "a representante por excelência do imperialismo americano na América Latina", pois tinha "o governo local no bolso, controlava a economia local dos países onde operava, e explorava duramente os trabalhadores das plantações", escreveu o historiador Marcelo Bucheliartigo na revista The Business History Review.
Autores como Miguel Ángel Asturias e Gabriel García Márquez ecoaram esta situaçãosuas obras.
Algumas das chamadas "repúblicas das bananas" nem sequer eram grandes produtorasbanana, diz Chapman.
Não era uma grande indústria na Nicarágua ouEl Salvador, por exemplo. Mas o sistema político ali também estava corrompido na época por poderosas forças externas.
E, acrescenta Chapman, não devemos esquecer que banana no mundolíngua inglesa é algo como insano ou extremamente bobo, então "república das bananas" é um termo pejorativo.
De qualquer forma, a United Fruit Company levou ferrovias e serviços que antes não existiam para áreas remotas da América Central.
"Por exemplo, a única ferrovia que existiu durante muito tempoHonduras foi a construída pela United Fruit Company, e que provia a área ao redorsuas plantações na longínqua costa atlântica", observa Chapman.
Mas esses benefícios só eram proporcionados quando e onde era conveniente para a empresa.
Chapman conta, por exemplo, queHonduras a empresa pedia periodicamente ao governo mais terras para cultivar bananastrocaampliar a ferrovia até Tegucigalpa, mas nunca cumpriu o acordo porque não havia plantações na regiãoTegucigalpa.
"A empresa provia quando era conveniente. E quando não era, havia confusão e disputas", acrescenta o escritor à BBC News Mundo.
O massacre das bananeiras
As condiçõestrabalho nas plantações da United Fruit Company eram precárias.
Embora a empresa oferecesse uma oportunidadeemprego como nenhuma outra a milharesagricultores e,alguns casos, oferecesse salários elevados para atrair mãoobra, não contratava seus trabalhadores diretamente, mas por meioterceiros.
Além disso, os funcionários eram pagos por dia — e nem sempre havia trabalho para todos. Muitos acabavam se endividando com a mesma empresa, e as condiçõessalubridade nas moradias das plantações eram péssimas.
"Não havia ventilação, água potável, chuveiros ou privadas", relatou a historiadora Catherine LeGrand.
Na Colômbia, os trabalhadores entraramgreve1910, 1918 e 1924. Mas a greve1928 teve outra dimensão.
“Em 12novembro1928, eclodiu uma grande greve na região bananeiraSanta Marta, uma grevemassa nunca vista antes na Colômbia. Mais25 mil trabalhadores das plantações se recusaram a cortar as bananas", conforme documentado por LeGrand.
Durante um mês, a produção e exportaçãobanana foi totalmente interrompida, enquanto os trabalhadores pediam à empresa para negociar uma sériereivindicações.
A United Fruit Company decidiu apelar ao governo conservador da época, que respondeu ficando do lado da empresa.
Primeiro enviou três batalhões para as plantações, prendeu dezenasgrevistas e, por fim, veio o massacre.
"A greve terminou com um banhosangue: na noite5dezembro, soldados colombianos dispararam contra uma reunião pacíficamilharesgrevistas, matando e ferindo muitos", escreveu LeGrandseu livro.
Um documento enviado pela embaixada dos Estados UnidosBogotá ao então SecretárioEstado registrou o ocorrido: "Tenho a honrainformar que o representante da United Fruit CompanyBogotá me disse ontem que o número totaltrabalhadoresgreve mortos pelo Exército colombiano passoumil".
O golpeEstado na Guatemala1954
Vinte e cinco anos depois, a ingerência da United Fruit Company na política latino-americana foi mais longe do que nunca: a CIA, agênciainteligência americana, orquestrou um golpe militar contra o então presidente da Guatemala, Jacobo Árbenz, para proteger os interesses da empresabananas.
De acordo com documentos oficiais, foi uma operação secreta chamada internamente na CIAPBSUCCESS.
"A situação era que a United Fruit Company havia se acostumado a trabalhar com governos centrais complacentes, e chegou um novo regime liberal, o governoÁrbenz, um militar", diz Chapman.
"O governo disse a eles: 'Olha, vocês têm um excedente desproporcional e extraordinárioterras, e a Guatemala tem um grande excedentecamponeses sem terra'."
Segundo Catherine LeGrand, a empresa utilizava1930 pouco mais5% das terras que possuíatoda a região para cultivar bananas.
Árbenz conseguiu aprovar um decreto que permitia desapropriar terras ociosas, e começou assim a realizarreforma agrária, tirando terras da United Fruit Company para entregar aos camponeses.
Nos Estados Unidos, estavavigor o chamado macarthismo, que perseguia ferozmente as pessoas "suspeitas"serem comunistas.
"A United Fruit Company era muito amiga do pessoal do governo republicano da época (de Dwight Eisenhower). Os irmãos John Foster Dulles, secretárioEstado, e Alan Dulles, diretor da CIA, já haviam sido advogados da United Fruit Company", acrescenta.
A empresa aproveitou esta proximidade para denunciar o governoÁrbenz para Washington, sob a acusaçãoser comunista alinhado com a União Soviética.
As autoridades dos EUA lançaram então uma operação que incluiu bombardeios para derrubar à força o presidente Árbenz, e colocarseu lugar Carlos Castillo Armas, um militar que estava exiladoHonduras.
O novo governo colocou na ilegalidade o Partido Trabalhista da Guatemala, as associações e os sindicatos do país. As terras que haviam sido distribuídas foram devolvidas à United Fruit Company.
Esta colaboração entre a empresa e a CIA também ocorreuoutros momentos, como quando, conforme revelou anos mais tarde um alto funcionário, a empresa emprestou alguns dos seus barcos para a invasão da Baía dos Porcos,Cuba, que tinha como objetivo derrubar Fidel Castro1961.
Chiquita Brands e os pagamentos a paramilitares
Durante os anos 1970, a empresa que durante décadas foi a pontalança do capitalismo multinacional entrouuma crisetamanha proporção que Eli M. Black, seu então presidente, cometeu suicídio se jogando do escritórioum arranha-céuManhattan.
"O golpeEstado na Guatemala levou até certo ponto àderrocada", diz Peter Chapman à BBC News Mundo.
De acordo com ele, certas figuras no centro do poder americano começaram a argumentar, após a quedaÁrbenz, que "a United Fruit Company estava dando razões para as pessoas serem comunistas",vezcombater o comunismo.
A empresa começou a perder a reputação que tinha.
E ao mesmo tempo, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá se uniram na tentativaformar um cartelpaíses exportadoresbanana para conseguir um maior podernegociação com a United Fruit Company.
Chapman afirma que, após a morteBlack, foi descoberto que ele havia tentado subornar o governo militarHonduras.
"Ele havia calculado que, no momentonecessidadeque o país se encontrava depois do furacão Fifi1974, um pequeno incentivoUS$ 1,25 milhão poderia encorajá-los a retirar Honduras do cartel da banana que havia declarado guerra à United Fruit Company", diz o autorseu livro.
A empresa perdeu o monopólio, e passou a operarforma mais discreta.
Em 1990, a empresa foi renomeada como Chiquita Brands International.
Chiquita era a marca que eles colocavam há décadas nas suas bananas.
Pouco depois vieram os pagamentos que a empresa fez às Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), pelos quais a Justiça americana concluiu neste mês que a companhia era responsável por oito assassinatos, entre 1997 e 2004.
Segundo o relatório da Comissão da Verdade da Colômbia, os pagamentos "eram revisados e aprovados pelos altos executivos da empresa", e a Chiquita "sabia da natureza violenta da referida organização".
Apesar do histórico obscuro, a Chiquita afirma ser "a marcabanana preferida dos consumidores".
Segundo o bancodados Pitchbook, a companhia conta com cerca18 mil funcionários, eatual sede fica na Suíça.
Após 125 anos dafundação, é uma empresa reconhecida por ter marcado definitivamente a história econômica mundial, mas também por ter usado seu poderalgumas ocasiões para alimentar a violência na América Latina, como concluiu neste mês o TribunalJustiça da Flórida.