As descobertas sobre origem e história dos povos indígenas da América do Sul reveladas pela genética:casa da aposta brasil

Indígena andando por estrada

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Algumas populações indígenas brasileiras podem ter realizado 'a maior migração da história da humanidade', apontam pesquisas

Nos últimos anos, a equipe coordenada pela geneticista Tábita Hünemeier publicou pelo menos três trabalhos que modificaram o que se sabia sobre as populações que já habitavam o continente bem antes da chegada dos europeus nos séculos 15 e 16.

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"Graças à genética e à capacidadecasa da aposta brasilprocessamentocasa da aposta brasildados pelos computadores, conseguimos hoje estudar essas populaçõescasa da aposta brasiluma maneira muito mais profunda. A partir disso, detectamos mutações e traçamos a história desses indivíduos", resume Hünemeier.

"Saber tudo isso é muito importante, porque temos praticamente um apagão da história indígena brasileira. Nas escolas, o estudo da época pré-colombiana não é obrigatório e, mesmo quando existem aulas sobre o tema, elas focamcasa da aposta brasilforma superficial apenas nos incas, nos maias e nos astecas."

"O DNA talvez seja a única maneiracasa da aposta brasilreconstruir a história dessas populações", completa.

Conheça a seguir as principais descobertas sobre o passado dos povos indígenas do Brasil e da América do Sul até agora — e o que ainda falta descobrir.

Os primeiros humanos nas Américas

Nas aulascasa da aposta brasilHistória na escola, aprendemos que a chegada dos primeiros indivíduos às Américas se deu pelo Estreitocasa da aposta brasilBering, um canalcasa da aposta brasilgelo e terra firme que conectou a Sibéria, na Rússia, ao Alasca, nos Estados Unidos.

Vista aérea do estreitocasa da aposta brasilBering

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O estreitocasa da aposta brasilBering conectou a Sibéria (esq.) com o Alasca (dir.) e serviu como portacasa da aposta brasilentrada dos seres humanos nas Américas há cercacasa da aposta brasil15 mil anos

E esse trajeto continua a ser encarado como a principal — e talvez a única — portacasa da aposta brasilentrada para o continente. A partir dali, os grupos "desceram" até chegar à Patagônia, ao sul.

"Mas nossos trabalhos mostram que o povoamento das Américas é muito mais complexo do que se imaginava", aponta Hünemeier.

Um dos conceitos que caiu por terra a partir das pesquisas da USP é a ideiacasa da aposta brasiluma entrada única — ou seja, a teoriacasa da aposta brasilque houve apenas uma incursãocasa da aposta brasilseres humanos pelo novo território, que deu origem a todas as populações ameríndias dalicasa da aposta brasildiante.

"Hojecasa da aposta brasildia, vemos que foram vários fluxos migratórios. As populações vieram da Ásia e chegaram nessa região conhecida como Beríngia, que se conectava com as Américas. Mas elas permaneceram ali por cercacasa da aposta brasil10 mil anos", calcula a pesquisadora.

Depois, com a mudança nas condições climáticas locais — como a inundação desses territórios —, essas populações tiveram que sair da Beríngia e foramcasa da aposta brasildireção ao que conhecemos hoje como Alasca e Canadá.

Outra vantagem dessa mudançacasa da aposta brasilterritório pode ter sido a maior quantidadecasa da aposta brasilrecursoscasa da aposta brasilterras americanas. Embora a porção norte do continente seja tão fria quanto a Sibéria, ela apresenta uma umidade maior, o que facilita o desenvolvimento da fauna, com mais possibilidadecasa da aposta brasilcaça e alimentos.

"Também vimos que essas ondas migratórias da Beríngia não aconteceram todas ao mesmo tempo. Elas ocorreramcasa da aposta brasillevas, e grupos foram chegando aos poucos às Américas", explica Hünemeier.

Outra descoberta interessante das pesquisas foi acasa da aposta brasilque algumas populações nativas da América do Sul, como os suruí, os karitiana, os xavante e os guarani-kaiowá, no Brasil, e os chotuna, no Peru, ainda trazem no genoma uma pequena, mas estável semelhança com povos da Austrália e da Oceania.

Segundo o trabalho, eles compartilham 3% do genoma.

Isso indica, segundo Hünemeier, que esses indivíduos seriam descendentescasa da aposta brasiluma daquelas primeiras levas que cruzaram a Beríngia há cercacasa da aposta brasil15 mil anos.

Esse grupo antepassado é conhecido entre os cientistas como população Y (a letra inicialcasa da aposta brasilypykuéra, ou "ancestral"casa da aposta brasiltupi).

Que fique claro: não há nenhuma evidênciacasa da aposta brasilque povos da Oceania cruzaram o Pacífico e chegaram diretamente à América do Sul. O que muito provavelmente aconteceu, segundo os dados mais recentes, foi a migração deles para a Ásia e depois para a Beríngia.

Ali, eles se relacionaram com as populações que já habitavam o local — e uma fração do DNA desses indivíduos se preservou até hoje.

A (intensa) troca entre povos andinos e amazônicos

O biólogo Marcos Araújo Castro e Silva, que faz parte da equipecasa da aposta brasilHünemeier, explica que, durante muito tempo, acreditava-se que as dinâmicas populacionais eram muito diferentes na América do Sul.

"Por um lado, teríamos grandes populações conectadas nos Andes, que teriam dado origem a impérios, como os incas. Do outro, acreditava-se que os povos da Amazônia eram pequenos e isolados", contextualiza.

Em tese, essa teoria poderia ser explicada pelo DNA. Se isso fossecasa da aposta brasilfato verdade, a tendência era que a diversidade genética dos andinos fosse vasta — já que eles estariamcasa da aposta brasilmaior número e com comunidades conectadas —, enquanto os amazônicos teriam uma menor variabilidade genômica — porque seriam poucos e sem muita relação entre os grupos.

"Só que não foi isso o que vimos na prática. Com base na diversidade genética que encontramos entre os habitantes da Amazônia, podemos inferir que existiam grandes populações ali, com milhõescasa da aposta brasilindivíduos", pontua Castro e Silva.

Esse achado, aliás, vai ao encontro do que é observadocasa da aposta brasiloutras áreas do conhecimento. Em trabalhos publicados recentemente pelo arqueólogo Eduardo Góes Neves, também da USP, há estimativascasa da aposta brasilque a Amazônia teria abrigado entre 8 e 10 milhõescasa da aposta brasilpessoas no passado, antes da chegada dos europeus.

Outro mito que cai por terra a partir das últimas pesquisas é a chamada "divisão Andes-Amazônia". Segundo essa noção, existiria uma pretensa separação entre os povos que habitavam essas duas regiões,casa da aposta brasilmodo que eles não se relacionavam.

"As análises genéticas revelam que isso não acontecia, e essas populações tiveram trocas e contatos", afirma Hünemeier.

Mapa topográficocasa da aposta brasilparte da América do Sul

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Legenda da foto, Antes, acreditava-se que os povos que habitavam os Andes (esq.) não mantinham relações com as comunidades das terras baixas da Amazônia (dir.)

A grande expansão Tupi

"A expansão tupi é uma das maiores migrações da história da humanidade", diz a geneticista.

"Em resumo, eles saíram do noroeste da Amazônia e andaram maiscasa da aposta brasil4 mil quilômetros para vários cantos da América do Sul. E isso tudo aconteceucasa da aposta brasilcercacasa da aposta brasilmil anos."

De acordo com as pesquisas, essas populações tupi estavamcasa da aposta brasilfranco crescimento e foram margeando os rios ou a costa litorânea,casa da aposta brasilbuscacasa da aposta brasilterras férteis para a agricultura.

Esse fenômeno começou mais ou menos há 2,1 mil anos e teria atingido o seu pico no ano 1000, quando a população tupi teriacasa da aposta brasil4 milhões a 5 milhõescasa da aposta brasilindivíduos.

"Antes, acreditava-se que essa onda migratória tinha acontecido por uma rota só", diz Hünemeier.

Os trabalhos da USP mostram que a expansão se iniciou no noroeste amazônico e, já na origem, se desmembroucasa da aposta brasiltrês ramos principais.

A primeira parte seguiu até a Ilhacasa da aposta brasilMarajó, no Pará, e desceu pela costa do Atlântico até o litoral sulcasa da aposta brasilSão Paulo — no caminho, deu origem aos tupinambá, tupiniquim e tamoios, grupos que se tornaram os senhores da costa litorânea e fizeram os primeiros contatos com os portugueses.

"Um segundo grupo foicasa da aposta brasildireção ao sul, na borda da Bolívia e Paraguai, e deu origem aos Guarani. O terceiro, porcasa da aposta brasilvez, seguiu para o oeste, na região da fronteira entre Brasil e Peru", completa.

A pesquisadora entende que esse é um feito notável, já que falamoscasa da aposta brasiluma sociedade que não tinha acesso a metalurgia ou exércitos organizados.

"Os tupis se locomoveramcasa da aposta brasilgrupos grandes e, conforme encontravam outros indivíduos, lutavam ou desviavam o caminho", explica.

Mulher tupi guarani

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Legenda da foto, Os tupi saíram do noroeste da Amazônia e se expandiram por praticamente todo o Brasil

Uma evidência dessa "dominação" vem da Amazônia peruana: lá, é possível encontrar o povo kokama, que há gerações fala tupi.

Mas a análise do DNAcasa da aposta brasilintegrantes dessa população mostra que eles são muito mais semelhantes geneticamente aos chamicuro, que são seus vizinhos e falam a língua arawak.

"Ou seja, eles adotaram a língua tupi, mas, geneticamente, são mais próximoscasa da aposta brasiloutro povo", explica Hünemeier.

"Essa pode ter sido uma assimilação cultural que ocorreu a partir da expansão tupi, e corrobora algo que já foi sugerido por estudoscasa da aposta brasiloutras áreas."

A ascensão tupi foi seguida por uma queda vertiginosa.

"Tivemos o crescimento dessa população até chegar aos 5 milhõescasa da aposta brasilindivíduos. Porém, um pouco antes da chegada dos portugueses, ela entracasa da aposta brasildeclínio", observa.

Ainda não se sabe muito bem os motivos disso — as principais suspeitas são mudanças climáticas ou uma tensão populacional por recursos cada vez mais escassos.

"Quando os europeus se instalam, então, acontece um desastre. A partir dali, estimamos uma reduçãocasa da aposta brasil98% na população tupi, números semelhantes ao que foi observado entre os povos que habitavam o México e a América Central", calcula Hünemeier.

Os tupiniquim estão entre nós

Para fechar a listacasa da aposta brasildescobertas, o grupo da USP conseguiu restaurar por meio da genética a história e a origem dos tupiniquim.

Hünemeier conta que essa população era considerada completamente desaparecida.

"Eles não estão no censo do IBGE e eram declarados extintos desde o século 19", diz ela.

Mesmo assim, alguns moradorescasa da aposta brasilAracruz, no Espírito Santo, sempre declararam pertencer à etnia tupiniquim.

A análise genética feita pelo grupo da USP mostrou que,casa da aposta brasilfato, os tupiniquim nunca foram extintos, e os genes deles estão presentes nesses indivíduos até hoje.

"Eles nos disseram que sempre lutaram muito para que fossem ouvidos. É claro que nós nunca duvidamos — se eles se consideram tupiniquins, são tupiniquins —, mas agora há um dado que corrobora e dá força ao que sempre defenderam", destaca a geneticista.

Com isso, os indígenas tupiniquimcasa da aposta brasilAracruz se juntam aos tupinambá da Bahia e aos potiguara da Paraíba como os últimos remanescentes dos povos tupi que ocupavam o litoral na época das grandes navegações europeias.

Ilustração do DNA

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Genética está ajudando a desvendar o passado da migração pelas Américas

Ela conta que, depoiscasa da aposta brasilconcluir o estudo, a equipecasa da aposta brasilcientistas foi mostrar os resultados aos participantes.

"Daí, nós contamos que eles tinham vindo do norte, e não a partir dos guarani do sul, que chegaram a ser uma populaçãocasa da aposta brasil100 mil pessoas e, hoje, são cercacasa da aposta brasil3 mil", afirma.

"E foi interessante ver os caciques dizendo que já sabiam daquilo tudo. Porque eles têm muito forte as questões da ancestralidade e da transmissão do conhecimentocasa da aposta brasilgeraçãocasa da aposta brasilgeração", complementa.

Muito trabalho pela frente

Mas como é possível descobrir tanta coisa sobre o passado?

Castro e Silva explica que nosso DNA é formado por 3 bilhõescasa da aposta brasilletrinhas (ou parescasa da aposta brasilbases nitrogenadas, no jargão científico). Elas formam o genoma e definem basicamente todas as nossas características físicas e condiçõescasa da aposta brasilsaúde.

"Dessas 3 bilhões, 99,9% são idênticascasa da aposta brasiltodos os seres humanos. Mas há 0,1% que variacasa da aposta brasilpessoa para pessoa", calcula o cientista.

Esse 0,1% pode até parecer pouco, mas,casa da aposta brasilum universocasa da aposta brasil3 bilhõescasa da aposta brasilbases nitrogenadas, representa um espaço para 3 milhõescasa da aposta brasil"letrinhas" diferentes.

"Ao comparar isso, conseguimos inferir qual a relação entre dois indivíduos,casa da aposta brasilacordo com as mutações compartilhadas ou não entre eles", diz o geneticista.

Ilustraçãocasa da aposta brasil1888 retrata algumas das etnias das Américas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Ilustraçãocasa da aposta brasil1888 retrata algumas das etnias das Américas

Ao coletar amostrascasa da aposta brasilDNA no sangue e na saliva das populações indígenas, os cientistas usam equipamentos para fazer o sequenciamento genético. Depois, todas essas informações são comparadas e classificadas por computadores muito potentes.

E, embora o esforçocasa da aposta brasilpesquisa já tenha encontrado algumas peças deste enorme quebra-cabeça, o trabalho está apenas começando.

"Queremos montar uma espéciecasa da aposta brasilfotografiacasa da aposta brasilcomo era o Brasilcasa da aposta brasil1499, antes da chegada dos portugueses. A partir daí, poderemos voltar ou avançar no tempo para entender as dinâmicas populacionais e migratórias", avalia Hünemeier.

"Os indígenas são a população menos estudada do pontocasa da aposta brasilvista genético, então, precisamos fazer praticamente tudo desde o início", pondera.

E, considerando as características da América do Sul, a genética talvez seja a mais poderosa ferramenta para reconstituir esse passado remoto.

"Na maioria das vezes, não encontramos registros por escrito, e o próprio clima dessa região dificulta a preservaçãocasa da aposta brasilesqueletoscasa da aposta brasilseres humanos ou animais", complementa Castro e Silva.

"É claro que não andamos sozinhos e precisamos da antropologia, da arqueologia e da história, entre outras disciplinas", acrescenta Hünemeier.

"Mas não há dúvidascasa da aposta brasilque estamos diantecasa da aposta brasilum trabalho imenso, para o qual ainda temos mais perguntas do que respostas", conclui.

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