'Me senti como um caixão ambulante': as mulheres obrigadas a seguir com gravidez inviável nos EUA:roleta brasileiro

Mas, dessa vez, a imagem do monitor não trouxe boas notícias. "Ali só se via a cavidade, como um túmulo oco", conta ela. "Minha ginecologista ficouroleta brasileirosilêncio e entendi que algo ruim estava acontecendo."

A médica disse que parecia ser uma gravidez anembrionária, também conhecida como "ovo cego". Ela ocorre quando o embrião não se desenvolve ou pararoleta brasileirose desenvolver, é reabsorvido pelo organismo da mãe e deixa um saco gestacional vazio. Em outras palavras, uma gravidez sem o bebê.

A gravidez anembrionária costuma estar relacionada a alterações genéticas e é a principal causaroleta brasileiroaborto espontâneo, segundo o Colégio Americanoroleta brasileiroObstetrícia e Ginecologia (ACOG, na siglaroleta brasileiroinglês).

Stell esperava queroleta brasileiroseguida a médica fosse apresentar possíveis opções. Mas,roleta brasileirovez disso, ela conta que foi advertida que, "devido à lei dos batimentos que havia acabadoroleta brasileiroentrarroleta brasileirovigor no Texas", antesroleta brasileiropoder oferecer qualquer tratamento ou intervenção, era preciso apresentar uma segunda ecografia, como provaroleta brasileiroque aroleta brasileirogestação não era viável.

A normaroleta brasileiroquestão havia entradoroleta brasileirovigor no Texasroleta brasileiro1°roleta brasileirosetembroroleta brasileiro2021, apenas duas semanas antes daroleta brasileiroecografia e nove meses antes que a Suprema Corte dos Estados Unidos eliminasse o direito constitucional ao aborto no país, deixando a legislação sobre o assunto nas mãos dos Estados.

A lei texana é conhecida como a "lei dos batimentos", porque proíbe a interrupção da gestação se o médico conseguir detectar atividade cardíaca fetal — o que normalmente ocorre a partir da sexta semana, quando muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas.

Stell recorda a cena e ainda não consegue acreditar. "Não é que não se ouviam os batimentos, é que não havia sinal do bebê!"

A clínica que atendeu Stell esclareceu à BBC News Mundo que a lei que protege a confidencialidade dos pacientes não permite comentar sobre casos específicos, mas confirmou que ela "cumpre com a lei dos batimentos" e costuma pedir uma segunda ecografia para confirmar que o observado na primeira está correto e que não se trataroleta brasileiro"um falso negativo".

E, quando é confirmado que a gravidez é inviável, a clínica segue "o padrãoroleta brasileiroatendimento".

Stell afirma que ali começouroleta brasileiroodisseia particular para conseguir a retirada do conteúdo do útero com um procedimento cirúrgico e assim evitar possíveis infecções.

Curetagem, por favor!

O que ela pedia era um procedimentoroleta brasileirodilatação e curetagem, que consisteroleta brasileirodilatar o colo do útero e introduzir um instrumento para retirar qualquer tecido remanescente da gravidez que ainda estivesse retido ali.

Esse é um dos principais tratamentos para completar abortos espontâneos que ocorrem antes da 13ª semana. Outros métodos comuns são a conduta expectante (deixar que o corpo expulse o tecido por si próprio), a aceleração do processo com medicações e a eliminação por aspiração.

"Uma pessoa que passe por um aborto espontâneo deve poder escolher,roleta brasileiroconsulta com um médico, qual o tratamento adequado para ela", segundo a representante do ACOG Jennifer Villavicencio. O manual do ACOG também indica o mesmo procedimento.

Mas, depoisroleta brasileirorealizar a segunda ecografia, que confirmou a gravidez anembrionária, Stell afirma terem insistido para que ela esperasse seu corpo expulsar o conteúdo do útero, oferecendo uma receitaroleta brasileiromisoprostol, um remédio para acelerar esse processo.

"Mas, pela minha experiência com a gravidez anterior [seu corpo não expulsava o tecido uterino e a dor não a deixava caminhar], não me sentia segura com essa alternativaroleta brasileirofazê-lo sozinharoleta brasileirocasa e preferia que um médico fizesse no hospital", relata ela.

Por isso, Stell não usou o remédio e continuou procurando alguém que fizesse a curetagem. Até que conseguiu,roleta brasileirouma clínicaroleta brasileiroaborto, no dia 28roleta brasileirosetembro.

"Nessas duas semanas, me senti como um caixão ambulante", descreve Stell, "carregandoroleta brasileiroum lado para outro o que eu havia desejado que fosse um bebê, mas nunca havia sido".

Atrasos e ausênciaroleta brasileirotratamento

A mudança do panorama legal referente ao aborto nos EUA também está afetando o tratamento das mulheres que, como Stell, enfrentam gestações desejadas, mas inviáveis.

Os pacientes, médicos e organizações entrevistados pela BBC News Mundo indicam que o tratamentoroleta brasileiroabortos espontâneos incompletos,roleta brasileirogravidez ectópica — que se desenvolve fora do útero e é considerada perigosa — eroleta brasileirooutras complicações comuns está sendo postergado, questionado e até mesmo negado.

"O que realmente mudou é quem está cuidando do tratamento médico, porque (em alguns casos) nós, médicos, deixamosroleta brasileirofazê-lo por medoroleta brasileiroações na justiça, multas e possíveis condenações à prisão", segundo Amanda Horton, especialistaroleta brasileiromedicina materno-fetal e obstetraroleta brasileirocasosroleta brasileiroalto risco, que atende o Texas desde 2014.

A legislação daquele Estado permite que cidadãos processem qualquer pessoa que pratique ou ajude a praticar um aborto após a sexta semanaroleta brasileirogravidez. E as penas por realizar abortos aumentarão com outra lei que deve entrarroleta brasileirovigorroleta brasileiroquestãoroleta brasileirosemanas.

Um dos casos mais comuns que os especialistas vêm tratandoroleta brasileiroforma diferente com a mudança do panorama jurídico é a "ruptura prematura das membranas", segundo Horton.

"[A ruptura] ocorre quando a bolsa amnióticaroleta brasileirouma pessoa se rompe quando ela ainda não está grávida por tempo suficiente para que o feto possa sobreviver fora do útero", explica ela. Geralmente, o limite da viabilidade fetal é estabelecido entre cercaroleta brasileiro23 e 24 semanasroleta brasileirogravidez, embora não haja um consenso universal.

Quando isso acontece, o mais provável é que o trabalhoroleta brasileiroparto comeceroleta brasileiroquestãoroleta brasileirodias ouroleta brasileiroaté uma semana, embora a especialista indique que nem todos os casos progridem desta forma. E, sem o líquido amniótico, "aumenta o riscoroleta brasileiroinfecção, sangramento e atéroleta brasileiromorte fetal, que ocorre quando o bebê morre dentro do organismo da mãe".

Antes da lei dos batimentos, "o Texas tinha algumas regulamentações sobre quem poderia ou não receber essa opção e havia um procedimento a ser seguido, que incluía uma espera obrigatóriaroleta brasileiro24 horas — mas, se fosse uma gravidez suficientemente precoce e a paciente desejasse interrompê-la, ela podia", explica Horton.

"Mas, agora, a menos que haja sinaisroleta brasileiroinfecção ou início do trabalhoroleta brasileiroparto, não podemos oferecer essa opção porqueroleta brasileirovida não estároleta brasileirorisco naquele momento." A lei dos batimentos permite exceções no casoroleta brasileiroriscoroleta brasileiromorte da mãe.

Ela teve que dizer issoroleta brasileirojunho a uma mulher grávidaroleta brasileiro17 semanas que chegou, depoisroleta brasileirorompida a bolsa, à pequena clínica da zona rural do Texas onde ela atende.

Como o feto ainda tinha atividade cardíaca, depoisroleta brasileiroum períodoroleta brasileiroobservação eroleta brasileiroconstatar queroleta brasileirovida não corria risco naquele momento por faltaroleta brasileirosinaisroleta brasileiroinfecção, o hospital a mandou para casa, para esperar que aparecessem esses sinais ou começasse o trabalhoroleta brasileiroparto.

"Ela acabou cuidando do assunto com as próprias mãos e saiu do Estado para pôr fim à gestação", ela conta.

Médicos especialistasroleta brasileirogestaçõesroleta brasileiroalto risco comparam a forma com que esses casos são tratados — retardando qualquer intervenção —roleta brasileiroEstados com leis altamente restritivas sobre o aborto com fazer as mulheres subirem até o terraçoroleta brasileiroum arranha-céu, empurrá-las até a borda e agarrá-las no momentoroleta brasileiroque elas iriam cair do edifício.

"É uma forma muito perigosaroleta brasileiropraticar a medicina. Todos nós sabemos que alguma mulher irá morrer", indica um médico do Texas sob condiçãoroleta brasileiroanonimato.

Enquanto isso, as chamadas organizações pró-vida rejeitam a ideiaroleta brasileiroque as leis contra o aborto estejam prejudicando o tratamento da saúde materna. Elas garantem que o verdadeiro problema é a "desinformação" da imprensa e dos ativistas a favor do direitoroleta brasileiroescolha.

"Como alguém que sofreu episódiosroleta brasileirogravidez complicados, existe uma grande diferença entre os esforços médicos para tentar salvar a todos — a mãe e o feto — e trabalhar ativamente para provocar a morteroleta brasileirouma pessoa", segundo Kristi Hamrick, da Students for Life, uma das maiores organizações contra o aborto dos Estados Unidos.

'Pesadelo distópico'

Elizabeth Weller, moradora da cidaderoleta brasileiroHouston, no Texas,roleta brasileiro26 anos, é uma das mulheres que foram obrigadas a subir até o alto do hipotético edifício mencionado pelo médico anônimo. Ela olhou com vertigem para baixo e teve a sorteroleta brasileironão cair.

Ela conta que, no dia 10roleta brasileiromaio, depoisroleta brasileirosair para caminhar por recomendação médica, sentiu "uma mudançaroleta brasileiropressão no útero". Quando se abaixou, ela se lembraroleta brasileiroter saído "um jato".

A ecografia que eles fizeram no pronto atendimento do hospital local Woodlands confirmou a ruptura prematura das membranas. Ela estava na 18ª semanaroleta brasileirogestação e ali começou o que ela chamaroleta brasileiroseu "pesadelo distópico".

"Há somente líquido amniótico e isso não é bom. Você precisa rezar e esperar que as coisas andem bem", disse o médico que estava na sala.

Sua ginecologista explicaria a situação com detalhes posteriormente (de forma similar ao descrito anteriormente pela Dra. Horton), apresentando duas opções: ficar internada no hospital até atingir a viabilidade fetal ou proceder ao "término por razões médicas".

"Ao ouvir essas palavras, meu coração se partiu. Foi muito triste e frustrante", lembra ela.

Ela tomou a decisãoroleta brasileiro"proceder ao término" junto com seu marido e o casal passou a noite chorando e se despedindoroleta brasileirosua filha (não nascida). E conta que, quando comunicaram à ginecologista na manhã seguinte que queriam pôr fim à gestação, a médica respondeu que iria pedir autorização e, naquele mesmo dia, realizariam o procedimento.

'Não irão tocarroleta brasileirovocê'

"A minha médica passou as cinco ou seis horas seguintes discutindo com a administração [do hospital], tentando conseguir a autorização do procedimento", segundo Weller. "Mas, quando voltou ao quarto, ela disse que hospital havia decidido que ninguém iria tocarroleta brasileiromim."

No seu caso, o procedimento seria uma indução, seguida do parto. Mas a médica deixou claro que a negativa era devido à lei dos batimentos e à iminente anulação do caso Roe versus Wade pela Suprema Corte dos EUA, que empurraia a decisão sobre direito ao aborto aos Estados.

Por isso, naquele mesmo dia, Elizabeth e James Weller voltaram para casa, para esperar que o feto deixasseroleta brasileiroapresentar atividade cardíaca ou que se desenvolvesse uma infecção. Estes eram os sintomas que ela deveria apresentar para que pudessem considerar queroleta brasileirovida estavaroleta brasileiroperigo e intervir: "febre (38 °C), calafrios e um fluxo fétido e amarelado".

"No caminho, compramos um termômetro", recorda Weller. "James tomou minha temperatura a cada hora, todos os dias, esperando que eu ficasse doente para que nosso sofrimento terminasse."

A infecção só viria três diasroleta brasileiroangústia depois.

Na sexta-feira, ela acordou perguntando-se se continuaria grávida ou não. "Tecnicamente, eu estava, mas meu bebê iria morrer. Onde fico com isso? Estava tendo uma crise existencial", lembra Weller.

Imersa nessa conversação consigo mesma, ela ouviu um ruído no seu abdômen. Era um gás, mas, naquele momento e naquelas circunstâncias, passou pelaroleta brasileirocabeça que seria o grito daroleta brasileirofilha perto da morte.

"Eu me assustei muito e liguei para o hospital para que voltassem a examinar se havia batimentos." E o hospital constatou que ainda havia atividade cardíaca fetal.

Mas, na volta para casa, Weller observou que o fluxo que manchavaroleta brasileirorouparoleta brasileirobaixo já eraroleta brasileirocor escura e muito fétido. A infecção havia começado.

Naquela mesma tarde, ela teve o parto induzido. "Minha filha morreu imediatamente depois. Não havia nada que pudesse ser feito. Mas pude tê-la nos meus braços", ela conta.

A BBC News Mundo entrouroleta brasileirocontato com o hospital Woodlands, que faz parte do sistema hospitalar metodistaroleta brasileiroHouston, para conhecerroleta brasileiroversão. Mas, até o momento da publicação desta reportagem, não houve resposta.

'Inexplicavelmente cruel'

Mas o casoroleta brasileiroWeller é igual a outros relatados por médicos no Texas eroleta brasileirooutros Estados norte-americanos com restrições similares ao aborto.

"Antes, costumávamos oferecer a opção do aborto às pacientes com anomalias fetais letais — más formações cardíacas, renais ou cerebrais importantes, que fariam com que o bebê nunca sobrevivesse fora do útero — especialmente quando as mães eram portadorasroleta brasileirocondições médicasroleta brasileiroalto risco, como hipertensão arterial, doenças renais ou câncer", segundo Mae Winchester, especialistaroleta brasileiromedicina materno-fetalroleta brasileiroum centro acadêmicoroleta brasileiroCleveland,roleta brasileiroOhio (Estados Unidos).

São casosroleta brasileiroque "não importa o que fizermos, o bebê não irá sair vivo, e é inexplicavelmente cruel pedir às mães que deem prosseguimento à gravidez até os nove meses, arriscando suas próprias vidas".

Embora a maior parte das proibições estaduais ao aborto contemple exceçõesroleta brasileirocasoroleta brasileirorisco à vida da mulher, a faltaroleta brasileiroclareza no estabelecimento da linha divisória e o medoroleta brasileiroenfrentar ações judiciais estão levando alguns obstetras a consultar advogados e os comitêsroleta brasileiroética dos hospitais sobre as decisões relativas a cuidadosroleta brasileirorotina.

Equipesroleta brasileiroadvogados e comitêsroleta brasileiroética

A primeira vezroleta brasileiroque Mae Winchester procurou aconselhamento legal antesroleta brasileiroatender uma paciente foi imediatamente após a mudança do panorama legal no Estado.

"Eu sabia o que tinha que fazerroleta brasileirotermos médicos", ela conta. "A paciente chegou ao hospital com sangramento, dores, alto nívelroleta brasileiroglóbulos brancos, sinalroleta brasileiroque havia infecção, e frequência cardíaca muito alta — todos os sintomas compatíveis com septicemia", que pode ser mortal.

"Ante esse quadro, o padrãoroleta brasileiroatendimento é o aborto. Foi assim por décadas. Mas eu precisavaroleta brasileiroorientação sobre a logística legal que não conhecia: havia formulários que eu precisava assinar? deveria procurar a aprovaçãoroleta brasileiromais alguém?... Queria ter certezaroleta brasileiroque eu protegeria a paciente, a mim mesma e à instituição, para poder continuar a fornecer os mesmos cuidados no futuro", explica Winchester.

Ela agora segue este procedimentoroleta brasileirotodos os casos. "Preciso obter a aprovação dos nossos advogados antesroleta brasileirofazer qualquer coisa. E não posso fazer o que não permitirem que eu faça."

"Antes, era muito natural oferecer um amplo lequeroleta brasileiroopções reprodutivas, mas agora não podemos ajudar as pacientes desta forma — e falo por mim e também pelos outros médicos com quem conversei — por medoroleta brasileirosermos multados ou presos", admite Horton, obstetra no Texas. "Tenho uma família na qual preciso pensar e que não quero sacrificar."

Winchester também falaroleta brasileiropreocupação e medo, não só dos médicos, mas também das enfermeiras, dos anestesistas...

Questionadas se elas já pensaramroleta brasileirodeixarroleta brasileirotrabalhar nos seus Estados, as médicas admitem que isso às vezes passa pelas suas cabeças, mas elas se mantêm firmes. "No final das contas, não haver obstetras no Texas só prejudica as mulheres", afirma Horton.

Winchester concorda e vai mais além: "todos estão muito assustados. [Mas] ninguém mais do que as pacientes."

"Nós nos preocupamos com o futuro da ginecologia e obstetrícia neste Estado [Ohio]", segundo ela, "porque, se não formarmos a próxima geração para realizar os procedimentos para salvar [as pessoas], como será para as pacientes daqui a 20 ou 40 anos?"

- Este texto foi publicado originalmente em http://vesser.net/internacional-62489886

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