'Prefiro uma velhice cheiavulkanvegas comamigos,vulkanvegas compessoas felizes, sem o pesovulkanvegas comum marido antipático':vulkanvegas com
A autora, que participou do Festival HAY, evento cultural peruano realizado na cidadevulkanvegas comArequipa, conta que na nova obra quis falar sobre "os abusos que sempre me interessaram, os pequenos abusos que as mulheres aceitam com uma passividade aterradora, sem armas para enfrentá-los. Porque se um homem te bate ou te chamavulkanvegas com'vadia' você tem como reagir".
Assim aparecem as facesvulkanvegas comEmilia, a personagem que é uma escritora na casa dos 60 anos e que nos revela, enquanto a cozinha desmorona, um marido egocêntrico, um ex-namorado estuprador, um pai punitivo, uma irmã controladora e uma filha distante.
vulkanvegas com BBC Mundo - O que fazer com esses pedaços?
vulkanvegas com Piedad Bonnett - Periodicamente as pessoas fazem avaliações da vida, do passado, da transformação desse passadovulkanvegas compresente; você pensavulkanvegas comquantos amigos você perdeu, nos distanciamentos que aconteceram na família.
Durante a pandemia fui muito afetada pela situação dos meus pais, que são muito idosos e corriam riscovulkanvegas comse infectar. Pensei na solidão da velhice, no que eu não sabia sobre meu próprio pai ou minha mãe e no meu próprio envelhecimento — porque envelhecemos muito, mas também porque estouvulkanvegas comuma idadevulkanvegas comque a curva aponta para baixo, e isso é irremediável.
O tema da família foi se impondo, e me interessou profundamente: o pai, a mãe, os filhos, porque você também faz um balanço da relação com seus filhos, um assunto do qual pouco se fala, porque muitas mães que têm relações ruins com seus filhos escondem ou negam, não querem aceitar.
vulkanvegas com BBC Mundo - Como a relação ásperavulkanvegas comEmilia comvulkanvegas comfilha Pilar, como se cada uma vivessevulkanvegas commundos muito diferentes...
vulkanvegas com Bonnett - Os filhos julgam os pais com extrema severidade, e não entendemos quem eles são até ficarmos muito velhos. Isso pode nos levar a ser cruéis ou indiferentes e a nem mesmo perguntarmos sobre suas vidas.
É também um grande tabu; as mães minimizam a indiferença, a incompreensão e até as agressões que podem receber dos filhos.
vulkanvegas com BBC Mundo - Mas as agressões também vêm dos pais. Emilia foi castigada pelo pai e acha que "os laços familiares também são algemas". Você concorda?
vulkanvegas com Bonnett - Muita gente não se atreve a encarar esses problemas e tenta fugir deles, porque são os mais insolúveis. Você coloca o dedovulkanvegas comalgum lugar e eles começam a aparecer.
O vínculo familiar é acompanhado por um imperativo social e quase divino: comvulkanvegas commãe você não briga, com seu pai, com seus irmãos e seus filhos você não briga.
Com amigos você pode ter uma mágoa, mas não essa enorme culpa. Pelo menos na América Latina, e vejo isso na Colômbia, há uma idealização das relações familiares. O que é diferente é a relação com o pai, existem muitos romances acusatórios do pai.
vulkanvegas com BBC Mundo - Do que eles são acusados?
vulkanvegas com Bonnett - Os pais causam muitos danos pela masculinidade mal administrada. Meu pai me castigava quando era pequena; não foi muito, e nada que configurasse maus tratos, mas era aceitável que o pai desse umas palmadas e uns cascudos, e isso me afetou profundamente.
Comecei a odiar a autoridade masculina, a odiar a Deus, que exigia tantas coisasvulkanvegas commim. Era contra todo tipovulkanvegas comautoritarismo. Mesmo das freiras.
Não é só o (autoritarismo) masculino, mas uma ordem que te subjuga, te aprisiona.
Então compreendi algo que me salvou: que meu pai era uma pessoa que tinha medo da vida, porque ficou órfão muito novo. Aos 14 anos, foi morarvulkanvegas comum hotel abandonado, pois seu pai se casou com outra mulher.
Ele tinha medovulkanvegas comnão exercer o papelvulkanvegas compai, e minha mãe atribuía toda a responsabilidade a ele: "seu pai está chegando".
Ele desempenhava o papel que a sociedade lhe impunha, que incluía o que haviam feito com ele: bater nele, espancá-lo, gritar ou socar a mesa, coisas que eram aterrorizantes para mim. Quando entendi, comecei a perdoar, mas isso fica ali, como uma cicatriz.
vulkanvegas com BBC Mundo - O maridovulkanvegas comEmilia, um homem pouco empático, parece estarvulkanvegas comsegundo plano, já que ela se refugia emvulkanvegas comescrita. E a pergunta que fica: o que é o amor quando se está junto há tanto tempo?
vulkanvegas com Bonnett - Quis falar sobre o quartovulkanvegas comVirginia Woolf, que para ela é o trabalho e literalmente um quartinho do apartamentovulkanvegas comque se refugiava. Tambémvulkanvegas comum momento nos casamentos... Porque aos 35, você vai embora, mas quando se tem 60 você diz: "Por que eu vou sair?" Há muito medo da solidão na velhice.
O marido é um personagem perturbador, é possível se concentrar e ignorá-lo, como quando há um mosquito que zumbe perto do ouvido o tempo todo — que você pode espantar, mas não toma uma decisão.
Um casamentovulkanvegas com30 anos é unido por muitas coisas, solidariedades, conhecimentos; se não há violênciavulkanvegas comfato ou infidelidade, fica difícil jogar tudo para o alto, e eu queria mostrar essa complexidade.
É comum que se diga a um amigo que tem um casamento morno algo como 'ah, se separa', mas não é tão fácil.
No caso das mulheres latino-americanas, elas também têm medovulkanvegas comque os homens procurem asvulkanvegas com30 anos, e não as que têm 65. A ideiavulkanvegas comque ninguém se interessará por você ou amar vocêvulkanvegas comnovo. É uma velhice com amigas, mas não com homens.
Ultimamente tenho me interessado pelo tema aposentadoria: o homem que saía todos os dias e chegava às 6 da tarde, só te deixava ver alguns ângulos da vida dele, mas quando você o tem lá e ele envelhece, te mostra um futuro inesperado.
vulkanvegas com BBC Mundo - Os homens são necessários ou uma velhice com as amigas é suficiente?
vulkanvegas com Bonnett - Se tivesse que escolher, preferiria uma velhice cheiavulkanvegas comamigos,vulkanvegas compessoas felizes, rindo, sem o pesovulkanvegas comum marido antipático.
vulkanvegas com BBC Mundo - Além da violência cotidiana que você descreve, há outra violência maior, como a do namorado da juventude que engravidou a companheira. Uma noite ela se recusou a fazer sexo, mas "ele montou nela rudemente, abriu suas pernas com um dos joelhos e a penetrou sem preâmbulos". Como os limites são impostos aos abusadores?
vulkanvegas com Bonnett - O episódio com o namorado me interessou para mostrar que ela não é burra, porque ela toma uma decisão e aborta. Ela o deixa e logo acaba se casando e reconstruindovulkanvegas comvida. Mas depois há a morte do filho e alguns silêncios, por contavulkanvegas comcoisas que não foram ditas.
vulkanvegas com BBC Mundo - É a mortevulkanvegas comum bebê, uma morte súbita. Você viveu a experiênciavulkanvegas comperder seu filho Daniel, e no livro fala-se que "a morte não é algo natural, com o qual podemos concordar", Como as duas coisas estão vinculadas?
vulkanvegas com Bonnett - A mortevulkanvegas comum filho quebra uma vida para sempre, embora um filhovulkanvegas com28 anos não seja o mesmo que um bebê.
Eu roubei essa experiênciavulkanvegas comuma amiga, a quem aconteceu exatamente isso.
Mas repare que depois tem o episódiovulkanvegas comque ela guarda as coisinhas do bebê, e que o marido a joga no chão com uns tapas, porque ele odeia o fatovulkanvegas comque aquela ferida ainda esteja aberta nela.
Ele quis fechá-la, porque é um homem com sensibilidade limitada. Por outro lado, ela é uma pessoa... Eu sei que há leitorasvulkanvegas comquem Emilia desperta raiva.
vulkanvegas com BBC Mundo - Por quê?
vulkanvegas com Bonnett - Ela (Emília) é da minha geração, mulheres que achavam que tínhamos rompido com tudo porque tomamos a pílula, pedimos divórcio, fomos para a universidade, criamos filhos trabalhando.
No entanto, a educação que recebemos nos deixou com males atávicos. Alguns arraigados.
Tenho amigas que são pessoas muito importantes e que dizem: "Tenho que ir porque meu marido está chegandovulkanvegas comcasa".
As mudançasvulkanvegas commentalidade acontecem muito lentamente, a literatura tem o devervulkanvegas comrevelar essas mentiras que contamos a nós mesmos.
Por isso gostei muito do livro Fierce Attachments,vulkanvegas comVivian Gornick, (lançadovulkanvegas comespanhol com o título Apegos feroces, e no Brasilcomo Afetos Ferozes), porque é esse apego, essa palavra tão forte.
vulkanvegas com BBC Mundo - "Quantos anos levou para que ela deixassevulkanvegas comse sentir escrava da culpa. Culpa por odiarvulkanvegas commãe, que a mandava se calar apenas com os olhos durante as visitas familiares; seu pai, que a cercava com suas proibições e a humilhava com seus castigos;vulkanvegas comirmã, que a julgou..." Como é o processovulkanvegas comse libertar da culpa?
vulkanvegas com Bonnett - É muito difícil desapegar, porque recebemos aquela educação religiosa que tem toda a ênfase na culpa.
Mas sou uma mulher que quase não carrega culpa. Em relação à morte do Daniel quase não tenho. Talvez a mais prevalente seja avulkanvegas comnão poder ir ver meus pais tantas vezes quanto deveria.
vulkanvegas com BBC Mundo - Isso veio naturalmente ou houve um esforço?
vulkanvegas com Bonnett - Eu fiz um esforço, naturalmente você não chega a se livrar totalmente da culpa.
Mas há também uma epígrafevulkanvegas comuma obravulkanvegas comSusan Sontag que diz: "Olhe para si mesmo nas relações com os outros e se pergunte: será que eu também contribuo?"
Há pessoas que não são capazesvulkanvegas comse fazer essa pergunta. Somos cegos para nós mesmos, é difícil entender até que ponto somos culpados.
Emilia parece uma pessoa sem culpas, ela não sente culpavulkanvegas comrelação ao bebê, embora às vezes diga que talvez ela o tenha deixadovulkanvegas comuma posiçãovulkanvegas comque não o tocou, não o protegeu, não o levou ao médico. Mas é uma reflexão externa, ela não está atormentada.
vulkanvegas com BBC Mundo - "O corpo não responde, a máquina está desligando... isso não dura muito", disse a Emilia seu pai. Ao que ela pensa: "Como responder a isso, que banalidades, que falsos consolos?" Como é olhar a velhicevulkanvegas comfrente?
vulkanvegas com Bonnett - A velhice tem duas fases: quando se entra nela e se começa a ver as mudanças que ela traz, abre-se mãovulkanvegas comalgumas coisas, mas ainda assim a vida é cheiavulkanvegas comopções. Essa primeira velhice, entre 60 e 75 anos, é uma épocavulkanvegas comgrande produtividade para os intelectuais.
Há mais compreensão, mais bondade, há liberdadevulkanvegas comrelação ao tempo, às tarefas.
Mas aquela que vivi com meus pais, a segunda velhice, é dolorosa, porque envolve algo horrível que é a paralisia na espera da morte.
vulkanvegas com BBC Mundo - "Quem envelhece fica feio", ela pensa, e "o feio é aquele que se odeia". "Como não sentir um certo desgosto ao ver as estrias no baixo ventre, os joelhos roliços, a flacidez que já está causando estragos"... Como você lida com a deterioração física?
vulkanvegas com Bonnett - Alguns se envolvemvulkanvegas comuma guerra contra o tempo. São as mulheres que vivem com base no não-envelhecimento e que travam essa batalha diariamente. E há outros, entre os quais me incluo, que estamos registrando as mudanças e buscando as contrapartidas, mas as mudanças doem.
Quando você não consegue mais subir e descer escadas no mesmo ritmo, quando você está fazendo turismo e é difícil chegar àquele lugar mais alto, onde a vista é mais bonita. São renúncias duras.
Há algum tempo li sobre uma escritora argentina que se suicidou porque não suportava ver-se fisicamente. É preciso acumular sabedoria para não chegar a esses momentosvulkanvegas comdesespero.
vulkanvegas com BBC Mundo - Como compensa as mudanças físicas?
vulkanvegas com Bonnett - Ouço muita música, leio livros, vou à praia, e não ao Himalaia. Como muito — é o que os velhos fazem, comem —, bebo um bom vinho.
Idealmente, tudo poderia se encaixar, mas nunca se encaixa. Sempre falta alguma coisa.
vulkanvegas com BBC Mundo - A que se refere?
vulkanvegas com Bonnett - À saudade do sexo, por exemplo. A renúncia da sexualidade, a renúncia do amor! Nem pensevulkanvegas comsexualidade, pensevulkanvegas comamor, aquela coisa agitada que existe até os 50 anos; ou mesmo nos 60, há mulheres que se apaixonam nessa idade. Os homens se apaixonam até os 80 anos.
vulkanvegas com BBC Mundo - E por que não as mulheres?
vulkanvegas com Bonnett - Eu estava conversando com Chantal Maillard, uma escritora belga que moravulkanvegas comMálaga, e ela me disse que os homens têm um fardo que nós não temos, que é a libido. Nós, mulheres, a perdemos mais rápido. Aquele impulso brutal que os leva a assistir pornografia o tempo todo ou a se tornarem velhos horríveis que tentam tocar as meninas, nós não temos essas coisas patéticas.
Não se vê uma velha tentando colocar a mão na nádegavulkanvegas comum jovemvulkanvegas com20 anos, certo?
vulkanvegas com BBC Mundo - Perdemos a libido por conta da nossa natureza ou porque tivemos que reprimi-la e controlá-la culturalmente?
vulkanvegas com Bonnett - Também fomos educadas para reprimir, e isso está reformatando nosso cérebro.
É sobre o que vou escrever agora, a relação com meu corpo, que é uma relação geracional, social. Como quando te faziam acreditar que você era "puta" se beijasse um rapaz quando tinha 14 anos.
vulkanvegas com BBC Mundo - Ver a vida como um todo que desmorona é ilusório?
vulkanvegas com Bonnett - É uma maneira metafóricavulkanvegas comdizer algo como: minha vida estávulkanvegas compedaços, como dizem as pessoas; ou minha vida foi destruída. Mas há muitas outras tramas que estão lá. O que acontece é quevulkanvegas comrepente no processovulkanvegas comautoavaliação há uma percepção do trágico.
vulkanvegas com BBC Mundo - O que acontece quando tudo se despedaça?
vulkanvegas com Bonnett - Duas coisas possíveis: ou você afunda, pensa quevulkanvegas comvida é um fracasso, e isso te derruba; ou que você renasce como Emilia, que tem o ímpetovulkanvegas comum segundo nascimento.
vulkanvegas com BBC Mundo - E qual seria o seu equilíbrio?
vulkanvegas com Bonnett - A literatura me salvou, esse é o meu equilíbrio. Ensinou-me a amadurecer e serviuvulkanvegas comapoio quando Daniel morreu.
Claro que minha vida também tem buracos, como um queijo gruyère, porque você está sempre descontente com algo sobre você ou sobre a realidade, e é por isso que você sente vontadevulkanvegas comcontinuar escrevendo.
A literatura é um grande suporte, no meu caso, também tendo sido professora e transmitindo aos outros a visão da arte como caminhovulkanvegas comtranscendência. Essas duas coisas. E o amor dos poucos que amaram alguém.
Agora tenho três netas, e por isso não quero morrer ainda, quero que tenham uma ideia da avó,vulkanvegas comquem fui, do que fui, e que não se esqueçamvulkanvegas commim.
- Este texto foi publicadovulkanvegas comhttp://vesser.net/geral-63602842
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