Os 120 anosjogos de esporte'Os Sertões', apontado como primeiro livro-reportagem brasileiro:jogos de esporte
Um texto redigido pela equipe do acervo do jornal O Estadojogos de esporteS. Paulo enfatiza o nascedouro da obra durante os mesesjogos de esporteque Cunha atuou na cobertura especial do conflito. "Éjogos de esporteCanudos que começa a escrever as primeiras notasjogos de esportesua obra-prima 'Os Sertões', cujas primeiras amostras públicas aparecem no Estado, aindajogos de esporte1898, sob o título 'Excertojogos de esporteUm Livro Inédito'", afirma o texto publicado pelo acervo do jornal.
Segundo conta o biógrafojogos de esporteCunha, o diplomata, cientista político e historiador Luís Cláudio Villafañe Santos, o jornalista "já saiujogos de esporteSão Paulo [rumo à Bahia] com a intençãojogos de esporteescrever um livro". "O jornal havia prometido a ele que publicaria um livro,jogos de esporteformajogos de esportefolhetim. Isso acabou não ocorrendo", comenta Santos, que no ano passado publicou a obra Euclides da Cunha - Uma Biografia.
Pioneirismo no gênero
Os Sertões seria escrito ao longojogos de esportecinco anos,jogos de esporte1897 a 1902. "E, sim, se pode dizer que foi um pioneiro livro-reportagem porque tem muitojogos de esporteum livro que procura ser mais do que literatura, procura ser um livrojogos de esportenão-ficção. Uma não-ficção literária, um livrojogos de esportejornalismo literário, para usar a expressão mais correta", afirma Santos.
Nesse sentido, Cunha vestiu a carapuça do jornalista que era. "No livro, está a ideiajogos de esporteque ele estava relatando fatos, ainda que o fizessejogos de esporteforma literária", comenta o biógrafo.
Contudo, o interessante é notar que, ao longo do processojogos de esportedepuração e escrita do livro, a própria visãojogos de esporteEuclides da Cunha sobre a ocorrência histórica parece ter mudado substancialmente. Se durante o conflito, quando ele reportava ao jornal O Estadojogos de esporteS. Paulo,jogos de esportevisão era "oficialesca", na obra literária ele se coloca numa posturajogos de esportedenúncia da violência impetrada contra os sertanejos.
Para isso é preciso entender o contexto. Para atuar na cobertura, o jornalista resgatoujogos de esportepatente militar — era primeiro-tenente, mas havia deixadojogos de esporteexercer — e assim foi que ele atuou e teve os acessos necessários ao trabalho. "O jornal o mandou como jornalista, mas ele também foi a Belo Monte como militar. Levou uniforme, teve ajudantejogos de esporteordens e uma inserção dentro do comando militar", aponta Santos.
"Depois, a narrativa do livro acabou sendo imensamente diferente da narrativajogos de esportesuas reportagens publicados ao longo da guerra", compara o biógrafo. "Antes, ele tinha uma visão pró-exército, oficialista, governista. E isso não se verifica quando ele escreveu o livro, cinco anos depois."
Para Santos, isso pode ter decorrido por conta da própria mudançajogos de esportementalidade da época. Àquela altura, já eram conhecidas as "muitas denúnciasjogos de esportetodos os absurdos" cometidos durante as batalhasjogos de esporteBelo Monte.
Estudioso da obrajogos de esporteEuclides da Cunha reconhecido internacionalmente, o professor Leopoldo Bernucci, da Universidade da Califórniajogos de esporteDavis, também concorda com a classificação pioneirajogos de esporteOs Sertões como livro-reportagem. Segundo ele, a obra pode ser definida "como um livro que absorve, como nenhum antes dele, um tipojogos de esportediscurso que chamamosjogos de esportereportagem".
"O discurso jornalístico é um entre tantos outros que compõem esta obra, sendo que o historiográfico é o que predomina, tanto pela intencionalidade do autor que o anuncia nas suas primeiras páginas como pela própria estrutura cronológica e interpretativa dos fatos", analisa Bernucci, autor de, entre outros, Discurso, Ciência e Controvérsiajogos de esporteEuclides da Cunha.
Ele ressalta que as "outras linguagens" que podem ser detectadas no livro são "a da Bíblia, da geologia, da antropologia, da geologia, do folclore, da meteorologia e das práticas militares".
"O jornal, a partir do século 19, já se comportava como o romance moderno emjogos de esporteelaboração discursiva. Entravam nele o texto ficcional, o aviso publicitário, as declarações governamentais, comerciais e jurídicas, os relatórios militares, todos justapostos e ocupando um mesmo espaço cultural. Euclides se apropriou da estrutura multifacetada do jornal, fazendo coexistir vários tiposjogos de esportediscurso no seu livro", contextualiza o professor.
"Porém, diferentemente do que ocorre no jornal, as várias linguagensjogos de esporteOs Sertões acham-se organicamente articuladas. Tanto é assim que, pelo fatojogos de esporteos diversos tiposjogos de esportediscurso estarem tão imbricados nessa obra, torna-se praticamente impossível precisar onde termina a linguagem jornalística e onde tem início a linguagem historiográfica, por exemplo", completa ele.
Para Bernucci, "a dívida" que Euclides da Cunha tinha com os jornais da época era enorme, seja porque ele os utilizou como fontejogos de esportepesquisa, seja porque ele próprio atuoujogos de esportediversos. "[Foi] um grande colaboradorjogos de esporteconhecidos periódicos, como O Estadojogos de esporteS. Paulo, e os cariocas Jornal do Commercio, Kosmos, O Paiz", enumera. "Via-se confortavelmente nesse meio jornalístico."
"Os Sertões nasceu nas próprias reportagens que o então 'correspondentejogos de esporteguerra especial' do jornal O Estadojogos de esporteS. Paulo enviava àquela publicação, bem como nos telegramas que cobriram pormenorizadamente os dois últimos meses do conflito", acrescenta o publicitário e pesquisador independente Felipe Rissato, co-autor, ao ladojogos de esporteBernucci, do livro À Margem da História - Euclides da Cunha.
De acordo com levantamento realizado por ele, a coberturajogos de esporteCunha constoujogos de esporte31 edições do jornal — o jornalista teria enviado 64 telegramas à redação com seus relatos.
"Ele não era o único repórterjogos de esportecampo nas operações, assim como não foi o único a publicar um livro a respeito da Guerrajogos de esporteCanudos", ressalta Rissato. "Mas o jovem ex-militar, reformado no ano anterior,jogos de esporte1896, tinha posiçãojogos de esportedestaque mesmojogos de esporteoutras folhas, que reproduziam suas reportagens. Além disso, apesarjogos de esporteseu livro aparecer somentejogos de esporte1902, cinco anos após a guerra, quando fundiu as reportagens, os telegramas e as anotações imprescindíveis que fizera na caderneta que levava consigo para o livro, Euclides manteve na narrativa recursos jornalísticos, como a objetividade mesmojogos de esportedescrições detalhadas."
"O pioneirismo da obra se dá por ser uma novidade para a épocajogos de esporterelação à forma como foi escrita, pois mistura elementos jornalísticos e literários", diz a especialistajogos de esportedramaturgia Ana Sampaio Machado, professorajogos de esporteéticajogos de esportecomunicação na Escola Superiorjogos de esportePropaganda e Marketing (ESPM). "Ao descrever detalhadamente a paisagem, as pessoas e os fatos sem romancear, prezando pela organização, se encaixa no gênero jornalístico, porém não pode ser classificado como tal, porjogos de esporteextensão, pela escolha do vocabulário incomum e pelo estilojogos de esporteescrita."
Sucesso repentino
Oficialmente não há uma data exata do lançamento da primeira ediçãojogos de esporteOs Sertões, mas Rissato aponta para a alta possibilidadejogos de esporteo livro ter saído do prelojogos de esporte2jogos de esportedezembrojogos de esporte1902.
"A data exata é incerta, mas ficou como sendo 'oficial' a data da dedicatória mais antiga, 2jogos de esportedezembro, encontradajogos de esporteum exemplar oferecido ao cunhadojogos de esporteEuclides, Octaviano", afirma o pesquisador. "No dia 3, já aparecia a primeira crítica,jogos de esporteJosé Verissimo, no Correio da Manhã, do Riojogos de esporteJaneiro."
O sucesso foi retumbante. Segundo o material publicado pelo acervo do Estadão, o livro foi "recebido com entusiasmo pelos críticos literários da época e a prime ira edição se esgotoujogos de esportealgumas semanas". No ano seguinte, Euclides da Cunha foi eleito como membro da Academia Brasileirajogos de esporteLetras. Ele também foi convidado a integrar e tomou posse no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. "Costuma se dizer que ele foi dormir desconhecido e acordou famoso. E isso é parcialmente verdade", comenta o biógrafo Santos.
Para o biógrafo, esse sucesso incrível surpreendeu a todos, inclusive ao próprio autor.
Não demorou muito para o livro ser alçado ao panteão dos clássicos da língua portuguesa. "Há vários fatores que contribuem para que seja considerado uma obra canônica da literatura nacional", explica Bernucci. "Poderíamos enumerar alguns desses pontos dizendo o seguinte: um clássico é aquele livro que não somente se lê, mas que é relidojogos de esportedistintas épocas, consideração que faz ressaltar nele seu caráter imperecível ejogos de esportecaracterísticajogos de esporteartefato cultural duradouro, como as grandes pinturas. Outro fator: os clássicos trazem as marcas das leituras que precedem as nossas. Assim, não poderíamos deixarjogos de esporteencontrarjogos de esporte'Os Sertões' os traçosjogos de esportemuitos outros livros parecidos na cultura ocidental."
Ele ressalta ainda que o livro, ao longo dos 120 anosjogos de esportesua trajetória, "vem se impondo também como obra que impactou outras culturalmente importantes". "Isto é, como livro fundamental e fundador na tradição dos debates sobre a nossa nacionalidade", aponta.
Para o professor, o livro ainda "atinge uma dimensão universal para que possa ser chamadojogos de esporteclássico". "O livro toca os nossos corações tanto pelas descrições e narrações dos fatos geograficamente localizados quanto por aquelas que, desbordando da esfera local, passam ao mundo dos sentimentos universais, como por exemplo o da solidariedade que todos devemos ter uns com os outros como povojogos de esporteuma mesma nação", diz.
"A Guerrajogos de esporteCanudos representou o contrário desta noção, porque se configurou como uma verdadeira guerra civil,jogos de esporteque como é típico, indivíduosjogos de esporteum mesmo país lutam uns contra os outros, irmãos contra irmãos destruindo-se", comenta Bernucci.
"Creio também que toda grande obra literária traz algo que é a consciênciajogos de esportesua própria linguagem. A linguagem euclidiana sinaliza direta e indiretamente as pulsaçõesjogos de esportesua presença e o valorjogos de esportesua importância, não só como veículojogos de esportemensagens, mas também como instrumento ou meiojogos de esportetransformá-las e defini-las", acrescenta o especialista. "Esta definição, grosso modo, serviria para demonstrar a diferença entre o discurso tipicamente jornalísticojogos de esportefinsjogos de esporteséculo, com o qual Euclides estava tão bem familiarizado, e a apropriação transformadora que o autor faz desse mesmo discurso, recarregando-ojogos de esportequalidades estéticas."
Machado situa a importância da obra no fatojogos de esporteque ela "tratajogos de esportequestões relevantes não apenas para a épocajogos de esporteque se deram os acontecimentos relatados, mas para os nossos dias". "A Guerrajogos de esporteCanudos foi a última revolta contra a República. Uma República, então, que se consolidou a partirjogos de esporteuma posturajogos de esporteindiferença, incompreensão, desprezo e violência dirigida aos pobres", afirma ela.
"Euclides da Cunha foi para Canudos com as ideias propagadas nas grandes cidades. Mas quais eram essas ideias? Fake news", diz Machado. Ela ressalta que o que se propagava era que os jagunços — "o próprio termo já é pejorativo", frisa — estavam armados e "recebiam apoiojogos de esportepotências estrangeiras que tinham interessejogos de esportedestruir a República".
"Contudo, as armas que os camponeses tinham foram as que eles próprios tomaram dos soldados vencidos nas primeiras campanhas", contexualiza Machado.
Ela recorda que "chegou-se até mesmo a se dizer que os moradoresjogos de esporteCanudos, católicos monarquistas, eram comunistas". "A obrajogos de esporteEuclides da Cunha tem enorme força narrativa para o contexto atual. Seria ótimo se mais pessoas se sensibilizassem não apenas com a descrição do massacrejogos de esporteCanudos, mas com os sofrimentos e mortes diárias que ocorrem pela indiferença e ódiojogos de esportenossa sociedade", compara. "A situaçãojogos de esporteCanudos persiste, mas está espalhada e devidamente disfarçada."
Já Rissato situa a importânciajogos de esporteOs Sertões no fatojogos de esporteque a obra deu a Euclides da Cunha um statusjogos de esporterepresentante da elite intelectual do Brasil. "A guerra ocorrida no sertão baiano passou para a história brasileira como o primeiro grande acontecimento com cobertura diária na imprensa, garantindo ao evento um caráterjogos de esporteinteresse então ainda não visto no país", pontua.
"A obrajogos de esporteEuclides, por não ser unicamente jornalística, nem mesmo unicamente literária, recebendojogos de esportehá muito o caráterjogos de esporte'inclassificável', reúne estudosjogos de esportegeologia, etnografia, sociologia, antropologia e uma sériejogos de esporteciências, que permitiram ao autor, no ano seguinte àjogos de esportepublicação, o ingresso na Academia Brasileirajogos de esporteLetras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, colocando-ojogos de esporteposiçãojogos de esportedestaque da nossa intelectualidadejogos de esportetodos os tempos."
Ciência repletajogos de esportefalhas e racismo
Mas, segundo o biógrafo Santos, foi essa misturajogos de esporteconhecimentos que fez com que o autor se perdesse na parte científica do trabalho. "Ele foi muito ambicioso e tentou atuarjogos de esportevárias frentes: geologia, geografia, botânica, filosofia das religiões, filosofiajogos de esportegeral, coisas militares e história também", afirma. "Ele criou uma historiografia sobre Belo Monte que vai durar muitíssimo."
Os Sertões foi divididojogos de esportetrês partes: A Terra, O Homem e A Luta. "Suas chavesjogos de esporteleitura são o que fazem do livro um tremendo sucesso. A primeira é que o próprio autor dizia que 'Os Sertões' era o consórcio entre a ciência e a arte, a ideiajogos de esporteque a literatura não era só literatura, era também ciência. Ele propunha isso e, no início, a obra foi vista assim, não só como um livro literário, mas como um livro que estava contando a realidade", diz Santos. "Ele se orgulhavajogos de esporteter escrito um livro assim, dizia que era a nova literatura, que seria assim a literatura dali por diante."
Segundo o biógrafo, essa ideia um tanto enciclopédicajogos de esporteEuclides da Cunha baseava-se no fatojogos de esporteque a sociedade passou a querer uma explicação para o ocorridojogos de esporteCanudos. "E Os Sertões, como um livrojogos de esporteciências entre aspas, produz uma explicação que vai encontrar muito respaldo", conta. "E é curiosa porque acaba tirando a responsabilidade."
Isto porque uma das linhasjogos de esporteargumentação do livro é que aquela sociedade, por ser "muito atrasada e isolada" na história, teria um encontro inevitável "com o século 20". E, nesse encontro, a sociedade "atrasada" iria se perder. Segundo Santos, era um meiojogos de esporte"retirar a culpa" pelo massacre.
Ao longo do tempo, contudo, a faceta "científica" do livro acabou sendo derrubada, justamente porque notou-se que a argumentação acadêmica do mesmo não se sustentava. "A face literária é extraordinária, insubstituível na bibliografia brasileira. Já a parte científica, embora extremamente ambiciosa, demonstrou ter problemas graves", pondera o biógrafo.
Engenheiro militar por formação, Euclides da Cunha tinha certos conhecimentos científicos, mas seguramente muito menores do que a ambição do livro pretendia abarcar. "Ele falajogos de esportegeologia, um assunto que entendia pouco. Falajogos de esportebotânica, que ele não entendia nada. Falajogos de esportehistória, um assuntojogos de esporteque ele tinha visões complicadas. De antropologia,jogos de esporteque também tinha visões muito complicadas. Falajogos de esportearte militar, um ponto onde ele tinha um lugarjogos de esportefala por falar disso como militar", enumera Santos. "Ele atacajogos de esportetodas as áreas, faz um livro que tenta ser enciclopédico."
"Aí tem um problema grave: como ele avança por muitas áreas do conhecimento, acaba sendo muito pouco profundo e até frágil", analisa. "Suas investidas pouco a pouco vão sendo postasjogos de esportequestão."
Logo após o lançamento, por exemplo, especialistas encontraram erros primáriosjogos de esportebotânica na obra. E a própria descriçãojogos de esporteBelo Monte, segundo o biógrafo Santos, "era fruto da imaginação" do autor, sem base historiográfica.
"A ciência presentejogos de esporteOs Sertões vai caindo, por contajogos de esportemuitas falhas", aponta Santos.
Nas áreasjogos de esportesociologia e antropologia, contudo, estão os aspectos mais condenáveis. "A parte antropológica é, cientificamente, hojejogos de esportedia muito mais do que ruim. É inaceitável", afirma Santos.
Residem nesses pontos a questão sobre a visão racista da obra. "A antropologiajogos de esporteEuclides é baseada numa leitura racialista, ou seja, uma ideia muito antiga que já estavajogos de esportealguma medida até naquele momento já sendo superada", comenta Santos.
A obra basilar dessa ideia, Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas, havia sido publicada pelo filósofo francês Arthurjogos de esporteGobineau (1816-1882) quase cinco décadas antes. "Então já era uma visão complicada naquele momento", pontua Santos.
"Portanto, eu não concordo que dizer que ele era racista é um anacronismo. Anacronismo é você atribuir ao personagem passado ideias que ele não poderia ter naquele momento, mas naquele momento existiam outras possibilidades [de interpretação do mundo]", comenta o biógrafo.
Para ele, a segunda parte do livro, 'O Homem', é "um terror se lido hojejogos de esportedia". "Precisamos dar um desconto pelo fatojogos de esporteque essas visões estavam, na época, mais próximasjogos de esporteuma visão aceitável. Eram aceitáveisjogos de esportegrande medida, mas deve-se dar a justa medida. Isso não quer dizer que, por viver naquele momento, ele necessariamente teriajogos de esporteter essa visão. Havia outras visões disponíveis que ele poderia ter usado para iluminar as ideias dele, mas ele escolheu essa. Curiosamente, ele escolheu essa", diz.
Bernucci, porjogos de esportevez, acredita que leituras anacrônicas "prejudicam enormemente esta questão tão delicada". "'Racista', quando se aplica à visão que Euclides tinha das raças, seria uma palavra fácil para quem não se toma ao trabalhojogos de esportese debruçar como eu e algunsjogos de esportemeus colegas com a vista cansada dos anosjogos de esportepesquisa sobre o autor para ler ajogos de esporteobrajogos de esportecontexto histórico,jogos de esporteconjunto e com profundidade como ela deve ser lida", pondera.
"Acredito que as minhas leituras sempre foram justas e imparciais. A compreensão que Euclides tentava ter sobre o papel das raçasjogos de esportenossa sociedadejogos de esportemaneira particular, e tambémjogos de esportemodo mais geral, está marcada por teorias raciais vindas da Europa najogos de esporteépoca. Nunca fui, e não é esta a ocasiãojogos de esporteque deveria dissimular tal postura, um admirador sem reservasjogos de esporteEuclides da Cunha", acrescenta. "Mas reconheço sempre nele um temperamento prodigiosamente dotadojogos de esporteenergia mental e física para dar ao nosso país um impulso capazjogos de esportedespertá-lo do obscuro remansojogos de esporteque viviam as pessoas dos seus dias."
O professor recomenda que Os Sertões seja um livro lido "com as lentes do século 19", o mesmo que "produziu grande parte das teorias raciais que o autor utilizou". "As teorias sobre a raça negra se embatem com aquilo que Euclides, na prática, observava e sentia, já que ele nunca foi um racista", argumenta.
Para Machado, Euclides da Cunha "era um homem que partilhava as ideias predominantesjogos de esporteseu tempo, e tais ideias são racistas". "Era uma época dominada pelo pensamento positivista, que acreditava no progresso redentor da ciência, com teorias que se colocavam contra a miscigenação e apregoavam que as condições climáticasjogos de esporteum lugar ou físicas e psicológicasjogos de esportesua população eram impeditivas ao progresso", comenta ela.
"Chegou-se até mesmo a desenterrar o corpojogos de esporteAntônio Conselheiro e enviarjogos de esportecabeça para ser estudada à luz dessas teorias. Estamos olhando para esse homem com a distânciajogos de esportemaisjogos de esporteum século. As gerações futuras também nos julgarão sob uma perspectiva diferente da nossa e provavelmente perceberão ideias inadmissíveis. É muito difícil perceber os viesesjogos de esportenossas crenças, uma vez que estamos imersos na sociedade cuja formajogos de esportepensar herdamos e ajudamos a construir."
"Euclides era um homemjogos de esporteseu tempo. Lia, estudava, refletia e pensavajogos de esporteacordo com as correntes científicasjogos de esportevoga. Ele não foi o único a se constatar que defendia teorias posteriormente caídasjogos de esporterelação à mestiçagem dos povos, mas é preciso buscar estar inseridojogos de esporteseu meio para formular qualquer afirmação ou julgamento", acredita Rissato. "Se a crítica for ponderada a partir desse prisma, será mais feliz e menos simplista."
"O livro nasceu comojogos de esporteciência e arte, mas hoje é um livro sójogos de esporteliteratura. Toda a parte científicajogos de esporte'Os Sertões' não se sustenta minimamente. E a parte antropológica e sociológica e absolutamente inaceitável", diz Santos. "Isso não tira o mérito do livro hojejogos de esportedia. É um livro que não pode ser lidojogos de esportemaneira alguma como livrojogos de esporteciência mas se sustenta muito como literatura. Continua sendo uma obra extraordinária, uma das maiores da literatura brasileira."
Um autor e múltiplas visões
O biógrafo Santos comenta que, nos últimos anos, a leitura sobre a obrajogos de esporteEuclides da Cunha evoluiu bastante. "Em minha biografia eu recolho um pouco dessas novas visões, especialmente sobre Os Sertões", diz.
Ele diz que um mito comum é que o autor tenha se horrorizado e denunciado o massacrejogos de esporteCanudos quando chegou lá, a serviço do jornal O Estadojogos de esporteS. Paulo. "Não foi nada disso. As reportagens que ele mandou da Bahia são do Euclides que apoia praticamente toda a campanha militar, partilha a visãojogos de esporteque aquilo poderia ter sido um levante monarquista", comenta Santos.
"Ele foi um jornalista totalmente enquadrado ao que era a visão daquele momento, que ele tinha… Essa imagemjogos de esporteque a rebeliãojogos de esporteBelo Monte era uma rebelião monarquista, uma nova Vendeia [insurreição contra a Revolução Francesa,jogos de esporte1793]", ressalta o biógrafo. "Em suas reportagens, ele vende essa ideia da revolta monarquista como uma ameaça à República."
A mudançajogos de esporteposturajogos de esporteEuclides da Cunha ocorreria jájogos de esporteSão Paulo, nos anos seguintes, enquanto ele escrevia Os Sertõesjogos de esporteuma casajogos de esporteSão José do Rio Pardo, no interior do Estado.
Santos lembra que o primeiro título provisório dado por Cunha parajogos de esporteobra foi A Nova Vendeia, o que indica que, no princípio, ele ainda insistia nessa versão da história. "Mas nos cinco anos seguintes, a visão sobre o que aconteceu na Bahia, não só dele, mudou muito. Aquela visão monolítica da imprensajogos de esporteque havia ocorrido um atentado contra a República, isso caiu por terra", contextualiza.
"A opinião pública mudou, com uma sériejogos de esportedenúncias acerca dos horrores da guerra e da atuação do exército", acrescenta Santos.
Para o biógrafo, o próprio uso do termo Canudos, adotado por Euclides da Cunha e,jogos de esportecerta forma, consagrado a partirjogos de esportesua obra, é um indicativojogos de esportetentar perpetuar a "história do vencedor".
Isto porque Canudos reforça o nome anterior do arraial, uma fazendajogos de esportepropriedade privada onde surgiu um povoamento. Naquela época, o povoado fundado por Conselheiro era chamadojogos de esporteBelo Monte. Usar o termo Canudos, como acabou consagrado durante a guerra, era uma maneirajogos de esportedeslegitimar a própria ocupação que ali havia, no entendimento do biógrafo.
"No processojogos de esportetrabalho do livro, Euclides adaptoujogos de esportevisão à mudançajogos de esportevisão que já tinha ocorrido na sociedade brasileirajogos de esportemaneira geral. Ele reconhece que a ideia do massacre, aquilo tudo, havia sido um fato absurdo", diz Santos.
"Euclides não apresenta culpado. Ele relata as barbaridades mas não dá nome aos bois. Ele denuncia um crime, Os Sertões é a denúnciajogos de esporteum crime, mas curiosamente ele denuncia um crime sem responsáveis", argumenta o biógrafo.
A obra acaba "jogando a culpa" do ocorrido sobre Antônio Conselheiro, o líder messiânico. Cunha acaba recriando uma figura literária, conferindo uma personalidade própria para Conselheiro, apresentando-o como um desequilibrado, louco. "Assim, se houve um culpado, teria sido Conselheiro, que teria arrastado aquelas pessoas à loucura. Mas nem ele poderia ser culpado, porque ele também estava louco", explica Santos. "E isso funcionou muito bem."
Para o biógrafo, essa narrativa não só foi bem aceita pela sociedade brasileira como também contribuiu para "aliviar a culpa".
"O livro inaugurou uma linha argumentativa que vai fazer muito sucesso na historiografia e na política brasileira: os crimes sem criminoso", comenta Santos.
O sucessojogos de esporteOs Sertões virou alegria e tormento para Euclides da Cunha. Isto porque,jogos de esporteacordo com seu biógrafo, isso fez com que ele, transformadojogos de esportepersonagem relevante no Brasil, "passasse o resto da vida tentando escrever uma outra obra com a mesma qualidade". "Mas ele fica devendo. E isso o atormenta", comenta.
Bernucci lembra ainda que é preciso reconhecer que Os Sertões também se apresenta como um livro importante na defesajogos de esportevalores como os ideais democráticos e a preocupação ambiental. "Por fim, apesar das críticas que possam ser feitas, fica aqui a última pergunta: embora com algumas imperfeições, se Euclides não tivesse deixado esse magnífico legado histórico e literário para nós, preservando a memóriajogos de esporteuma guerra absurda e cruel, quem poderia tê-lo feito?"
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