Eleições 2022: esquerda precisa focaremprego contra 'identitarismomaioria'Bolsonaro, diz pastor:
Para o pastor, que aconselhou o candidato derrotado Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno, isso, somado a uma atitude que ele chama"condescendente" da esquerdarelação aos evangélicos, leva os neopentecostais conservadores a cerrar fileiras pela candidaturaJair Bolsonaro (PL).
Gonçalves decidiu declarar votoLuiz Inácio Lula da Silva (PT) poroposição ao atual presidente, que considera o introdutoruma "seita pseudocristã chamada 'bolsonarismo dentro da igreja'".
"Nós estamos indo para o caminhouma ex-nação."
Carioca52 anos, ele é pastor da IgrejaDeus, uma denominação pentecostal, fundada1836 nos Estados Unidos, "conservadora e tradicional" e "que2014 para cá vem tendo umas ideias muito erradasrelação à questão política".
"Mesmo com todas as dificuldades, problemas e as nossas contradições, me mantenho ali porque ainda acredito que é um ambiente que a gente ainda podealguma forma viver sem que fique insalubre."
Em meio a pressões na igreja, Gonçalves deixouser pastortempo integral e desde 2004 é concursado da Polícia Rodoviária Federal. Mora hojeSanta Catarina.
O Movimento Cristãos Trabalhistas, que ele ajudou a fundar no final2017 e do qual foi presidente, inicialmente era formado apenas por evangélicosigrejas como AssembleiaDeus, Presbiteriana, Batista e Quadrangular, e mais tarde agregou católicos.
O grupo ainda vai se reunir para definir a posição conjunta sobre o segundo turno — a declaraçãovotoLula é um anúncio pessoalGonçalves.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista com o pastor:
BBC News Brasil - Por que Lula e a esquerda têm dificuldadesobter o voto evangélico?
Pastor Alexandre Gonçalves - Se você pergunta para os evangélicos se eles querem ter saúde e escola públicasqualidade, um transporte público ágil para não ficar 3 horas no trânsito e direitos trabalhistas como férias, eles vão dizer que sim. É dessa forma que a gente consegue se conectar com as igrejas.
Se você inicia um diálogo com temas transversais, ainda que eles tenham aimportância, mas que são dominados por um identitarismominoria, isso acaba fazendo surgir um identitarismomaioria. Isso faz muito bem à direita. A direita ganha nesse campo.
A prioridade hoje da chamada nova esquerda, que a gente acredita que é oriundauma tendência norte-americana, édefesaum identitarismo que entendemos ser raso e dissociado da luta universal dos trabalhadoresprolsua emancipação.
E se você quer impor através do Estado conceitosfamília, seja o conceito cristão tradicional ou o conceito liberal da esquerda, você vai causar conflito.
Emprego, saúde e trabalho têm que ser o foco para a esquerda ganhar alguma eleição majoritária. Porque se for entrar com a luta identitária, o Bolsonaro ganha com o identitarismomaioria. É só saber matemática.
BBC News Brasil - Quais são os problemascomunicação da esquerda com essa fatia da população?
Gonçalves - Se uma pessoa fala qualquer termo que não estáacordo com a linguagem da nova esquerda, o que acontece com essa pessoa? Ela não é ensinada: ela é massacrada. Não há uma pedagogia para essa pessoa. Ela não é, com amor, induzida a mudar o seu modopensar, ela é destruída.
Querem mudar uma estrutura brutalopressão mudando a linguagem, ou seja,fora para dentro. Eles acham que alterando a forma vão conseguir alterar o conteúdo. Primeiro, você tem que mexer lá dentro, no conteúdo. A forma vem depois.
Isso é ensinamentoJesus: "Lave o copo por dentro". Ou seja, primeiro é ali dentro, tem que mexer nessa estrutura. E como mexe nessas estruturas? Justamente mexendo na economia.
A esquerda fica mais preocupadafalar "vamos legalizar o aborto". Não estou dizendo que essas pautas não sejam importantes. Elas têm aimportância. Mas não vão resolver o problema estrutural. Qual é o motivo que faz as pessoas abortarem? Qual o motivo que faz com que pessoas transsexuais sejam discriminadas?
Outro ponto [ruim na comunicação] é a fragilidade moral da nova esquerda. Quando ela se tornou governo, houve uma realidaderoubalheira generalizada que é injustificável. Houve o lavajatismo? Houve sim, mas a autoridade moral que a esquerda tinha quando era oposição foi perdida.
BBC News Brasil - Mas por que denúnciascorrupção relacionadas ao governo e à família Bolsonaro, alémdeclarações do presidente que afrontam valores das igrejas cristãs, como a defesa do aborto feita no passado, não afetam o apoio majoritário dos evangélicos a ele?
Gonçalves - Aí são dois problemas: um na esquerda e outro dentro da igreja. No Brasil, entre os anos 1950 e 1960, entraram duas teologias: a do domínio e a da prosperidade, uma com ligação à outra. A do domínio pregava que o reinoDeus será estabelecido aqui na Terra pela igreja. Daí o nome.
E como é esse domínio? A igreja tem que exercer influência nas principais áreas da sociedade: política, economia, cultura, arte, tudo. E aí uma grande parte das igrejas, principalmente as neopentecostais, tomaram essa teologia podre, que veio para cá importada dos EUA, e colocaram na vida política.
Vários falam para mim: "Bolsonaro não é cristão, a gente sabe que ele não é. A gente sabe que ele tem um monteerros, mas ele defende os valores cristãos".
Bom, mas você não vota num governante para que ele imponha princípios cristãos à sociedade. Você vota no governante para que ele possa administrar o bem públicoforma que todos possam se beneficiar. Isso se inverteu na cabeçagrande parte dos evangélicos, principalmente por causa do aumento das igrejas mercantilistas massivas.
E a igreja evangélica tem o olhar reducionista sobre a esquerda: diz que todo mundo é comunista e não consegue separar entre sociais-democratas, trabalhistas etc. Reduz a esquerda a casamento gay, aborto e maconha. A esquerda, porvez, se sente superior, tem um olhar condescendente com os evangélicos.
BBC News Brasil - Há como a esquerda usar uma linguagem, usando as palavras do senhor, "menos condescendente" e defender temas como o combate à violência homofóbica e a legalização do aborto?
Gonçalves - Não numa eleição majoritária. Candidatos a presidente, a governador, não tem que entrar nessas pautas. Quem tem que entrar, quem vai entrar, são os candidatos a cargos proporcionais. É esse o ponto. Até porque o presidente não pode fazer nada sobre isso. Presidente não pode legalizar o aborto. Isso é tarefa do Congresso Nacional. Um candidato a presidente tem que fugir dessas cascasbanana. Numa campanha majoritária você não quer só o voto da esquerda, você quer o voto da maioria da população.
O que aconteceu no Chile recentemente foi uma oportunidade imensamudar o sistema previdenciário e introduzir uma nova Constituição. A nova esquerda do Chile introduziu esses temas na reforma constitucional. O que aconteceu? 60%rejeição.
Nós temos um Brasilinterior com muita gente que não tem a mentalidade das grandes cidades. E mesmo dentro das grandes cidades, nas periferias, há pessoas com um pensamento muito diferente do que se vê nas novelas, nos filmes, na arte… e eles são brasileiros.
O caminho é não falar e deixar isso para as representações legislativas. Houve eleiçãorepresentantes transsexuais para a Câmara Federal. Essas pessoas terão que levar debates, por exemplo, sobre se o SUS [Sistema ÚnicoSaúde] poderá bancar cirurgiasmudançasexo, fazer projetoslei e, dentro da democracia do país, ou seja, no Congresso Nacional, levar isso à votação, que será aprovado ou não.
BBC News Brasil - Na última sexta-feira (7/10), Lula afirmou ser contra o aborto e que a discussão sobre o assunto é "papel do Legislativo". O que achou do anúncio?
Gonçalves - Eu acho que é a declaração correta. Ele falou aquilo que ele pensa. Com toda certeza se outra pessoa declarasse isso seria cancelada para o resto da vida na internet. Mas como é o Lula não tem problema, ele pode falar.
BBC News Brasil - Qual é a visão do senhor como pastor sobre o casamento gay e a comunidade transsexual?
Gonçalves - Nós temos uma posição clara no nosso movimento dos Cristãos Trabalhistas que não somos contra a união civilpessoas do mesmo sexo e a existênciaqualquer pessoa. Isso são fundamentos do Estado laico. Não somos contra que possam estabelecer seus direitos previdenciários,planosaúde, tudo.
O que nós nos colocamos contra é uma imposição para que, dentro das igrejas, pastores sejam obrigados a efetuar o casamento religiosopessoas do mesmo sexo. Eu acho que aí deve seracordo com a consciênciacada pastor. Tem igrejas que fazem e tem igrejas que não fazem. É uma questão teológica, doutrinária, que diz respeito à liturgia dentrocada igreja, e elas devem ter essa independência, que é um pressuposto do estado laico.
As pessoas num estado laico são livres para o que anteriormente se via como escolha e hoje pode ter uma força biológica. Isso não é algo que a igreja tenha que se intrometer. Essas pessoas têm todo o direitoexistir e ter aplena cidadania. Dentro do movimento a gente tem bastante respeito.
BBC News Brasil - Como o senhor vai se posicionar no segundo turno?
Gonçalves - O nosso movimento está para se reunir, mas a minha posição pessoal évoto silente no Lula. E as minhas razões não sãocunho econômico ou social porque eu entendo que Lula e Bolsonaro têm o mesmo modelo. É por contaque, embora eles causem mal ao paísmaneiras diferentes, Bolsonaro introduziu o que a gente chamauma seita pseudocristã chamada "bolsonarismo dentro da igreja". É um mal que ele causa à igreja, muito maior do que o mal que,maneira abstrata, Lula poderia causar. O mal do Bolsonaro é concreto porque tem entrado na estrutura da igreja usando símbolos cristãosnome do poder. Não há como não me posicionar contra ele. E o que tem hoje contra ele é o Lula. Então, a minha posição é o votoLula.
- Este texto foi publicadohttp://bbc.co.ukhttp://vesser.net/brasil-63165499
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