Turnos alternados? As ideias que podem mudar o ambientetrabalho pós-coronavírus:

homem com máscara dentroônibus.

Crédito, Tânia Rêgo/Agência Brasil

"O conceito que temos utilizado éretorno gradativo, seguro, e o primeiro ponto é a consciênciaque nada vai ser igual a antes. Qualquer retomada que seja feita tem que partirprotocolossegurança, com a regraouro que é o distanciamento social", diz o gerente-executivosaúde e segurança na indústria do Serviço Social da Indústria (Sesi), Emmanuel Lacerda.

Do lado dos trabalhadores, os efeitos são muitos, segundo o subprocurador-geral do trabalho Ronaldo Fleury, que comandou o Ministério Público do Trabalho2015 a agosto2019. Em entrevista à BBC News Brasil, ele diz que,forma geral, a necessidademais espaço e menor aglomeraçãoempregados vai aumentar o custoaluguel para as empresas e gerar um aumento do teletrabalho (home office) e da terceirização.

Um dos efeitos desse movimento, segundo Fleury, é a transferênciacustos do trabalho para o empregado, como equipamento, internet e estrutura para trabalhar.

"A tendência no Brasil vai ser: na hora que você se candidatar para uma vagateletrabalho, uma coisa que será questionada é o equipamento que você dispõe, a internet que você dispõe. Você ter esse tipocondições para o trabalho vai passar a ser um pré-requisito pro seu currículo ser analisado pelas empresas."

Sob a perspectiva dos empregadores e dos empregados, veja,cinco pontos, mudanças e efeitos esperados diante da pandemia:

1. No escritório ou fábrica: distância, trocaturnos e ventilação

alcoolgel

Crédito, Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Legenda da foto, Cartilha sugere medidasprevenção para que as empresas consigam combater a disseminação da doença no ambientetrabalho.

Uma equipemédicos do trabalho e infectologistas do Sesi, liderada por Lacerda, elaborou uma cartilha com medidas sugeridas pelo setor industrial para que as empresas consigam combater a disseminação da doença no ambientetrabalho.

As sugestões começam por investir na comunicaçãomedidasprevenção (como a já clássica indicaçãolavar as mãos com sabão por 20 segundos, usar máscara e não compartilhar objetos pessoais) e passam por reforçar a limpezalocais que ficam mais expostos ao toque das mãos (maçanetasportas, braçoscadeiras, telefones e bancadas) e por estimular a higienização frequenteobjetos compartilhados, como ferramentas e equipamentos.

Outro ponto importante é aumentar a ventilação do ambiente, com a instalaçãofiltrosar condicionado que contribuam para desinfetar o ambiente. Nesse quesito, outra recomendação é instalar barreiras físicas (divisórias, cortinasplásticos, janelas) para evitar que secreções respiratórias circulem pertooutras pessoas.

A cartilha também recomenda que a empresa desenvolva uma política e procedimentos internos para identificação e isolamentopessoas doentes.

Para reduzir o contato dos funcionários com outras pessoas no horáriopico do transporte, uma indicação é flexibilizar turnos e criar novos horáriostrabalho ou dias alternadostrabalho. Nessa linha, outra recomendação é substituir situaçõescontato presencial por virtual, mesmo quando os funcionários tiverem no ambientetrabalho, e estabelecer diferentes turnosrefeição.

Embora o home office seja recomendado, muitas empresas têm atividades que dependem da presençagrande parte dos funcionários, como algumas indústrias.

"O teletrabalho também se aplica ao setor industrial, mas está restrito a algumas áreas da empresa. Com base na minha experiência, cerca15% a 20% da forçatrabalho poderia um teletrabalho", diz Lacerda,referências às áreas administrativas.

2. Quais podem ser os efeitos do home office?

Mãomulher segurando telefone celular

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Alguns desafios do trabalho remoto estãoconciliar a vida privada com a profissional.

Mesmo nos casosque os trabalhadores podem fazer o trabalhocasa, no entanto, há diversos desafios.

Fleury, do Ministério Público do Trabalho, diz que a pandemia está acelerando mudanças que já estavamcurso, mas que levariam anos para acontecer.

"A implantação da chamada quarta revolução industrial estava prevista para durar entre 10 e 20 anos, até 2030, 2035, com a implantaçãotécnicastrabalho remoto, substituição do homem pela máquina, inteligência artificial. E o que está acontecendorazão da pandemia? Todas essas mudanças estão sendo aceleradas. Estamos vendo,meses, mudanças que levariam anos."

Ele cita o exemplo dos programasvideoconferência, nos quais as empresas têm investido para aperfeiçoar, criar ou aumentar segurança.

"Está havendo uma aceleração das ferramentastrabalho remoto e a consequência imediata disso para o trabalhador é a necessidadeadaptação a esse novo tipotrabalho."

Nesse ponto, ele diz que pode mudar o tipocapacitação profissional que as empresas passarão a valorizar.

"Antes, se você tinha mestrado, ou doutorado, já seria contratado. Hoje está sendo muito valorizado o que chamamcontinuous learning (educação continuada), que é o conceitovocê estar sempre aprendendo e fazendo vários cursos, oferecidos pela empresa ou relacionados à áreaatuação."

Agora, segundo ele, os empregadores estarão preocupados com "se você é capaztrabalhar nesse novo modelotrabalho, se você vai conseguir prestar o trabalho da forma como a empresa precisa que você preste".

"Pouco vai adiantar para a empresa se eu sou um dos melhores jornalistas se não sei enviar meu trabalho. A empresa não tem como colocar duas ou três pessoasfunçãoviabilizar o trabalho dessa pessoa."

Outros desafios do trabalho remoto estão, como muita gente já vem sentindo durante a quarentena,conciliar a vida privada com a profissional.

"Um dos maiores problemas para o teletrabalho é a falta da rotina. É fundamental que a gente tenha uma rotina nesse teletrabalho. Também é algo que vai ser antecipado: as empresas vão ter que investir nesse tipotreinamento para os trabalhadores: como trabalharcasa, como dar contaconciliar com as tarefas domésticas."

3. Como fica a relação entre trabalhadores?

Como o coronavírus impôs o distanciamento como palavraordem, a relação entre colegastrabalho vai mudar enquanto a pandemia não for debelada.

Fleury diz que um efeito esperado com a diminuição da interação entre trabalhadores é uma menor empatia e solidariedade entre trabalhadores "por faltalaçosamizade".

"Isso é um problema seriíssimo. Graças ao convívio que a gente tem dentro do ambientetrabalho, a gente acaba fazendo amizades, o que gera empatia e solidariedade muito grande entre todos. Agora, isso tende a diminuir muito, tende a ser virtual. Vou conhecer os trabalhadores por foto, videoconferência, talvez numa confraternizaçãofimano."

A consequência, ele diz, é um aumento da disputa entre trabalhadores, o que pode prejudicar o trabalhoequipe.

"A consequência disso é maior competitividade, não no sentido bom da expressão. Isso vai gerar uma diminuição da produtividade a partir do momento que vai ter indivíduos querendo trabalhar mais, mas não vai ter trabalhoconjunto muito forte. Os gestores vão ter que reaprender a motivar os trabalhadores e distribuir trabalhadorestarefa coletiva."

4. Saúde (física e mental)

pessoasareacontroletemperatura depoisgoverno do Distrito Federal autorizar a aberturashoppings

Crédito, Marcello Casal JrAgência Brasil

Legenda da foto, Governo do Distrito Federal autorizou a aberturashoppings a partir27maio, com adoçãomedidassegurança.

Mediçãotemperatura e controle da ficha médica dos trabalhadores devem aumentar, o que, segundo Fleury, pode afetar a intimidade da pessoa.

"Você pode estar com temperatura elevada porque está gripada ou porque está com uma infecção urinária, ou o quer que seja. Para você provar que não tem uma doença que seja contagiosa, você vai ter que praticamente andar com um atestado médico nabolsa."

Caso uma vacina demore a surgir, outra preocupação que está no radar é se os empregadores passarão a perguntar,novas contratações, se as pessoas já tiveram covid-19 e que usem isso como critério para contratação. No entanto, ainda não se sabe se uma pessoa pode pegar o coronavírus maisuma vez. Os cientistas apontam que coronavírus não existe há tempo suficiente para sabermos quanto tempo dura a imunidade.

Por outro lado, um desafio que já crescia e foi acelerado pela pandemia é a saúde mental. Fleury diz que as novas condições afetam quem trabalhacasa (exatamente pelas dificuldadesconciliar diversos aspectos da vida no mesmo ambiente) e também quem tem que trabalharescritório e fábricas ainda com medocontrair o vírus e transmitir aos maridos, esposas, pais, filhos.

Sobre suporte psicológico, a cartilha do Sesi diz que a empresa não tem obrigação legalfornecê-lo, mas diz que isso pode ser vantajoso para a empresa por "reduzir a possibilidadeadoecimento do trabalhador durante e pós-pandemia".

5. Pressão do desemprego

Carteiratrabalho

Crédito, Pedro Ventura/Ag Brasilia

Legenda da foto, Mais jovens são desproporcionalmente mais afetados pela crise atual

A escassezempregosuma economiarecessão atrapalha não só as famílias com trabalhadores desempregados, mas também quem tem um trabalho.

"A tendência será as pessoas trabalharem cada vez mais por menores ganhos e aceitarem qualquer tipotrabalho. Isso é algo que já vemos acontecertrabalhos por aplicativo: o desemprego fez com que maior quantidadetrabalhadores se apresentasse para trabalhar como entregadorespedidos por meio aplicativo. E as pessoas acabam aceitando qualquer tipocondição eremuneração", aponta Fleury.

De fevereiro a abril2020, o Brasil perdeu 4,9 milhõesvagastrabalho, segundo o IBGE. A Pesquisa Nacional por AmostraDomicílios Contínua (Pnad Contínua) mostra que a população ocupada caiu 5,2%relação ao trimestre imediatamente anterior, considerando tanto os empregos com carteira assinada quanto os informais.

Outro dado divulgado nos últimos dias foi a retração1,5% da economia brasileira no primeiro semestre2020. Apesar dessa queda no Produto Interno Bruto (PIB) dos primeiros meses do ano, ela ainda não reflete a maior parte dos efeitos da pandemia. É por isso que os economistas apontam que a retração será bem pior no PIB do segundo trimestre, referentes a abril, maio e junho, uma fase mais aguda da pandemia para o Brasil.

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