Por que comer é tão caro para quem tem alergia alimentar:
A doença celíaca é uma reação autoimune às proteínas encontradas no trigo, cevada e centeio. Isso não é o mesmo que uma intolerância ao glúten. Indivíduos diagnosticados com ela sofrem danos intestinais e, se não for identificada e gerenciada corretamente, a doença celíaca pode ser um precursor do câncer.
A reação das pessoas para quem conto sobre minha nova dieta sem glúten, por indicação médica, é sempre algo como: "Pelo menos você tem tantas opções sem glúten agora!".
E embora nunca haja um bom momento para se ter uma alergia alimentar, eles têm razão: a crescente conscientização sobre alergias alimentares levou a uma maior variedadeopções. Há nas prateleiras leitenozes sem lactose, cerveja sem glúten e biscoitos sem nozes. Muitos mercados hoje têm seções inteirasprodutos "livres de".
No Reino Unido, esse mercado conhecido como "free form" cresceu mais133% nos últimos cinco anos. Estimativas apontam que ele movimentou US$ 1 bilhão (R$ 3,9 bilhões)2018.
Apesar da crescente onipresença das ofertas "livres de", manter uma dieta especial para quem tem alergias alimentares, intolerâncias e reações autoimunes não é barato. Analisando especificamente os alimentos sem glúten, um estudo2018 no Reino Unido mostrou que alguns itens custam,média, 159% a mais do que os convencionais.
Meus próprios gastos no supermercado dispararam: um sacopalitospretzel pelos quais costumava pagar no máximo US$ 3 (R$ 11,60) agora custa US$ 4,50 (R$ 17,40) na versão sem glúten; gastava cercaUS$ 2,50 (R$ 9,60) com pãoforma e, hoje, pago US$ 4,50 (R$ 17,40) por um congelado sem glúten; e o macarrãoUS$ 0,99 (R$ 3,80) que costumava estocar na despensa agora giratornoUS$ 4,50 (R$ 17,40). Se jantar fora, não posso escolher pelo preço - tenho que pedir a única opção sem glúten, mesmo que seja um dos pratos mais caros (como geralmente é).
Há, é claro, muito outros custos associados a uma alergia alimentar. Em 2012, pesquisadores da Associação Médica Americana entrevistaram 1.643 cuidadorescrianças com alergias alimentares e descobriram que seus pais gastam US$ 4,184 (R$ 16 mil) a mais com a criança por ano.
Os pesquisadores concluíram que o tratamento para as estimadas 8%crianças americanas com alergias alimentares totalizou quase US$ 25 bilhões (R$ 96,75 bilhões) por ano. Desse número, os custos médicos pagos do próprio bolso (incluindo copagamentos a médicos, hospitais e medicamentos como injeçõesepinefrina), bem como creches e dietas especiais, totalizaram US$ 5,5 bilhões (R$ 21,3 bilhões). No mesmo ano, pesquisadores finlandeses estimaram que o custo médio anual com gastos específicos com uma criança alérgica a alimentos foiUS$ 3,6 mil (R$ 14 mil).
É difícil encontrar dados concretos especificamente sobre o dinheiro gasto com alimentos "livres de". Ainda assim, esses custos extras são indispensáveis.
"Evitar o alimento desencadeante (ou alimentos) é fundamental para um autogerenciamento eficaz da alergia", diz Audrey DunnGalvin, que dirige o programaestudos infantis na Universidade College Cork, na Irlanda, e também ensina pediatria e doenças infecciosas infantis na Primeira Universidade Médica EstatalMoscou, na Rússia. "A ingestão acidental é comum e causa reações frequentes e, por vezes, letais."
Um estudoIllinois, nos Estados Unidos, mostrou que a hospitalização por anafilaxia induzida por alimentos, uma reação grave comum à exposição a alérgenos, disparou cerca30% entre 2008 e 2012 (independentementeraça, etnia e status socioeconômico do paciente).
O pico parece ser devido a um número crescentediagnósticosalergia alimentar, que,acordo com os Centros para Controle e PrevençãoDoenças dos Estados Unidos, aumentaram 50%crianças entre 1997 e 2011. Não está claro por que mais pessoas estão desenvolvendo alergias a alimentos, embora as teorias sejam abundantes.
Mas, para essas pessoas, dietas especiais não são uma questãopreferência, masvida ou morte.
Uma receita para preços mais altos
Os fabricantes, porvez, explicam que instalações dedicadas para alimentos "livres de" são muitas vezes carasse desenvolver e manter. "Cada ingrediente deve estar livrecontaminação, do campo para processamento à fábricaembalagens", diz DunnGalvin. Ela acrescenta que os fabricantes têm custos para implementar diretrizes rígidas. Depois que os produtos estão prontos, podem terfazer um recall ou lidar com um processo judicial se um consumidor passar mal.
Também é improvável que os fabricantesalimentos consigam explorar uma economiaescala para produtos "livres de".
"A fabricaçãoalimentos para dietas especiaisgrandes quantidades não é necessariamente fácil", diz Miranda Mugford, professoraeconomia da saúde da EscolaMedicina da UniversidadeEast Anglia, na Inglaterra. "Isso mantém os preços elevados, porque os altos custos fixosfabricação não podem ser distribuídos entre muitas vendas."
Além disso, embora possa parecer contraintuitivo, muitos alimentos isentosalérgenos contêm mais ingredientes do que suas versões regulares. Por exemplo, a Associação NacionalFabricantesFarinha Britânicos e Irlandeses explica que um pão sem glúten pode ter mais20 ingredientes emreceita, principalmente para compensar a faltatrigo. Esses ingredientes geram um custo duas a três vezes maior do que oum pão convencional.
Em alguns casos, novos ingredientes e substitutos começaram a aparecer na formulaçãoalimentos "livres de". "As inovações, incluindo novos tiposfarinha, levaram os produtos sem glúten praticamente ao nívelseus equivalentes com glúten", escreve o analistaalimentos e bebidas da consultoria Mintel, William Roberts Jr.
No entanto, embora o pão sem glúten possa ter melhoradosabor, o mesmo não aconteceu com os preços desse tipoproduto.
O impacto da baixa oferta
Para 64% dos consumidores, o preço é um dos dois principais fatorescompraalimentos,acordo com uma pesquisa2018 da ONG International Food Information Council Foundation.
Quem tem alergias alimentares é tão sensível a preços quanto outros consumidores - talvez até mais "devido ao fatoque muitos deles também estão gastando com medicamentos", diz Robyn O'Brien, ex-analista da indústriaalimentos e autora do livro The Unhealthy Truth ('A Verdade Não Saudável',tradução livre).
Ainda assim, pessoas alérgicas a alimentos raramente têm o luxofazer escolhas alimentares com base no preço. O mesmo estudo que analisou o custo total dos alimentos sem glúten também mostrou que os cereais para celíacos erammédia 205% mais caros, e os produtospadaria, 267%. Não são apenas alimentos sem glúten que esvaziam a carteira: na Finlândia, o leitevaca mostrou ser a alergia alimentar mais cara.
DunnGalvin cita uma pesquisa que diz que indivíduosbaixa renda podem ter maior dificuldade para acessar alimentos livresalérgenos. "Os custos representaram barreiras que foram percebidas como especialmente salientes para os trabalhadores pobres, imigrantes, jovens que vivem na pobreza e usuáriosbancosalimentos", diz ela.
As comunidades rurais e aquelas com poucas opçõescompras também sentem o aperto. Analisando especificamente os alimentos sem glúten, os pesquisadores do Reino Unido observaram que 82% dos alimentos para celíacos eram "vendidos online significativamente mais caros se comparados com os supermercados comuns" e concluíram que o "desertocomida (termo que define uma área, especialmente com moradoresbaixa renda, que tem acesso limitado a alimentos acessíveis e nutritivos)lojasconveniência e supermercados econômicos continuará a impactar desproporcionalmente grupos socioeconômicos, idosos e deficientes físicos".
Os fabricantesbensconsumo embalados estão conscientes das disparidadespreço para alimentosdietas especiaisrelação às suas versões tradicionais, diz O'Brien. Apesar das limitações da indústria, ela diz que preços são elásticos, sujeitos a oferta e demanda, o que significa que provavelmente vão cair no futuro.
"À medida que o mercado crescer, o setor irá além da mercearia e dos restaurantes", diz ela. A especialista observa que grandes fabricantes internacionais, incluindo a Danone e a Nestlé, estão "capitalizando fórmulasprodutos 'livres de'". "A Nestlé Health Science diz que seus produtos livresalérgenos são algumassuas linhas que mais crescem."
DunnGalvin diz que outros fatores que podem reduzir os preços incluem melhores métodosprodução, testesalérgenos mais eficientes e maior conscientização dos consumidores que devem (ou desejam) seguir uma dieta especial.
Não posso dizer que algum dia vou gostarmassacouve-flor tanto quanto eu amava uma fatia da minha pizzaria favorita. Mas o crescimento da ofertaalimentos "livres de" me proporcionou - e a milhõesoutras pessoas que sofremalergia alimentar - certos alívios: saúde melhor, menos medocontaminação e esperançaainda mais progresso.
Apesar disso, talvez demore ainda muito tempo até que meu bolso sofra menos.
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Capital .
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