Coronavírus: entregadoresaplicativo trabalham mais e ganham menos na pandemia, diz pesquisa:

EntregadoraplicativobicicletaManaus

Crédito, Bruno Kelly/Reuters

Legenda da foto, Estudo apontou que 89,7% dos entrevistados tiveram ganhos iguais ou menoresrelação ao período antes da pandemia

Os autores da pesquisa disseram ter buscado a maior aleatoriedade possível entre os entrevistados por meio da distribuição do questionário "em diversas comunidades online que congregam diferentes perfistrabalhadores". Entre elas, estão gruposentregadores do Facebook e WhatsApp.

Eles disseminaram o questionário seguindo o método conhecido como bolaneve, quando integrantesdiferentes redes sociais o repassam para outras redes. O grupo ainda defende que o uso do questionário online "se mostra, na medida do possível, abrangente e não-enviesada, considerando que estes são necessariamente trabalhadores que realizam seu trabalho online".

Os pesquisadores dizem ser "possível aventar que as empresas estão promovendo uma redução do valor da horatrabalho dos entregadoresplena pandemia e sobremajorando seu ganho às custas do trabalhador". As empresas negam isso (veja mais abaixo as respostas das quatro empresas citadas pelos entregadores).

Gráfico

Crédito, Reprodução

Para os pesquisadores, "a redução da remuneração, associada ao aumento do riscocontágio, intensifica a condição que já era precária desses trabalhadores e sinaliza para a exacerbação do ganho da plataforma com as pressõesachatamento da remuneração dos trabalhadores".

Os dados revelaram que, antes da pandemia 48,7%, dos entregadores recebiam, no máximo, R$ 520,00 semanais. Durante a pandemia, estes passaram a ser 72,8% dos entrevistados.

Apenas 25,4% dos cadastrados nas plataformasentrega dizem ganhar acima desse valor na quarentena — o equivalente a R$ 2.080 por mês. Antes, eram 49,9%.

Gráfico

Crédito, Reprodução

O levantamento também perguntou aos trabalhadores se as empresas fornecem materiaisproteção para evitar a contaminação por coronavírus, como álcoolgel, máscaras e orientações.

Os pesquisadores disseram que 62,3% dos trabalhadores revelaram não ter recebido nenhum apoio das empresas para evitar se contaminar durante as entregas, o que gera custos adicionais ao trabalho.

Modelo 'perverso'

Uma das coordenadoras do estudo, a professora da Unicamp Ludmila Costhek Abílio, afirmou à BBC News Brasil que a pesquisa revelou "a perversidade" desse modelonegócios, no qual as empresas lucram mais enquanto os trabalhadores têmmãoobra desvalorizada.

"A gente sabe que as empresas estão ganhando muito mais, tanto é que elas pararamdivulgar o faturamento. Sabemos que a (empresadelivery) Rappifevereiro tinha tido crescimento30% na América Latina, mas depois não temos mais dados. O mais importante pra gente pensar agora é que os motofretistas viraram trabalhadoresserviço essencial e precisam ser valorizados", afirmou a pesquisadora.

Abílio afirmou que, apesarlucrarem mais, as empresas não têm responsabilidaderelação aos motofretistas e que o ideal é que elas oferecessem um programabonificações para incrementar a renda dos trabalhadores. Segundo a pesquisa apontou, 89,7% deles tiveram uma redução salarial durante a pandemia ou ganham o mesmo que antes. Apenas 10,3% relataram um aumento.

O levantamento também indicou que, durante a pandemia, 52% dos entrevistados afirmaram trabalhar todos os 7 dias da semana, enquanto 25,4% deles trabalham 6 dias. Os pesquisadores disseram que esses dois períodostrabalho — relatados por 77,4% — são considerados "ininterruptos".

"O trabalhador já vive no limite financeiro e não pode parar. Não interessa se a saúde estárisco, se eles não estão dando proteção ou garantiastrabalho. A Rappimarço teve um aumento300% do númerocadastros. Provavelmente aumentou o contingente enquanto está rebaixando o valor da horatrabalho sem deixar isso claro. Inclusive não há nenhuma pré-determinação do valor mínimo da horatrabalho desses motociclistas", afirmou a pesquisadora.

Entregadorluva checa aplicativo

Crédito, APU GOMES/AFP

Legenda da foto, Levantamento foi feitoquatro Estados brasileiros

A pesquisa foi coordenada ainda pelos professores Ana Claudia Moreira Cardoso (UFJF), Henrique Amorim (Unifesp) Paula Freitas Almeida (Unicamp), Renan Bernardi Kalil (MPT), Sidnei Machado (UFPR) e Vanessa Patriota da Fonseca (UFPE).

Mudança na legislação

Nas últimas semanas, entregadoresaplicativos fizeram protestosSão Paulo. Eles reivindicam melhorias nas condiçõestrabalho, remuneração e transparência salarial.

A pesquisadora da Unicamp diz que o ideal seria estabelecer urgentemente uma legislação para definir a operação dessas empresas para reconhecer um vínculo empregatício entre os aplicativos e os entregadores.

"Isso prejudica diversos pontos. Recentemente, uma liminar determinou que as empresas entregassem álcool gel para todos os funcionários, mas (isso) caiu porque não há vínculo. Eu defendo que a gente penseregulamentações mínimas protetivas para esses trabalhadores", disse Abílio.

A pesquisadora afirma ainda que o trabalhador não tem poder algumnegociação com a empresa e que nem mesmo sabe o motivo pelo qual é eventualmente bloqueado pela plataforma.

Segundo ela, "as regras do jogo variam o tempo todo" e que o algoritmodistribuição do trabalho, além das remunerações — com disparidadevalores entre entregadores, identificadas pelos próprios trabalhadores — não estão claras.

Entregador do Uber Eats

Crédito, Issei Kato/Reuters

Legenda da foto, Volumeentregas cresceu durante a pandemia

"Eles falam que não são uma empresalogística, mastecnologia. O que sabemos é que está muito evidente o quanto eles exploram o trabalho", disse Ludmila Costhek Abílio.

A reportagem procurou as quatro empresas citadas pelos entregadores (iFood, Rappi, Uber Eats e Loggi) durante a pesquisa para saber qual o posicionamento delasrelação aos resultados.

A Uber Eats informou por meionota que "o estudoquestão tem falhasmetodologia que comprometem seriamente o resultado. Os dados foram coletados a partirquestionários online que não verificavam se o respondente era,fato, clientealgum app, muito menos do Uber Eats".

A Loggi afirmou que todos os entregadores sabem previamente quanto vão receber por entrega ao se cadastrar no aplicativo. A empresa disse ainda que todos os entregadores são microempreendedores individuais (MEI) e que a empresa faz a distribuiçãokitsproteção com álcool gel, máscaras, luvas e materialorientação aos entregadores.

Segundo a Loggi, os 40 mil entregadores cadastrados na plataforma têm canaisdiálogo com a empresa.

A Rappi informounota que "continua aplicando os mesmos critérios no valor do frete — que variaacordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido".

A empresa disse que contava com mais200 mil entregadores na América Latina no iníciojaneiro e que registrou um aumento no númeroentregadores cadastrados desde o início da pandemia, sem dizer quanto.

O iFood diz que vê com "bastante preocupação" a metodologia usada pela Remir Trabalho, pois 252 pessoasum universomais200 mil entregadores gera uma margemerro alta. Critica ainda o fatoa pesquisa ter sido feita pelo Google, o que pode ter levado outra pessoa a responder pelo entregador. A empresa refuta também o formatoque a pesquisa foi feita e não sabe qual foi o questionário usado, com todas as perguntas e opçõesresposta apresentadas.

Segundo a empresa,abril, "os 170 mil parceirosentrega ficaram,média, 73 horas mensais disponíveis na plataforma, o que equivale a 2,9 h/dia (em um mês25 dias)". A plataforma disse ainda que, no mesmo mês, 84% dos entregadores ficaram com o aplicativo ligado 6 horas por dia ou menos. Afirmou ainda que 40% deles ficaram disponíveis para entregas apenas 2 horas ou menos por dia.

O iFood disse ainda que,abril, "61% dos entregadores recebeu R$ 19 ou mais por hora trabalhada, valor quatro vezes maior do que o pago por hora tendo como base o salário mínimo". A plataforma afirmou ainda por meionota que "os ganhos médios mensais dos entregadores que têm a atividadeentregas como fonte principalrenda (35% do total) aumentaram 36%abril quando comparado a fevereiro".

A empresa afirmou ainda que "não houve redução no valor das entregas durante a pandemia, o que significa que a afirmaçãoque 'os entregadores estão trabalhando no mínimo a mesma quantidadehoras e ganhando bem menos' não é aplicável aos entregadores que trabalham com o iFood". Segundo a plataforma, o valor médio pago por rota éR$ 8,00 e que todos os entregadores ficam sabendo do valor por rota antesoptar por aceitar a entrega.

Línea

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