As 3 teses que tentam explicar como a febre amarela rompeu fronteiras da Amazônia e atingiu o Sudeste:world sport
De acordo com uma das teorias que tentam explicar essa migração, um humano infectado na Amazônia teria se deslocadoworld sportseguida para alguma regiãoworld sportMata Atlântica, possivelmenteworld sportMinas Gerais, e sido picado lá por outros mosquitos, que teriam depois espalhado a doença.
Uma segunda hipótese é aworld sportque insetos que adquiriram o vírus na Amazônia foram se deslocando progressivamente para o sul do país, por meioworld sportcorredoresworld sportfloresta e rios, passando por Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rioworld sportJaneiro. A estimativa é que um mosquito seja capazworld sportvoar por cercaworld sport3 km por dia.
Uma terceira teoria aponta desequilíbrios ambientais causados pelo rompimento da barragem da Samarco,world sportMariana (MG), como fator responsável por multiplicar casosworld sportcontaminação por febre amarela. Segundo essa teoria indica, o desastre ambiental eliminou predadores dos mosquitos, aumentando a população desses insetos.
Descobrir o que provocou a chegada do vírus ao Sudeste e o aumento inesperadoworld sportcasos é importante, segundo especialistas, para detectar por onde a doença ainda deve passar e adotar medidasworld sportprevenção contra novos surtos, com campanhasworld sportvacinação eworld sporteliminaçãoworld sportfocosworld sportmosquito.
Como tudo começou...
O vírus da febre amarela existe no Brasil desde os tempos coloniais.
Os navios portugueses vindos da África no século 17 e 18 não trouxeram ao Brasil somente africanos escravizados e mercadorias. Dois inimigos silenciosos do homem vieram junto - o vírus da febre amarela, presente no corpo dos passageiros, e o mosquito Aedes aegypti, que também transmite dengue, chikungunya e zika.
As consequências foram uma sérieworld sportsurtosworld sportfebre amarela urbana no Brasil, com milharesworld sportmortos. Diferentemente do que ocorre hoje, a doença predominava nas cidades, não nas florestas, e era transmitida pelo Aedes aegypti, não por mosquitos silvestres (que vivemworld sportmatas).
No século 20, campanhasworld sporterradicação do Aedes aegypti conseguiram acabar com a febre amarela urbana. Mas o vírus já tinha migrado - pelo trânsitoworld sportpessoas infectadas - para zonasworld sportfloresta na região Amazônica, e passou a ser transmitido apenas por mosquitos silvestresworld sportduas categorias, Haemagogus e Sabethes.
"A partir da febre amarela urbana, as pessoas, entrando na mata, introduziram o vírus no ambiente silvestre. O fato é que, na Amazônia, o vírus ficou até hoje. Na Mata Atlântica, ficou até 1940, quando se extinguiu o ciclo silvestre na região", explica Falqueto.
No início dos anos 2000, alguns casosworld sportfebre amarela começaram a ressurgirworld sportáreas da Mata Atlântica, segundo o pesquisador Ricardo Lourenço, do Instituto Oswaldo Cruz. A partirworld sportdezembroworld sport2016, o númeroworld sportinfectados explodiuworld sportalgumas regiõesworld sportMinas Gerais e Espírito Santo, caracterizando um surto. E, entre 2017 e 2018, registrosworld sportfebre amarela cresceram rapidamente no Rioworld sportJaneiro eworld sportSão Paulo.
Teoria 1 - vírus trazido pelo homem
Alguns pesquisadores argumentam que o vírus desceu do Norte para o Sudeste do país porque um ser humano infectado na Amazônia foi para a Mata Atlântica e acabou sendo picado por outros mosquitos silvestres que espalharam a doença.
"A minha teoria é o elemento urbano. Muitas pessoas migram para a Amazônia sem tomar vacina. Uma pessoa pegou o vírus na Amazônia e entrou na Mata Atlântica depois, possivelmente na alturaworld sportMontes Claros,world sportMinas Gerais, onde surgiram casosworld sportmacacos e pessoas infectadas", defende o professor Aloísio Falqueto, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
O pesquisador destaca que, uma vez na Mata Atlântica, o vírus se espalhou rapidamente, já que lá havia uma grande quantidadeworld sportalimentos para os mosquitos - sangueworld sportmacacos. E os primatas dessa floresta estavam vulneráveis - não tinham desenvolvido anticorpos, uma vez que o vírus havia desaparecido da região na décadaworld sport1940.
Os mosquitos Sabethes e Haemagogus, atuais transmissores da febre amarela, moram na copa das árvores e preferem o sangue dos macacos. Essa preferência vemworld sportum processoworld sportadaptação genética, ao longoworld sportanosworld sportevolução das espécies.
"Aqui é um barrilworld sportpólvora. A forçaworld sporttransmissão é muito maior, porque já havia o vetor - mosquitos que moravam na Mata Atlântica - e uma diversidade amplaworld sportmacacos vulneráveis à febre amarela que nunca tinham desenvolvido anticorpos", afirma Falqueto.
Nos últimos meses, macacos têm sido mortos não apenasworld sportdecorrência da febre amarela, mas também por seres humanos que temem contrair a doença. Mas pesquisadores alertam que o massacre desses bichos é um "tiro no pé": se muitos macacos começarem a morrer, a tendência é que cresça a chanceworld sportcontaminaçãoworld sporthumanos.
Sem ter primatas para picar na copa das árvores, os mosquitos buscarão alimentoworld sportoutras localidades - e o homem vira a próxima opção como fonteworld sportsangue. Como o homem é um animal que se assemelha ao macaco, naturalmente se torna alternativa para o mosquito da febre amarela, que buscará instintivamente um bicho geneticamente próximo.
Teoria 2 - viagem do mosquito
Outros pesquisadores argumentam que os mosquitos silvestres que transmitem a febre amarela se deslocaram do Norte do país para o Sudeste aos poucos, voando ao longoworld sportrios e corredoresworld sportmata.
Conforme foram picando macacos na Mata Atlântica, e esses bichos foram morrendo, os mosquitos teriam se deslocado mais ao sul, passandoworld sportMinas Gerais e Espírito Santo para São Paulo e Rioworld sportJaneiro.
"É possível que (a migração do vírus) tenha sido causada por mosquitos que voaram entre manchasworld sportmata. Os mosquitos se dispersam por dois motivos: para achar lugar para colocar ovo e para achar fonteworld sportalimentação sanguínea", explica o pesquisador Ricardo Lourenço, do Instituto Oswaldo Cruz.
"Se começa a morrer macaco, o mosquito começa a buscar sangueworld sportoutro lugar. E ele vai voar distâncias maiores para colocar seus ovos. O deslocamento dessas espéciesworld sportmosquito pode alcançar 3 km por dia."
Tanto o homem quanto o macaco, quando picados, só carregam o vírus da febre amarelaworld sportquantidades suficientes para infectar outros mosquitos por cercaworld sporttrês dias. Depois disso, o organismo passa a produzir anticorpos, e a concentração do vírus diminui. Em cercaworld sportdez dias, primatas e humanos terão morrido ou se curado da doença, ficando imunes a ela.
Já o mosquito permanece com o vírus da febre amarela para sempre, segundo Ricardo Lourenço. Eles podem até passar o vírus para os ovos e, consequentemente, para os filhotes que nascerem.
Teoria 3 - rompimento da barragemworld sportMariana
Já o professor da Universidadeworld sportSão Paulo (USP) Eduardo Massad, que também leciona na London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido, acredita que o rompimento da barragem da Samarco,world sportMariana (MG),world sport2015, teve papel relevante na disseminação acelerada da doença no Sudeste do país.
Essa tese aponta que a destruição do habitat naturalworld sportdiferentes espécies, além da morteworld sportpeixes e outros animais, pode ter reduzido os predadores naturais dos mosquitos. Ao mesmo tempo, a tragédia ambiental pode ter afetado o sistema imunológico dos macacos, tornando-os mais suscetíveis ao vírus da febre amarela.
"A grande surpresa foi a velocidade com que a doença se espalhou no Sudeste. Tenho quase certezaworld sportque esse surto se iniciou como resultado do desastreworld sportMariana,world sportMinas Gerais, quando houve um grande desequilíbrio ecológico e algum fator causou o espalhamento rápido da doença no macaco", diz Massad, que é infectologista.
Segundo o professor, da USP,world sportum ano -world sportjaneiroworld sport2017 a janeiroworld sport2018 - houve um volumeworld sportcasos comparável ao registradoworld sportum períodoworld sport30 anos.
Em nota, a Samarco diz que "refuta qualquer afirmaçãoworld sportcorrelação entre o rompimento da barragemworld sportFundão e os casosworld sportfebre amarela." "Importante lembrar que não há estudos científicos que comprovem essa hipótese", disse a empresa, na nota.
E para onde o vírus anda vai?
E a "viagem" da febre amarela não deve terminarworld sportSão Paulo. O professor Aloisio Falqueto, da Ufes, prevê que o vírus continuará seguindo por corredoresworld sportmata e chegará ao Sul do país.
"A essa altura já devíamos estar vacinando as populaçõesworld sportdeterminadas áreas do Paraná eworld sportSanta Catarina", diz. A "migração" do vírus até o Sul, segundo o pesquisador, ocorrerá a partir do voo dos mosquitos silvestres que transmitem a doença e que transitam por áreasworld sportflorestaworld sportbuscaworld sportalimentos.
Para Falqueto, o númeroworld sportpessoas infectadas pela febre amarela desde que os casos começaram a aumentar rapidamente,world sport2016, poderia ter sido menor se governo estaduais tivessem planejado melhor a imunizaçãoworld sportzonas rurais, conforme o mapeamento dos "caminhos" possíveis do vírus.
É possível, segundo ele, prever o trajeto levandoworld sportconta corredoresworld sportfloresta a existênciaworld sportpopulaçõesworld sportmacacos. "Temos clamado desde o início do ano passado para vacinarem a população das áreas ruraisworld sportcontato com a Mata Atlântica. Eles despejaram muitas vacinas nas áreas urbanas quando não precisava. E faltou vacina para quem estava exposto", diz Falqueto.
O professor Eduardo Massad, da USP, diz que elaborou,world sport2014, um planoworld sportimunização para o Estadoworld sportSão Paulo depois que 11 pessoas morreram vítimasworld sportfebre amarelaworld sportBotucatu,world sport2009.
Mas, segundo ele, a Secretaria Estadualworld sportSaúde não implementou a campanhaworld sportvacinação nas áreas onde havia riscoworld sportchegada do vírus.
"Eu fiz cálculos matemáticos para determinar qual seria a proporção da população nas áreas não vacinadas que deveria ser imunizada, considerando os riscosworld sportefeitos adversos da vacina", conta.
"Infelizmente a Secretariaworld sportSaúde não adotou essa estratégia. Os casos estão acontecendo exatamente nas áreas onde eu havia recomendado a vacinação. A Secretaria está correndo atrás do prejuízo."
Desde julhoworld sport2017, foram contaminadas maisworld sport100 pessoasworld sportSão Paulo - maisworld sport40 pessoas morreram.
Vacinar ou não vacinar?
Porworld sportvez, o chefe da Coordenadoriaworld sportControleworld sportDoenças do Estadoworld sportSão Paulo, Marcos Boulos, também infectologista e professor da USP, argumenta que teria sido "irresponsabilidade" vacinar moradoresworld sportáreas que, na época, não era consideradas foco do vírus da febre amarela.
Boulos afirma que a vacinação também traz riscos e, portanto, deve ser promovida com cautela. "Em Botucatu tivemos 11 mortos pela febre amarela e 4 mortos por efeitos colateraisworld sportvacina. Quando você usa a vacinaworld sportregiões onde não tem epidemia, você só aumenta os riscos."
Ele também afirmou que, a partir dos primeiros casosworld sportfebre amarela no Estado,world sport2017, a Secretariaworld sportSaúde promoveu vacinaçãoworld sportáreas onde se previa que o vírus iria passar.
"No ano passado, vacinamos com cuidado, seguindo as rotasworld sportmacacos e corredoresworld sportfloresta. De cinco milhõesworld sportvacinas, tivemos dois efeitos com morte."
Ele argumenta que houve mais casosworld sportfebre amarelaworld sportMairiporã e Atibaia porque tratam-seworld sportcidades repletasworld sportmoradiasworld sportmeio a florestas. Além disso, acrescenta, o aumento do reflorestamento criou novos corredoresworld sportfloresta entre Minas Gerais e São Paulo, possibilitando novas rotasworld sportmigração do vírus.
"A entrada foi por áreaworld sportreflorestamento. Houve 16% do aumentoworld sportflorestas e se formou continuidadesworld sportmata. A entrada por Campinas foi por reflorestamento na fronteira com Minas Gerais", disse.
"Sabíamos que um dia poderia chegar próximo ao litoral, mas se acreditava que seriaworld sportmais sete ou 14 anos, e que daria para vacinar progressivamente. Estávamos visitando as casas e vacinando."
'Decisão difícil'
O pesquisador Ricardo Lourenço reconhece que não é fácil tomar a decisãoworld sportpromover campanhasworld sportvacinaçãoworld sportáreas onde ainda não há alertaworld sportfebre amarela, já que, embora considerada segura, a vacinação sempre gera alguns riscos.
A vacina contém uma dose ativa, porém enfraquecida do vírus, e estimula o corpo a produzir anticorpos contra a doença. Em alguns casos, pessoas desenvolvem os sintomas mais leves da febre amarela, como febre baixa e dor no corpo. Em casos mais raros, há o aparecimento dos sintomas graves - icterícia (amarelamento da pele e dos olhos), inflamação dos rins e fígado, hemorragias e, eventualmente, falência múltipla dos órgãos.
Uma dose imuniza a pessoa para a vida toda, conforme a Organização Mundial da Saúde. A dose fracionada adotada atualmente dura, segundo o Ministério da Saúde, por pelo menos oito anos.
A conclusão do tempoworld sportduração da dose fracionada vem, segundo Lourenço,world sportum estudo feito com 700 pessoas que tomaram essa dose menor e que vêm sendo monitoradas há oito anos.
"Se a cada um milhãoworld sportpessoas vacinadas, uma pode ter uma infecção com doença grave, para que arriscar? Essa é a pergunta que se faz. Mas o avisoworld sportque a febre está se aproximando está ocorrendo há muito tempo", diz Lourenço.
"Se a febre amarela tivesse sido controlada há mais tempo, se tivesse sido feita uma avaliação e um estímulo maior para vacinar a população limítrofe das últimas epidemiasworld sportMinas eworld sportSão Paulo, não teríamos tantas pessoas infectadas hoje. Muita gente nasceuworld sportáreas sem febre amarela e morreu disso, porque era tarde demais", defende.
Para o pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, os governos locais "não foram sensíveis e rápidos para comunicar e perceber o início da epidemia. E o governo federal não produziu a campanha no tempo necessário."
O Ministério da Saúde defende as açõesworld sportimunização adotadas. Em nota, a pasta afirmou que, "desde 2016, os Estados e municípios vêm sendo orientados para a necessidadeworld sportintensificar as medidasworld sportprevenção."
"Foram reforçados os estoquesworld sportvacinação nas áreas atingidas - só no ano passado, o ministério enviou aos Estados 45 milhõesworld sportdoses da vacina - e realizadas videoconferências com os gestores das regiões afetadas para programar ações para contingência e a realização da maior campanhaworld sportvacina fracionada do mundo, agoraworld sportcurso", diz o Ministério da Saúde.
"É importante lembrar ainda que a estratégiaworld sportvacinação já faz parte da rotinaworld sport21 Estados brasileiros e também é recomendado para pessoasworld sportoutras regiões que vão se deslocar para áreasworld sportmata nessas localidades. O Ministério da Saúde, ao longoworld sportdécadas, vem mantendo os estoquesworld sportvacina e ampliando as áreasworld sportvacinação conforme a necessidades apontadas pelo monitoramento constante", afirmou a pasta na nota enviada à BBC Brasil.
A orientação éworld sportque pessoasworld sportáreasworld sportrisco se vacinem.