Como o próximo supercontinente da Terra vai se formar:
O que Mercator não sabia é que os continentes nem sempre foram organizados desta maneira. Ele viveu cerca400 anos antesa teoria das placas tectônicas ser confirmada.
Ao olhar para a posição dos sete continentesum mapa, é fácil supor que são fixas. Durante séculos, os seres humanos têm travado guerras e selado acordospaz para conquistar esses territórios, supondo que a terra deles — eseus vizinhos — sempre esteve e sempre estará lá.
Da perspectiva da Terra, no entanto, os continentes são folhas à derivaum lago. E as preocupações humanas são uma gotachuva na superfície da folha.
Os sete continentes já estiveram reunidosuma única massa, um supercontinente chamado Pangeia. E, antes disso, há evidênciasoutros que remontam a maistrês bilhõesanos: Panótia, Rodinia, Columbia/Nuna, Kenorland e Ur.
Os geólogos sabem que os supercontinentes se dispersam e se juntamciclos: estamos na metadeum agora.
Então, que tiposupercontinente poderia existir no futuro na Terra? Como as massas terrestres que conhecemos hoje vão se reorganizar no longo prazo?
Há pelo menos quatro trajetórias diferentes possíveis pela frente. E elas mostram que os seres vivos da Terra um dia residirãoum planeta muito diferente, que mais parece um mundo alienígena.
Para o geólogo João Duarte, da UniversidadeLisboa,Portugal, o caminho para explorar os futuros supercontinentes da Terra começou com um evento incomum no passado: um terremoto que sacudiu Portugal numa manhãsábadonovembro1755.
Foi um dos terremotos mais poderosos registrados nos últimos 250 anos, com um total60 mil mortos e provocando um tsunami no Oceano Atlântico. Mas o que fez dele particularmente estranho foilocalização.
"Não deveria haver grandes terremotos no Atlântico", diz Duarte. "Foi estranho."
Terremotos dessa magnitude geralmente acontecem(ou perto de) grandes zonassubducção,que as placas oceânicas mergulham sob os continentes, sendo derretidas e consumidas no manto quente. Envolvem colisão e destruição.
O terremoto1755, no entanto, aconteceu ao longouma borda "passiva",que a placa oceânica subjacente ao Atlântico se transforma suavemente nos continentes da Europa e da África.
Em 2016, Duarte e seus colegas propuseram uma teoria para o que poderia estar acontecendo: as "costuras" entre estas placas podem estar se desfazendo e uma grande ruptura pode estar se aproximando.
"Pode ser uma espéciemecanismo infeccioso", explica. Ou como o vidro se fragmentando entre dois pequenos orifícios no para-brisaum carro.
Se for isso mesmo, uma zonasubducção poderia estar prestes a se espalhar do Mediterrâneo ao longo da África Ocidental e talvez até a Irlanda e o Reino Unido, gerando vulcões, formaçãomontanhas e terremotos nessas regiões.
Duarte percebeu que, se isso acontecer, pode levar, num futuro distante, ao fechamento do Atlântico. E se o Pacífico continuar a encolher também — o que já está acontecendo ao longo do "AnelFogo" que o rodeia —, um novo supercontinente acabaria se formando.
Ele o chamouAurica, porque as antigas massasterra da Austrália e das Américas ficariamseu centro.
Seria algo assim:
Depois que Duarte publicouproposta sobre a Aurica, ele se perguntou sobre outros cenários futuros. Afinal, anão era a única trajetóriasupercontinente que os geólogos haviam proposto.
Ele começou então a conversar com o oceanógrafo Matthias Green, da UniversidadeBangor, no PaísGales. Os dois perceberam que precisavamalguém com habilidades computacionais para criar modelos digitais.
"Essa pessoa tinha que ser alguém um pouco especial, que não se importasseestudar algo que nunca aconteceriaescalastempo humanas", explica.
Acabou sendocolega Hannah Davies, outra geóloga da UniversidadeLisboa.
"Meu trabalho consistiatransformar desenhos e ilustraçõesgeólogos do passadoalgo quantitativo, georreferenciado eformato digitalizado", diz Davies.
A ideia era criar modelos que outros cientistas pudessem desenvolver e aperfeiçoar.
Mas não foi simples. "O que nos deixava nervosos é que é um tema incrivelmente blue sky (em que as aplicações do "mundo real" não são imediatamente aparentes). Não é o mesmo que um artigo científico comum", afirma Davies.
"Queríamos dizer: 'Ok, entendemos muito sobre as placas tectônicas depois40 ou 50 anos (de pesquisas científicas). E entendemos muito sobre a dinâmica do manto e todos os outros componentes do sistema. Até onde podemos levar esse conhecimento para o futuro?'"
Isso levou a quatro cenários. Alémdelinear uma imagem mais detalhada da Aurica, eles exploraram três outras possibilidades, cada uma delas projetando o futuro cerca200 a 250 milhõesanos a partiragora.
A primeira foi o que poderia acontecer se o status quo continuar: o Atlântico permanece aberto, e o Pacífico fecha. Nesse cenário, o supercontinente que se formará vai se chamar Novopangeia.
"É o mais simples e mais plausível com base no que entendemos agora", diz Davies.
No entanto, também pode haver eventos geológicos no futuro que levem a arranjos diferentes.
Um exemplo é um processo chamado "ortoversão",que o Oceano Ártico se fecha, e o Atlântico e o Pacífico permanecem abertos.
Isso muda as orientações dominantes da expansão tectônica, e os continentes se movem para o norte, todos dispostos ao redor do Polo Norte, exceto a Antártida.
Neste cenário, um supercontinente chamado Amásia se forma:
Finalmente, também é possível que a expansão do fundo do mar no Oceano Atlântico possa desacelerar. No meio do oceano, há uma crista gigante que divide duas placas, atravessando a Islândia até o Oceano Antártico. Aqui, uma nova litosfera está se formando, como uma esteira rolante.
Se essa expansão diminuir ou parar, e se uma nova bordaplacassubducção se formar ao longo da costa leste das Américas, teremos um supercontinente chamado Pangeia Ultima, que parece um enorme atol:
Estes quatro modelos digitais agora significam que os geólogos têm uma base para testar outras teorias.
Por exemplo, os cenários podem ajudar os cientistas a entender os efeitosdiferentes arranjos supercontinentais nas marés, assim como no clima num futuro distante — como seria o climaum mundo com um enorme oceano e uma massa terrestre gigante?
Para simular o climaum supercontinente, "não dá para usar os modelos do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], porque não foram feitos para isso", diz Duarte.
"Você não consegue mudar as variáveis que precisa mudar (para uma simulação do tipo)."
As simulações dos futuros supercontinentes da Terra também podem servir como um indicador para compreender o clima dos exoplanetas.
"A Terra do futuro é completamente alienígena", diz Davies. "Se você estivesseórbita sobre a Aurica, ou a Novopangeia, provavelmente não reconheceria como sendo a Terra, mas sim outro planeta com cores semelhantes."
Essa ideia levou o trio a colaborar com Michael Way, físico do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, a agência espacial americana. Ele e seus colegas se dedicam a estudar climasmundos alienígenas por meiosimulações das variações do nosso ao longo do tempo.
"Não temos tantos exemploscomo pode ser um clima temperado. Bem, temos um exemplo para ser honesto: a Terra, mas temos a Terra ao longo do tempo", diz Way.
"Temos os cenários do passado, mas ao avançar para o futuro e usar estes maravilhosos modelos tectônicos para o futuro, isso nos dá outra combinação para adicionar à nossa coleção."
Você precisa desses modelos porque pode ser difícil saber o que procurar ao analisarlonge exoplanetas potencialmente habitáveis.
Idealmente, você quer saber se um planeta tem um ciclosupercontinente, porque a presençavida e placas tectônicas ativas podem estar entrelaçadas. O arranjo continental também poderia afetar a probabilidadehaver águaestado líquido.
Através das lentes dos telescópios, não dá para ver os continentes, e a composição atmosférica só pode ser inferida. Assim, modelosvariações climáticas poderiam revelar algum sinal indireto que os astrônomos poderiam detectar.
A simulaçãoWay dos climas dos supercontinentes — que levou meses usando um supercomputador — revelou algumas variações impressionantes entre os quatro cenários.
A Amásia, por exemplo, levaria a um planeta muito mais frio do que o resto. Com a terra concentradatorno do Polo Norte, e os oceanos menos propensos a transportar correntes quentes para latitudes mais frias, as camadasgelo se acumulariam.
O clima na Aurica,contrapartida, seria mais ameno, com o interior seco, mas costas parecidas com as do Brasilhoje, com mais águaestado líquido.
É útil saber tudo isso porque se um exoplaneta semelhante à Terra tem placas tectônicas, não saberemosque etapa do ciclo do supercontinente se encontra atualmente e, por isso, precisaremos saber o que procurar para inferirhabitabilidade.
Não devemos supor que as massas terrestres vão se dispersar, no meio do ciclo, como as nossas.
Quanto ao futuro do nosso próprio planeta, Davies reconhece que os quatro cenáriossupercontinentes que eles simularam são especulativos, e pode haver surpresas geológicas imprevistas que mudem o resultado.
"Se eu tivesse uma máquina do tempo para ver, não ficaria surpresa se,250 milhõesanos, o supercontinente não se parecessenada com nenhum desses cenários. Há muitos fatores envolvidos", diz ela.
No entanto, o que se pode dizer com certeza é que as massas terrestres que damos hoje como certas um dia vão se reorganizaruma configuração inteiramente nova.
Países que outrora estiveram isolados uns dos outros, serão vizinhos próximos. E se a Terra ainda abrigar seres inteligentes, eles poderão viajar entre as antigas ruínasNova York, Pequim, Sydney e Londres sem nunca ver um oceano.
- Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future .
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