Brasileiros criam sistema para prever epidemiasdengue e febre amarela:
Mas será que é possível prever novos surtos e impedir que os númeroscasos e mortes subam vertiginosamente?
Essa é a missãoum grupocientistas espalhados por maisdez instituições nacionais e internacionais.
Eles acabamlançar um projeto ambicioso, que vai monitorar o comportamento desses vírus pelos próximos cinco anos.
A partir daí, eles pretendem criar modelos que permitirão se antecipar às futuras crisessaúde pública causadas por essas enfermidades.
Um ' Big Brother ' da biologia
A pesquisa vai acontecerquatro lugares: São José do Rio Preto (SP), Manaus (AM) ealgumas regiões do Pantanal e do Panamá.
"São locaisque há muita transmissãodoenças por mosquitos e onde temos laboratórios e profissionais capacitados para trabalhar", justifica o médico virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da FaculdadeMedicinaSão José do Rio Preto (Famerp) e um dos coordenadores da iniciativa.
Ao longo dos próximos cinco anos, os cientistas vão fazer um monitoramento contínuo dos quatro personagens envolvidos no processouma epidemia: os vírus, os mosquitos, os animais intermediários e os seres humanos.
A proposta é, entre outras coisas, fazer o sequenciamento genético dos vírus causadores dessas doenças e analisar a distribuição e o comportamentoseus transmissores: os mosquitos Aedes aegypti (que dissemina dengue, zika e chikungunyaambientes urbanos), Haemagogus e Sabethes (vetores da febre amarelaáreas silvestres).
Outra atividade será acompanhar os animais que também podem ser infectados por esses agentes infecciosos, especialmente algumas espéciesmacacos.
Apesarnão transmitirem a doença diretamente às pessoas, o aumentocasos entre os primatas pode significar o inícioum novo surto ou o aumento do riscotransmissãoáreastransição entre cidades e florestas.
"Também vamos coletar e analisar amostraspacientes com casos suspeitos e observar o que acontece com milharespessoas que moramdeterminados bairros dos quatro centrosestudo", detalha a virologista Lívia Sacchetto, pós-doutoranda na Famerp.
Efeitos práticos (e imediatos)
A partir da coletatantas informações, os cientistas pretendem criar modelos que permitirão se antecipar às crises sanitárias antes mesmo que elas se iniciem.
Nogueira lembra que, entre 2018 e 2019, a regiãoSão José do Rio Preto, no interior paulista, enfrentou uma epidemiadengue do tipo 2 — sabe-se que existem quatro tipos diferentes do vírus causador dessa doença, que circulam com mais ou menos intensidadeforma periódica.
"Nós conseguimos prever que a dengue tipo 2 iria se tornar um problemabreve e conseguimos avisar as autoridades a tempo para que algumas medidas preventivas fossem tomadas", recorda.
Com alertas desse tipo, é possível reforçar as açõescombate ao Aedes aegypti, como a limpezaterrenos baldios e reservatórioságua parada que servemcriadouro para o mosquito.
No caso da febre amarela, por exemplo, o aparecimento dos primeiros casos entre os macacosuma região já pode ser suficiente para que aconteçam reforços nas campanhasvacinação para proteger aqueles que ainda estão suscetíveis.
Um segundo ponto essencial do projeto está na análiseoutros vírus que também são transmitidos por mosquitos e já circulam pelo Brasil e pelas Américas.
"Já foram identificados no país vírus como o mayaro e o oropouche, que podem provocar epidemias futuras e precisam ser estudadosperto", acrescenta Sacchetto.
Os ingredientes da crise
Para dar início ao projeto, os responsáveis publicaram recentemente um artigo científicoque discutem os principais fatores por trás do surgimento das epidemiasdengue, zika, chikungunya e febre amarela.
De acordo com os autores, não há mais dúvidas sobre o papel da mudança climática e da destruiçãoflorestas nativas no agravamento deste processo.
"Vemos infestações enormesAedes, que se aproveitamtemperaturas quentes para se reproduzir com mais facilidade", explica Sacchetto.
Além disso, muitos vírus ficam "quietinhos" dentroáreas silvestres. Mas o desmatamento e a entradaseres humanos nesses locais faz com que os agentes infecciosos acabem "pulando" para nossa espécie, num processo parecido ao que ocorreu com o coronavírus responsável pela pandemia atual.
Mas os cientistas desejam ir além desses conhecimentos básicos e estabelecer outros ingredientes que servemgatilho para o aumentoinfecções por essas doenças transmitidas por mosquitos.
"Queremos olharperto para eventos maiores, como o deslocamento populacional ou fenômenos climáticos como o El Niño e o La Niña, para entender como eles contribuem com essas epidemias", vislumbra Nogueira.
A pesquisa envolve cercadez instituições nacionais e internacionais. Além da própria Famerp, outros participantes vêm do Instituto NacionalPesquisas da Amazônia, da Universidade Federal do Mato Grosso, da Universidade Federal do Amazonas, da Universidade Estadual do Novo México (EUA), do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e do Instituto Comemorativo GorgasEstudos da Saúde (Panamá), entre outras.
O trabalho é financiado pelos Institutos NacionaisSaúde dos Estados Unidos e conta com o apoio da FundaçãoAmparo à Pesquisa do EstadoSão Paulo (Fapesp).
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