Coronavírus: por que pandemia está acelerando saídaidosos do mercadotrabalho:
É esperado que as pessoas mais velhas, inclusive devido a aposentadorias, sejam proporcionalmente as que mais saiam da forçatrabalho, mas Ottoni diz que ficou impressionado com o volume, ao levantar os dados do perfilquem deixou o mercadotrabalho no começo da pandemia.
Ele lista hipóteses para a aceleração da saída dos mais velhos do mercadotrabalho, como a decisãopessoas já aposentadasdeixar um trabalho informal para ficarcasa ou a opção dos empregadores por funcionários mais jovens (e menos vulneráveis à doença).
"Em geral, são os idosos que saem mais da forçatrabalho, mas o volume agora estáoutra magnitude", diz Ottoni.
O dado anterior, que compara o último trimestre2019 com o mesmo período do ano anterior, mostra que a quantidadeidosos que deixaram a forçatrabalho foi696,4 mil. Isso é pouco mais da metade dos 1,3 milhão registrados no início deste ano.
Efeitos da pandemia
A pesquisamarço é a mais recente disponível com essa divisão por faixa etária. Embora capte só o início do coronavírus no Brasil, Ottoni aponta que ele já reflete os efeitos da pandemia e que dá o tom do que devem ser os próximos meses.
E o que justifica essa aceleração da saídaidosos? O economista diz que há explicações tanto do lado da demanda por trabalho quanto da oferta. Segundo Ottoni, o empregador pode ficar mais receoso ao contratar pessoas mais velhas (especialmente sem uma vacina contra coronavírus), seja pelo custominimizar os riscos para uma pessoa que está no gruporisco ou por discriminação.
Do lado dos trabalhadores mais velhos, ele diz que muitos idosos podem ter optado por ficarcasa — seja aquele que já tinha condições para se aposentar, seja o que já recebia uma aposentadoria e trabalhava informalmente para complementar renda.
Em famílias com melhores condições financeiras, filhos ou parentes mais jovens podem ajudar os pais. Em famílias com renda menor, Ottoni lembra que é difícil que não haja renda alguma para quem tem a partir65 anos: a partir dessa idade, todo idoso com renda familiar per capita inferior a 25% do salário mínimo tem direito a receber o BenefícioPrestação Continuada (BPC), no valorum salário mínimo mensal.
Aprovada2019, a reforma da Previdência exige que os brasileiros trabalhem até mais tarde para conquistar a aposentadoria. Mas esse efeito vai se intensificar daqui alguns anos, segundo Ottoni. Isso porque a reforma promulgadanovembro2019 prevê regrastransição para os trabalhadoresatividade — ou seja, por enquanto, ainda haverá brasileiros se aposentando antes da idade mínima fixada pela reforma,65 anos para homens e 62 anos para mulheres.
A reforma acaba,forma gradual, com a aposentadoria por tempocontribuição, que permitia que brasileiros se aposentassemqualquer idade, desde que completassem 35 anoscontribuição (homem) e 30 (mulher). Em geral, os aposentados nessa categoria sãofamílias com níveis maioreseducação e renda.
Uma das principais referências quando o assunto é envelhecimento populacional, a pesquisadora do InstitutoPesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ana Amélia Camarano chama atenção para a importância da renda do idoso nas famílias brasileiras.
Em 20% das famílias brasileiras, segundo ela, a renda do idoso representa mais da metade da receita familiar. Em 5 milhõesfamílias brasileiras, a renda do idoso é a única fonterenda.
Sobre a situação desse grupo durante a pandemia, ela resume: "o idoso está sendo afetado dos dois lados: o da saúde e o da renda".
"Se é aposentado, estáposição privilegiada, porque pode ficarcasa e ter alguma renda. Para quem não está aposentado, enfrenta o pior dos mundos: não tem como trabalhar e, se vai trabalhar, fica mais exposto."
'Quanto mais velho, mais preconceito'
A discriminação contra a população mais velha no mercadotrabalho não é uma novidade, e especialistas ouvidas pela BBC News Brasil acreditam que ela aumentará com a pandemia.
"Acredito que teremos um aumento da discriminação, que vai dificultar a entrada ou manutenção dessa pessoa no mercadotrabalho", diz Camarano. "Esse grupo está maisrisco, especialmente até a gente ter uma vacina, e já sofre mais preconceito no mercadotrabalho. Com desemprego muito grande, o empregador pode escolher."
Questionada se existe uma médiaidadeque as pessoas começam a sentir discriminação, Camarano diz: "Quanto mais velho, mais preconceito."
A subprocuradora-geral do Trabalho Sandra Lia Simon aponta que hoje o Ministério Público do Trabalho (MPT) registra 1288 procedimentoscurso cuja denúncia édiscriminação por idade. No ano passado, eram 1253.
"Sempre houve preconceito contra pessoas mais velhas, e não apenas com 60 anos ou mais. A partir54, 55 anos, a depender da atividade, já há esse preconceito", disse ela.
Simon, que foi a primeira mulher a comandar o MPT,2003 a 2007, aponta três principais motivosdiscriminação. Um deles é exatamente a questãosaúde. "Antes da pandemia, já se considerava que a pessoa mais velha é mais propensa a ter problemasaúde. Imagina agora."
Além disso, ela diz quetrabalhos que exigem menos qualificação há uma preferência por mais jovens, com mais preparo físico, e que,outras situações, há uma substituição por mãoobra mais barata. "Como os mais velhos têm mais experiência e já têm patamarsalário mais alto, esse salário acaba sendo o motivodiscriminação."
Um fator adicional intensificado pela pandemia é a demanda por conhecimentostecnologia, que ela aponta que muitas pessoas mais velhas não têm. Para os que têm empregos que permitem o home office, ela diz que a faltaconhecimento e afinidade com tecnologia entre pessoas mais velhas deve pesar.
Ottoni diz que a discriminação contra pessoas mais velhas é mais difícilmedir do que contra mulheres ou contra negros, por exemplo. Um dos motivos é o "pontocorte", quer dizer,qual idade começaria esse preconceito.
No Brasil, o Estatuto do idoso define como tal a pessoa que tem 60 anos ou mais. No entanto, outras políticas, como o BPC, são aplicadas para quem tem a partir65 anos. E, com a população vivendo cada vez mais e a medicina avançando, os especialistas também apontam que há uma grande diferença entre alguém que tem 60 anos hoje e uma pessoa60 anos há décadas atrás.
Em relatório divulgado2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já apontava que o combate à discriminação etária deve ser uma respostasaúde pública ao envelhecimento da população. A entidade defende campanhas para aumentar conhecimento sobre envelhecimento, aprovaçãoleis contra discriminação baseada na idade e uma visão equilibrada do envelhecimento nos meioscomunicação.
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