Os 120 anosheylink freebet 25+25'Os Sertões', apontado como primeiro livro-reportagem brasileiro:heylink freebet 25+25

Bicoheylink freebet 25+25penaheylink freebet 25+25Euclides da Cunha, publicado na décadaheylink freebet 25+251890

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Legenda da foto, Ilustração estilo bicoheylink freebet 25+25penaheylink freebet 25+25Euclides da Cunha, publicado na décadaheylink freebet 25+251890

Um texto redigido pela equipe do acervo do jornal O Estadoheylink freebet 25+25S. Paulo enfatiza o nascedouro da obra durante os mesesheylink freebet 25+25que Cunha atuou na cobertura especial do conflito. "Éheylink freebet 25+25Canudos que começa a escrever as primeiras notasheylink freebet 25+25sua obra-prima 'Os Sertões', cujas primeiras amostras públicas aparecem no Estado, aindaheylink freebet 25+251898, sob o título 'Excertoheylink freebet 25+25Um Livro Inédito'", afirma o texto publicado pelo acervo do jornal.

Segundo conta o biógrafoheylink freebet 25+25Cunha, o diplomata, cientista político e historiador Luís Cláudio Villafañe Santos, o jornalista "já saiuheylink freebet 25+25São Paulo [rumo à Bahia] com a intençãoheylink freebet 25+25escrever um livro". "O jornal havia prometido a ele que publicaria um livro,heylink freebet 25+25formaheylink freebet 25+25folhetim. Isso acabou não ocorrendo", comenta Santos, que no ano passado publicou a obra Euclides da Cunha - Uma Biografia.

Pioneirismo no gênero

Os Sertões seria escrito ao longoheylink freebet 25+25cinco anos,heylink freebet 25+251897 a 1902. "E, sim, se pode dizer que foi um pioneiro livro-reportagem porque tem muitoheylink freebet 25+25um livro que procura ser mais do que literatura, procura ser um livroheylink freebet 25+25não-ficção. Uma não-ficção literária, um livroheylink freebet 25+25jornalismo literário, para usar a expressão mais correta", afirma Santos.

Nesse sentido, Cunha vestiu a carapuça do jornalista que era. "No livro, está a ideiaheylink freebet 25+25que ele estava relatando fatos, ainda que o fizesseheylink freebet 25+25forma literária", comenta o biógrafo.

Fotoheylink freebet 25+25Euclides da Cunha,heylink freebet 25+25autor desconhecido

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Legenda da foto, Fotoheylink freebet 25+25Euclides da Cunha,heylink freebet 25+25autor desconhecido

Contudo, o interessante é notar que, ao longo do processoheylink freebet 25+25depuração e escrita do livro, a própria visãoheylink freebet 25+25Euclides da Cunha sobre a ocorrência histórica parece ter mudado substancialmente. Se durante o conflito, quando ele reportava ao jornal O Estadoheylink freebet 25+25S. Paulo,heylink freebet 25+25visão era "oficialesca", na obra literária ele se coloca numa posturaheylink freebet 25+25denúncia da violência impetrada contra os sertanejos.

Para isso é preciso entender o contexto. Para atuar na cobertura, o jornalista resgatouheylink freebet 25+25patente militar — era primeiro-tenente, mas havia deixadoheylink freebet 25+25exercer — e assim foi que ele atuou e teve os acessos necessários ao trabalho. "O jornal o mandou como jornalista, mas ele também foi a Belo Monte como militar. Levou uniforme, teve ajudanteheylink freebet 25+25ordens e uma inserção dentro do comando militar", aponta Santos.

"Depois, a narrativa do livro acabou sendo imensamente diferente da narrativaheylink freebet 25+25suas reportagens publicados ao longo da guerra", compara o biógrafo. "Antes, ele tinha uma visão pró-exército, oficialista, governista. E isso não se verifica quando ele escreveu o livro, cinco anos depois."

Para Santos, isso pode ter decorrido por conta da própria mudançaheylink freebet 25+25mentalidade da época. Àquela altura, já eram conhecidas as "muitas denúnciasheylink freebet 25+25todos os absurdos" cometidos durante as batalhasheylink freebet 25+25Belo Monte.

Estudioso da obraheylink freebet 25+25Euclides da Cunha reconhecido internacionalmente, o professor Leopoldo Bernucci, da Universidade da Califórniaheylink freebet 25+25Davis, também concorda com a classificação pioneiraheylink freebet 25+25Os Sertões como livro-reportagem. Segundo ele, a obra pode ser definida "como um livro que absorve, como nenhum antes dele, um tipoheylink freebet 25+25discurso que chamamosheylink freebet 25+25reportagem".

"O discurso jornalístico é um entre tantos outros que compõem esta obra, sendo que o historiográfico é o que predomina, tanto pela intencionalidade do autor que o anuncia nas suas primeiras páginas como pela própria estrutura cronológica e interpretativa dos fatos", analisa Bernucci, autor de, entre outros, Discurso, Ciência e Controvérsiaheylink freebet 25+25Euclides da Cunha.

Ele ressalta que as "outras linguagens" que podem ser detectadas no livro são "a da Bíblia, da geologia, da antropologia, da geologia, do folclore, da meteorologia e das práticas militares".

"O jornal, a partir do século 19, já se comportava como o romance moderno emheylink freebet 25+25elaboração discursiva. Entravam nele o texto ficcional, o aviso publicitário, as declarações governamentais, comerciais e jurídicas, os relatórios militares, todos justapostos e ocupando um mesmo espaço cultural. Euclides se apropriou da estrutura multifacetada do jornal, fazendo coexistir vários tiposheylink freebet 25+25discurso no seu livro", contextualiza o professor.

"Porém, diferentemente do que ocorre no jornal, as várias linguagensheylink freebet 25+25Os Sertões acham-se organicamente articuladas. Tanto é assim que, pelo fatoheylink freebet 25+25os diversos tiposheylink freebet 25+25discurso estarem tão imbricados nessa obra, torna-se praticamente impossível precisar onde termina a linguagem jornalística e onde tem início a linguagem historiográfica, por exemplo", completa ele.

Para Bernucci, "a dívida" que Euclides da Cunha tinha com os jornais da época era enorme, seja porque ele os utilizou como fonteheylink freebet 25+25pesquisa, seja porque ele próprio atuouheylink freebet 25+25diversos. "[Foi] um grande colaboradorheylink freebet 25+25conhecidos periódicos, como O Estadoheylink freebet 25+25S. Paulo, e os cariocas Jornal do Commercio, Kosmos, O Paiz", enumera. "Via-se confortavelmente nesse meio jornalístico."

"Os Sertões nasceu nas próprias reportagens que o então 'correspondenteheylink freebet 25+25guerra especial' do jornal O Estadoheylink freebet 25+25S. Paulo enviava àquela publicação, bem como nos telegramas que cobriram pormenorizadamente os dois últimos meses do conflito", acrescenta o publicitário e pesquisador independente Felipe Rissato, co-autor, ao ladoheylink freebet 25+25Bernucci, do livro À Margem da História - Euclides da Cunha.

Reproduçãoheylink freebet 25+25capa da primeira edição do livro Os Sertões, 1902

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Legenda da foto, Reproduçãoheylink freebet 25+25capa da primeira edição do livro Os Sertões, 1902

De acordo com levantamento realizado por ele, a coberturaheylink freebet 25+25Cunha constouheylink freebet 25+2531 edições do jornal — o jornalista teria enviado 64 telegramas à redação com seus relatos.

"Ele não era o único repórterheylink freebet 25+25campo nas operações, assim como não foi o único a publicar um livro a respeito da Guerraheylink freebet 25+25Canudos", ressalta Rissato. "Mas o jovem ex-militar, reformado no ano anterior,heylink freebet 25+251896, tinha posiçãoheylink freebet 25+25destaque mesmoheylink freebet 25+25outras folhas, que reproduziam suas reportagens. Além disso, apesarheylink freebet 25+25seu livro aparecer somenteheylink freebet 25+251902, cinco anos após a guerra, quando fundiu as reportagens, os telegramas e as anotações imprescindíveis que fizera na caderneta que levava consigo para o livro, Euclides manteve na narrativa recursos jornalísticos, como a objetividade mesmoheylink freebet 25+25descrições detalhadas."

"O pioneirismo da obra se dá por ser uma novidade para a épocaheylink freebet 25+25relação à forma como foi escrita, pois mistura elementos jornalísticos e literários", diz a especialistaheylink freebet 25+25dramaturgia Ana Sampaio Machado, professoraheylink freebet 25+25éticaheylink freebet 25+25comunicação na Escola Superiorheylink freebet 25+25Propaganda e Marketing (ESPM). "Ao descrever detalhadamente a paisagem, as pessoas e os fatos sem romancear, prezando pela organização, se encaixa no gênero jornalístico, porém não pode ser classificado como tal, porheylink freebet 25+25extensão, pela escolha do vocabulário incomum e pelo estiloheylink freebet 25+25escrita."

Sucesso repentino

Oficialmente não há uma data exata do lançamento da primeira ediçãoheylink freebet 25+25Os Sertões, mas Rissato aponta para a alta possibilidadeheylink freebet 25+25o livro ter saído do preloheylink freebet 25+252heylink freebet 25+25dezembroheylink freebet 25+251902.

"A data exata é incerta, mas ficou como sendo 'oficial' a data da dedicatória mais antiga, 2heylink freebet 25+25dezembro, encontradaheylink freebet 25+25um exemplar oferecido ao cunhadoheylink freebet 25+25Euclides, Octaviano", afirma o pesquisador. "No dia 3, já aparecia a primeira crítica,heylink freebet 25+25José Verissimo, no Correio da Manhã, do Rioheylink freebet 25+25Janeiro."

O sucesso foi retumbante. Segundo o material publicado pelo acervo do Estadão, o livro foi "recebido com entusiasmo pelos críticos literários da época e a prime ira edição se esgotouheylink freebet 25+25algumas semanas". No ano seguinte, Euclides da Cunha foi eleito como membro da Academia Brasileiraheylink freebet 25+25Letras. Ele também foi convidado a integrar e tomou posse no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. "Costuma se dizer que ele foi dormir desconhecido e acordou famoso. E isso é parcialmente verdade", comenta o biógrafo Santos.

Para o biógrafo, esse sucesso incrível surpreendeu a todos, inclusive ao próprio autor.

Não demorou muito para o livro ser alçado ao panteão dos clássicos da língua portuguesa. "Há vários fatores que contribuem para que seja considerado uma obra canônica da literatura nacional", explica Bernucci. "Poderíamos enumerar alguns desses pontos dizendo o seguinte: um clássico é aquele livro que não somente se lê, mas que é relidoheylink freebet 25+25distintas épocas, consideração que faz ressaltar nele seu caráter imperecível eheylink freebet 25+25característicaheylink freebet 25+25artefato cultural duradouro, como as grandes pinturas. Outro fator: os clássicos trazem as marcas das leituras que precedem as nossas. Assim, não poderíamos deixarheylink freebet 25+25encontrarheylink freebet 25+25'Os Sertões' os traçosheylink freebet 25+25muitos outros livros parecidos na cultura ocidental."

Ele ressalta ainda que o livro, ao longo dos 120 anosheylink freebet 25+25sua trajetória, "vem se impondo também como obra que impactou outras culturalmente importantes". "Isto é, como livro fundamental e fundador na tradição dos debates sobre a nossa nacionalidade", aponta.

Caricaturaheylink freebet 25+25Euclides da Cunha publicadaheylink freebet 25+251903, feita por Raul Pederneiras

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Legenda da foto, Caricaturaheylink freebet 25+25Euclides da Cunha publicadaheylink freebet 25+251903, feita por Raul Pederneiras

Para o professor, o livro ainda "atinge uma dimensão universal para que possa ser chamadoheylink freebet 25+25clássico". "O livro toca os nossos corações tanto pelas descrições e narrações dos fatos geograficamente localizados quanto por aquelas que, desbordando da esfera local, passam ao mundo dos sentimentos universais, como por exemplo o da solidariedade que todos devemos ter uns com os outros como povoheylink freebet 25+25uma mesma nação", diz.

"A Guerraheylink freebet 25+25Canudos representou o contrário desta noção, porque se configurou como uma verdadeira guerra civil,heylink freebet 25+25que como é típico, indivíduosheylink freebet 25+25um mesmo país lutam uns contra os outros, irmãos contra irmãos destruindo-se", comenta Bernucci.

"Creio também que toda grande obra literária traz algo que é a consciênciaheylink freebet 25+25sua própria linguagem. A linguagem euclidiana sinaliza direta e indiretamente as pulsaçõesheylink freebet 25+25sua presença e o valorheylink freebet 25+25sua importância, não só como veículoheylink freebet 25+25mensagens, mas também como instrumento ou meioheylink freebet 25+25transformá-las e defini-las", acrescenta o especialista. "Esta definição, grosso modo, serviria para demonstrar a diferença entre o discurso tipicamente jornalísticoheylink freebet 25+25finsheylink freebet 25+25século, com o qual Euclides estava tão bem familiarizado, e a apropriação transformadora que o autor faz desse mesmo discurso, recarregando-oheylink freebet 25+25qualidades estéticas."

Machado situa a importância da obra no fatoheylink freebet 25+25que ela "trataheylink freebet 25+25questões relevantes não apenas para a épocaheylink freebet 25+25que se deram os acontecimentos relatados, mas para os nossos dias". "A Guerraheylink freebet 25+25Canudos foi a última revolta contra a República. Uma República, então, que se consolidou a partirheylink freebet 25+25uma posturaheylink freebet 25+25indiferença, incompreensão, desprezo e violência dirigida aos pobres", afirma ela.

"Euclides da Cunha foi para Canudos com as ideias propagadas nas grandes cidades. Mas quais eram essas ideias? Fake news", diz Machado. Ela ressalta que o que se propagava era que os jagunços — "o próprio termo já é pejorativo", frisa — estavam armados e "recebiam apoioheylink freebet 25+25potências estrangeiras que tinham interesseheylink freebet 25+25destruir a República".

"Contudo, as armas que os camponeses tinham foram as que eles próprios tomaram dos soldados vencidos nas primeiras campanhas", contexualiza Machado.

Ela recorda que "chegou-se até mesmo a se dizer que os moradoresheylink freebet 25+25Canudos, católicos monarquistas, eram comunistas". "A obraheylink freebet 25+25Euclides da Cunha tem enorme força narrativa para o contexto atual. Seria ótimo se mais pessoas se sensibilizassem não apenas com a descrição do massacreheylink freebet 25+25Canudos, mas com os sofrimentos e mortes diárias que ocorrem pela indiferença e ódioheylink freebet 25+25nossa sociedade", compara. "A situaçãoheylink freebet 25+25Canudos persiste, mas está espalhada e devidamente disfarçada."

Luís Cláudio Villafañe G. Santos, autorheylink freebet 25+25livro sobre o autorheylink freebet 25+25Os Sertões

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Legenda da foto, Luís Cláudio Villafañe G. Santos, autorheylink freebet 25+25livro sobre o autorheylink freebet 25+25Os Sertões

Já Rissato situa a importânciaheylink freebet 25+25Os Sertões no fatoheylink freebet 25+25que a obra deu a Euclides da Cunha um statusheylink freebet 25+25representante da elite intelectual do Brasil. "A guerra ocorrida no sertão baiano passou para a história brasileira como o primeiro grande acontecimento com cobertura diária na imprensa, garantindo ao evento um caráterheylink freebet 25+25interesse então ainda não visto no país", pontua.

"A obraheylink freebet 25+25Euclides, por não ser unicamente jornalística, nem mesmo unicamente literária, recebendoheylink freebet 25+25há muito o caráterheylink freebet 25+25'inclassificável', reúne estudosheylink freebet 25+25geologia, etnografia, sociologia, antropologia e uma sérieheylink freebet 25+25ciências, que permitiram ao autor, no ano seguinte àheylink freebet 25+25publicação, o ingresso na Academia Brasileiraheylink freebet 25+25Letras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, colocando-oheylink freebet 25+25posiçãoheylink freebet 25+25destaque da nossa intelectualidadeheylink freebet 25+25todos os tempos."

Ciência repletaheylink freebet 25+25falhas e racismo

Mas, segundo o biógrafo Santos, foi essa misturaheylink freebet 25+25conhecimentos que fez com que o autor se perdesse na parte científica do trabalho. "Ele foi muito ambicioso e tentou atuarheylink freebet 25+25várias frentes: geologia, geografia, botânica, filosofia das religiões, filosofiaheylink freebet 25+25geral, coisas militares e história também", afirma. "Ele criou uma historiografia sobre Belo Monte que vai durar muitíssimo."

Os Sertões foi divididoheylink freebet 25+25três partes: A Terra, O Homem e A Luta. "Suas chavesheylink freebet 25+25leitura são o que fazem do livro um tremendo sucesso. A primeira é que o próprio autor dizia que 'Os Sertões' era o consórcio entre a ciência e a arte, a ideiaheylink freebet 25+25que a literatura não era só literatura, era também ciência. Ele propunha isso e, no início, a obra foi vista assim, não só como um livro literário, mas como um livro que estava contando a realidade", diz Santos. "Ele se orgulhavaheylink freebet 25+25ter escrito um livro assim, dizia que era a nova literatura, que seria assim a literatura dali por diante."

Segundo o biógrafo, essa ideia um tanto enciclopédicaheylink freebet 25+25Euclides da Cunha baseava-se no fatoheylink freebet 25+25que a sociedade passou a querer uma explicação para o ocorridoheylink freebet 25+25Canudos. "E Os Sertões, como um livroheylink freebet 25+25ciências entre aspas, produz uma explicação que vai encontrar muito respaldo", conta. "E é curiosa porque acaba tirando a responsabilidade."

Isto porque uma das linhasheylink freebet 25+25argumentação do livro é que aquela sociedade, por ser "muito atrasada e isolada" na história, teria um encontro inevitável "com o século 20". E, nesse encontro, a sociedade "atrasada" iria se perder. Segundo Santos, era um meioheylink freebet 25+25"retirar a culpa" pelo massacre.

Ao longo do tempo, contudo, a faceta "científica" do livro acabou sendo derrubada, justamente porque notou-se que a argumentação acadêmica do mesmo não se sustentava. "A face literária é extraordinária, insubstituível na bibliografia brasileira. Já a parte científica, embora extremamente ambiciosa, demonstrou ter problemas graves", pondera o biógrafo.

Engenheiro militar por formação, Euclides da Cunha tinha certos conhecimentos científicos, mas seguramente muito menores do que a ambição do livro pretendia abarcar. "Ele falaheylink freebet 25+25geologia, um assunto que entendia pouco. Falaheylink freebet 25+25botânica, que ele não entendia nada. Falaheylink freebet 25+25história, um assuntoheylink freebet 25+25que ele tinha visões complicadas. De antropologia,heylink freebet 25+25que também tinha visões muito complicadas. Falaheylink freebet 25+25arte militar, um ponto onde ele tinha um lugarheylink freebet 25+25fala por falar disso como militar", enumera Santos. "Ele atacaheylink freebet 25+25todas as áreas, faz um livro que tenta ser enciclopédico."

"Aí tem um problema grave: como ele avança por muitas áreas do conhecimento, acaba sendo muito pouco profundo e até frágil", analisa. "Suas investidas pouco a pouco vão sendo postasheylink freebet 25+25questão."

Logo após o lançamento, por exemplo, especialistas encontraram erros primáriosheylink freebet 25+25botânica na obra. E a própria descriçãoheylink freebet 25+25Belo Monte, segundo o biógrafo Santos, "era fruto da imaginação" do autor, sem base historiográfica.

"A ciência presenteheylink freebet 25+25Os Sertões vai caindo, por contaheylink freebet 25+25muitas falhas", aponta Santos.

Nas áreasheylink freebet 25+25sociologia e antropologia, contudo, estão os aspectos mais condenáveis. "A parte antropológica é, cientificamente, hojeheylink freebet 25+25dia muito mais do que ruim. É inaceitável", afirma Santos.

Residem nesses pontos a questão sobre a visão racista da obra. "A antropologiaheylink freebet 25+25Euclides é baseada numa leitura racialista, ou seja, uma ideia muito antiga que já estavaheylink freebet 25+25alguma medida até naquele momento já sendo superada", comenta Santos.

A obra basilar dessa ideia, Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas, havia sido publicada pelo filósofo francês Arthurheylink freebet 25+25Gobineau (1816-1882) quase cinco décadas antes. "Então já era uma visão complicada naquele momento", pontua Santos.

"Portanto, eu não concordo que dizer que ele era racista é um anacronismo. Anacronismo é você atribuir ao personagem passado ideias que ele não poderia ter naquele momento, mas naquele momento existiam outras possibilidades [de interpretação do mundo]", comenta o biógrafo.

Para ele, a segunda parte do livro, 'O Homem', é "um terror se lido hojeheylink freebet 25+25dia". "Precisamos dar um desconto pelo fatoheylink freebet 25+25que essas visões estavam, na época, mais próximasheylink freebet 25+25uma visão aceitável. Eram aceitáveisheylink freebet 25+25grande medida, mas deve-se dar a justa medida. Isso não quer dizer que, por viver naquele momento, ele necessariamente teriaheylink freebet 25+25ter essa visão. Havia outras visões disponíveis que ele poderia ter usado para iluminar as ideias dele, mas ele escolheu essa. Curiosamente, ele escolheu essa", diz.

Bernucci, porheylink freebet 25+25vez, acredita que leituras anacrônicas "prejudicam enormemente esta questão tão delicada". "'Racista', quando se aplica à visão que Euclides tinha das raças, seria uma palavra fácil para quem não se toma ao trabalhoheylink freebet 25+25se debruçar como eu e algunsheylink freebet 25+25meus colegas com a vista cansada dos anosheylink freebet 25+25pesquisa sobre o autor para ler aheylink freebet 25+25obraheylink freebet 25+25contexto histórico,heylink freebet 25+25conjunto e com profundidade como ela deve ser lida", pondera.

"Acredito que as minhas leituras sempre foram justas e imparciais. A compreensão que Euclides tentava ter sobre o papel das raçasheylink freebet 25+25nossa sociedadeheylink freebet 25+25maneira particular, e tambémheylink freebet 25+25modo mais geral, está marcada por teorias raciais vindas da Europa naheylink freebet 25+25época. Nunca fui, e não é esta a ocasiãoheylink freebet 25+25que deveria dissimular tal postura, um admirador sem reservasheylink freebet 25+25Euclides da Cunha", acrescenta. "Mas reconheço sempre nele um temperamento prodigiosamente dotadoheylink freebet 25+25energia mental e física para dar ao nosso país um impulso capazheylink freebet 25+25despertá-lo do obscuro remansoheylink freebet 25+25que viviam as pessoas dos seus dias."

O professor recomenda que Os Sertões seja um livro lido "com as lentes do século 19", o mesmo que "produziu grande parte das teorias raciais que o autor utilizou". "As teorias sobre a raça negra se embatem com aquilo que Euclides, na prática, observava e sentia, já que ele nunca foi um racista", argumenta.

Para Machado, Euclides da Cunha "era um homem que partilhava as ideias predominantesheylink freebet 25+25seu tempo, e tais ideias são racistas". "Era uma época dominada pelo pensamento positivista, que acreditava no progresso redentor da ciência, com teorias que se colocavam contra a miscigenação e apregoavam que as condições climáticasheylink freebet 25+25um lugar ou físicas e psicológicasheylink freebet 25+25sua população eram impeditivas ao progresso", comenta ela.

"Chegou-se até mesmo a desenterrar o corpoheylink freebet 25+25Antônio Conselheiro e enviarheylink freebet 25+25cabeça para ser estudada à luz dessas teorias. Estamos olhando para esse homem com a distânciaheylink freebet 25+25maisheylink freebet 25+25um século. As gerações futuras também nos julgarão sob uma perspectiva diferente da nossa e provavelmente perceberão ideias inadmissíveis. É muito difícil perceber os viesesheylink freebet 25+25nossas crenças, uma vez que estamos imersos na sociedade cuja formaheylink freebet 25+25pensar herdamos e ajudamos a construir."

"Euclides era um homemheylink freebet 25+25seu tempo. Lia, estudava, refletia e pensavaheylink freebet 25+25acordo com as correntes científicasheylink freebet 25+25voga. Ele não foi o único a se constatar que defendia teorias posteriormente caídasheylink freebet 25+25relação à mestiçagem dos povos, mas é preciso buscar estar inseridoheylink freebet 25+25seu meio para formular qualquer afirmação ou julgamento", acredita Rissato. "Se a crítica for ponderada a partir desse prisma, será mais feliz e menos simplista."

"O livro nasceu comoheylink freebet 25+25ciência e arte, mas hoje é um livro sóheylink freebet 25+25literatura. Toda a parte científicaheylink freebet 25+25'Os Sertões' não se sustenta minimamente. E a parte antropológica e sociológica e absolutamente inaceitável", diz Santos. "Isso não tira o mérito do livro hojeheylink freebet 25+25dia. É um livro que não pode ser lidoheylink freebet 25+25maneira alguma como livroheylink freebet 25+25ciência mas se sustenta muito como literatura. Continua sendo uma obra extraordinária, uma das maiores da literatura brasileira."

Capa do livroheylink freebet 25+25Luís Cláudio Villafañe G. Santos

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Legenda da foto, Capa do livroheylink freebet 25+25Luís Cláudio Villafañe G. Santos

Um autor e múltiplas visões

O biógrafo Santos comenta que, nos últimos anos, a leitura sobre a obraheylink freebet 25+25Euclides da Cunha evoluiu bastante. "Em minha biografia eu recolho um pouco dessas novas visões, especialmente sobre Os Sertões", diz.

Ele diz que um mito comum é que o autor tenha se horrorizado e denunciado o massacreheylink freebet 25+25Canudos quando chegou lá, a serviço do jornal O Estadoheylink freebet 25+25S. Paulo. "Não foi nada disso. As reportagens que ele mandou da Bahia são do Euclides que apoia praticamente toda a campanha militar, partilha a visãoheylink freebet 25+25que aquilo poderia ter sido um levante monarquista", comenta Santos.

"Ele foi um jornalista totalmente enquadrado ao que era a visão daquele momento, que ele tinha… Essa imagemheylink freebet 25+25que a rebeliãoheylink freebet 25+25Belo Monte era uma rebelião monarquista, uma nova Vendeia [insurreição contra a Revolução Francesa,heylink freebet 25+251793]", ressalta o biógrafo. "Em suas reportagens, ele vende essa ideia da revolta monarquista como uma ameaça à República."

A mudançaheylink freebet 25+25posturaheylink freebet 25+25Euclides da Cunha ocorreria jáheylink freebet 25+25São Paulo, nos anos seguintes, enquanto ele escrevia Os Sertõesheylink freebet 25+25uma casaheylink freebet 25+25São José do Rio Pardo, no interior do Estado.

Santos lembra que o primeiro título provisório dado por Cunha paraheylink freebet 25+25obra foi A Nova Vendeia, o que indica que, no princípio, ele ainda insistia nessa versão da história. "Mas nos cinco anos seguintes, a visão sobre o que aconteceu na Bahia, não só dele, mudou muito. Aquela visão monolítica da imprensaheylink freebet 25+25que havia ocorrido um atentado contra a República, isso caiu por terra", contextualiza.

"A opinião pública mudou, com uma sérieheylink freebet 25+25denúncias acerca dos horrores da guerra e da atuação do exército", acrescenta Santos.

Para o biógrafo, o próprio uso do termo Canudos, adotado por Euclides da Cunha e,heylink freebet 25+25certa forma, consagrado a partirheylink freebet 25+25sua obra, é um indicativoheylink freebet 25+25tentar perpetuar a "história do vencedor".

Isto porque Canudos reforça o nome anterior do arraial, uma fazendaheylink freebet 25+25propriedade privada onde surgiu um povoamento. Naquela época, o povoado fundado por Conselheiro era chamadoheylink freebet 25+25Belo Monte. Usar o termo Canudos, como acabou consagrado durante a guerra, era uma maneiraheylink freebet 25+25deslegitimar a própria ocupação que ali havia, no entendimento do biógrafo.

"No processoheylink freebet 25+25trabalho do livro, Euclides adaptouheylink freebet 25+25visão à mudançaheylink freebet 25+25visão que já tinha ocorrido na sociedade brasileiraheylink freebet 25+25maneira geral. Ele reconhece que a ideia do massacre, aquilo tudo, havia sido um fato absurdo", diz Santos.

"Euclides não apresenta culpado. Ele relata as barbaridades mas não dá nome aos bois. Ele denuncia um crime, Os Sertões é a denúnciaheylink freebet 25+25um crime, mas curiosamente ele denuncia um crime sem responsáveis", argumenta o biógrafo.

A obra acaba "jogando a culpa" do ocorrido sobre Antônio Conselheiro, o líder messiânico. Cunha acaba recriando uma figura literária, conferindo uma personalidade própria para Conselheiro, apresentando-o como um desequilibrado, louco. "Assim, se houve um culpado, teria sido Conselheiro, que teria arrastado aquelas pessoas à loucura. Mas nem ele poderia ser culpado, porque ele também estava louco", explica Santos. "E isso funcionou muito bem."

Para o biógrafo, essa narrativa não só foi bem aceita pela sociedade brasileira como também contribuiu para "aliviar a culpa".

"O livro inaugurou uma linha argumentativa que vai fazer muito sucesso na historiografia e na política brasileira: os crimes sem criminoso", comenta Santos.

O sucessoheylink freebet 25+25Os Sertões virou alegria e tormento para Euclides da Cunha. Isto porque,heylink freebet 25+25acordo com seu biógrafo, isso fez com que ele, transformadoheylink freebet 25+25personagem relevante no Brasil, "passasse o resto da vida tentando escrever uma outra obra com a mesma qualidade". "Mas ele fica devendo. E isso o atormenta", comenta.

Bernucci lembra ainda que é preciso reconhecer que Os Sertões também se apresenta como um livro importante na defesaheylink freebet 25+25valores como os ideais democráticos e a preocupação ambiental. "Por fim, apesar das críticas que possam ser feitas, fica aqui a última pergunta: embora com algumas imperfeições, se Euclides não tivesse deixado esse magnífico legado histórico e literário para nós, preservando a memóriaheylink freebet 25+25uma guerra absurda e cruel, quem poderia tê-lo feito?"

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