Rejeição da família, pedidoroleta de cassinocasamento e luto: a históriaroleta de cassinoamor interrompidaroleta de cassinoMarielle e Monica:roleta de cassino
Monica nos recebe na casaroleta de cassinoque ela, Marielle eroleta de cassinofilha, Luyara, viviam juntas havia apenas um ano e três meses,roleta de cassinouma vila na Tijuca, na zona norte do Rio.
Mudaram-se para lá na mesma época do pedidoroleta de cassinocasamento, enfim consolidando uma históriaroleta de cassinoamor iniciada quando ainda eram jovens, mas interrompida inúmeras vezes pelas dificuldades que enfrentaram ao assumir um relacionamento entre duas mulheres.
Na noiteroleta de cassino14roleta de cassinomarço, Monica esperava por Marielle como sempre fazia, acendendo velas e incensoroleta de cassinocasa para criar um ambiente acolhedor que compensasse as pautas pesadas com que a companheira lidava no trabalho.
Marielle havia acabadoroleta de cassinoavisar por mensagem que já estava a caminhoroleta de cassinocasa quando foi brutalmente assassinada com quatro tiros na cabeça, no bairro do Estácio. O ataque que matou a vereadoraroleta de cassino38 anos e seu motorista, Anderson Gomes,roleta de cassino39 anos, ainda está sendo investigado.
A entrevista às vezes é interrompida por lágrimas, mas Monica segueroleta de cassinofrente. Fala com firmeza sobre o que considera ter sido um crime político contra a parceira, sobre as tentativas subsequentesroleta de cassinodifamá-la com notícias falsas na internet e sobre o temorroleta de cassinoqueroleta de cassinomorte seja usada para reforçar argumentosroleta de cassinoprol da intervenção federal na segurança pública no Rio. Para ela, isso seria um segundo crime contra Marielle, crítica feroz da intervenção.
Monica diz que pretende fazer o possível para "honrar a memória e o trabalho dessa mulher extraordinária". Mas, antes, precisa "conseguir sobreviver" ao assassinatoroleta de cassinoMarielle - o grande amorroleta de cassinosua vida. "Nesse momento, a minha única luta é pela sobrevivência."
Mãe preta, mãe branca
Monica veste uma camiseta branca com o desenho do rostoroleta de cassinoMarielle. Em um adesivo pregado do lado esquerdo do peito, se lê: "Marielle Vive!".
Quem entra na vila dároleta de cassinocara com o mesmo adesivo, colado no centro do portãoroleta de cassinoferro pichado. Um longo corredorroleta de cassinoconcreto dá acesso a casasroleta de cassinoclasse média. As casas da favela do Morro do Salgueiro, visíveis ao fundo, não estão muito longe dali.
Ao ver o cachorrinhoroleta de cassinoestimação da casa, a repórter, querendo saber se deveria perguntar pelo nome "dele" ou "dela", pergunta antes se é macho ou fêmea. "É macho, mas aqui não tem essa coisaroleta de cassinogênero, não", diz Monicaroleta de cassinobate-pronto. Vez por outraroleta de cassinopersonalidade espirituosa se expõeroleta de cassinomeio ao luto, assim como o jeito para fazer piadas enquanto mantém o rosto impassível.
"O nome dele é Maddox. Ele é preto e branco, porque é filhoroleta de cassinomãe preta e mãe branca. Isso é importante", diz, abrindo um sorriso.
Na parede da sala, um mural pintado por Monica traz dois ícones femininos, Frida Kahlo e a ativista afro-americana Angela Davis, e São Jorge,roleta de cassinoquem Marielle era devota. Na mesa abaixo, um retrato antigo mostra Monica, Marielle e Luyara ainda menina.
Monica a conheceu quando Luyara tinha 5 anos e, desde então, começou a tratá-la como filha. Hoje com 19 anos, Luyara está na casa dos avós,roleta de cassinoBonsucesso, onde tem dormido desde que Marielle morreu.
Como figura pública, Marielle não economizava declaraçõesroleta de cassinoamor e postagens com selfies sorridentes ao lado da mulher nas redes sociais, geralmente seguidas do hashtag #M2 - uma referência às iniciais do casal - e #nossasfamiliasexistem.
"Não tem outra maneiraroleta de cassinosintetizar o que se vivia aqui que não afirmar que nossas famílias existem e que isso era uma configuração familiar. Quer parte das pessoas e da sociedade aceitem isso ou não."
A afirmação, sempre reiterada por Marielle, vai contra a proposta do Estatuto da Família, um polêmico projetoroleta de cassinolei que busca definir a "entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher".
Preconceito
Monica tem 32 anos, é arquiteta e, assim como Marielle, é uma "cria da Maré", como sempre repetia a vereadora ao contar que nasceu e cresceu no enorme complexoroleta de cassinofavelas na zona norte do Rio.
Como a companheira, ela mantém a ligação com a Maré atrelada à vida profissional. Em mestrado na PUC-Rio, vem estudando como a violência influencia a relaçãoroleta de cassinojovens dali com outros espaços da cidade.
Monica e Marielle se conheceram quando tinham 18 e 24 anos, respectivamente, numa viagemroleta de cassinoCarnaval com um gruporoleta de cassinoamigos para a Praiaroleta de cassinoJaconé,roleta de cassinoSaquarema (RJ).
"Tivemos um anoroleta de cassinorelacionamento como amigas até entender que aquilo era mais que amizade. Por influência religiosa e pelo contextoroleta de cassinoque vivíamos, não entendíamos bem o que estava acontecendo. Até que um dia aconteceu um beijo", lembra Monica.
"As histórias foram acontecendo, foram se intensificando e fomos nos vendo cada dia mais apaixonadas."
Durante os primeiros sete meses, não contaram para ninguém sobre o namoro. E já estavam juntas havia dois anos quando assumiramroleta de cassinovez a relação.
"Quando a gente assumiu para a família, foi rejeição para todos os lados. Foi muito difícil. Você não tem auxílio na rua, entre amigos, e quando mesmo a família não te dá suporte, o mundo vira um lugar bastante complicado."
Isso foi maisroleta de cassinodez anos atrás, épocaroleta de cassinoque "nem na Lapa era razoável ver duas mulheres andandoroleta de cassinomãos dadas", lembra Monica, referindo-se ao bairro carioca com a vida noturna mais agitada e plural da cidade, e aos próprios amigos, católicos como Marielle e que também resistiram à relação das duas.
"Éramos duas mulheres que não se encaixavam no estereótipo do que rotulavam como sapatão. Havia riscos na favela. Era perigoso. 'Vocês gostamroleta de cassinomulher porque não conheceram homensroleta de cassinoverdade'. 'Você nunca conheceu um peruroleta de cassinoverdade.' Ouvimos isso muitas vezes. Às vezes, vinharoleta de cassinoamigos mesmo. Mas, quando vinharoleta de cassinoestranhos, era amedrontador. Alémroleta de cassinotudo, temíamos a possibilidaderoleta de cassinoum 'estupro corretivo'."
A pressão ao redor, ao ladoroleta de cassinodificuldades financeiras, acabou colocando o relacionamentoroleta de cassinoxeque. "A gente terminou muitas vezes, voltou muitas vezes." Monica teve relacionamentos com outros homens e outras mulheres; Marielle, com outros homens. "Buscar relacionamentos com homens era uma formaroleta de cassinosimplificar a vida. Eram histórias mais fáceisroleta de cassinose viver."
'Leoa com armadura'
A reaproximação definitiva veio quando Marielle estava pensandoroleta de cassinose candidatar para a Câmara dos Vereadores e quis saber a opiniãoroleta de cassinoMonica. Não teve a resposta que queria ouvir. Monica disse ter certezaroleta de cassinoque ela faria um trabalho "belíssimo" e que teria seu voto. Porém,roleta de cassinouma perspectiva pessoal, não queria que ela se candidatasse.
"Conheço a Marielle que não é a Marielle que grita, que não é a Marielle que bota o dedo na cara dos outros, que não é a Marielle que tenta parar o caveirão (como são conhecidos os carros blindados usados pelo Bope). E, conhecendo essas fragilidades, sabia que ela teria uma vida muito difícil."
Marielle, porém, já estava decidida - e a parceira deu seu apoio.
"Era o lugar dela. É o lugar das leoninas, o centro dos holofotes", considera. "A Marielle tinha luz própria. Não precisavaroleta de cassinopalco,roleta de cassinomicrofone,roleta de cassinonada disso para chamar atenção. Era dessas pessoas que os outros percebem quando entram na sala."
As duas estavamroleta de cassinorelacionamentos firmes, mas reataram pouco antesroleta de cassinoa campanha começar. A relação, agora, era mais madura, entre duas mulheres e não mais meninas, diz Monica - ainda alternando o presente e o passado para falar da companheira.
"Ela é leonina, e eu sou aquariana, são opostos complementares. Sou extremamente metódica, organizada, racional; ela trazia muita emoção. Isso gerava um equilíbrio harmonioso", conta.
Monica diz que só uma coisa mudouroleta de cassinoMarielle ao se eleger: "Ela me convenceu a deixá-la comprar mais roupas", ri. Seu guarda-roupa era "um carnaval"roleta de cassinoestampas e cores vibrantes. As unhas estavam sempre pintadas cada umaroleta de cassinouma cor. E era Monica quem separava suas roupasroleta de cassinomanhã.
"Ela era sempre muito atarefada. Se deixasse, saía com tudo da mesma cor. Eu ficava nervosa", conta, orgulhosaroleta de cassino"assinar como autora" do estilo da companheira.
Dentroroleta de cassinocasa, Marielle era muito diferente da "leoa com armadura" que o mundo conheceu, diz Monica.
"Eu tenho a impressão que ela pendurava a armadura do ladoroleta de cassinofora quando chegava e vestiaroleta de cassinonovo quando saía", afirma. "Aqui, precisavaroleta de cassinoafeto,roleta de cassinocarinho, queria ser cuidada e cuidava também. Era muito bonito. Tínhamos muita cumplicidade."
'Ingenuidade'
Monica não tem dúvidasroleta de cassinoque o assassinatoroleta de cassinosua mulher - "muitíssimo bem executado,roleta de cassinoforma fria, no meioroleta de cassinouma via pública" - foi um crime político.
Os temas delicados com os quais a vereadora lidava reforçam a convicção. Marielle denunciava brutalidade policial e violaçãoroleta de cassinodireitos humanosroleta de cassinofavelas do Rio. Falava abertamente, mas não sofrera ameaças, e o casal não temia represálias.
"Nesse sentido, acho até que a gente beirava uma certa ingenuidade. A gente nunca teve receio por qualquer fala ou denúncia. Era o trabalho dela, sabe? Ela nunca falouroleta de cassinoameaças ouroleta de cassinoum medo realroleta de cassinoriscoroleta de cassinomorte. Isso nunca fez parte das nossas conversas."
Para Monica, o assassinato foi um crime "contra a democracia". Ela diz que mais importante do que descobrir quem matou Marielle é descobrir quem a mandou matar.
Marielle fazia críticas veementes à intervenção federal anunciada pelo presidente Michel Temer no dia 16roleta de cassinofevereiro. Havia sido nomeada relatoraroleta de cassinouma comissão formada na Câmara dos Vereadores para monitorar as ações do gabinete coordenado pelo interventor, o general Braga Netto.
Após o crime, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou ao jornal O Globo que o assassinato poderia ter sido planejado "para confrontar ou abalar a intervenção", levando o crime a reagir.
A afirmação foi vista pelo deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), padrinho políticoroleta de cassinoMarielle, como uma tentativaroleta de cassinousar a morte da vereadora para justificar a intervenção, acusação negada por Jungmann. Para Monica, isso equivaleria a um segundo crime contra a companheira.
"A sensaçãoroleta de cassinosegurança que pode ser produzida com a intervenção é só para a zona sul (a área mais abastada do Rio) e o asfalto. Para quem está na favela, ela é mais medo, mais terror, mais dor, mais morte, mais sangue. A intervençãoroleta de cassinonada pode ser justificada a partir do que aconteceu à Marielle. Seria mais um crime contraroleta de cassinomemória."
Difamação
A comoção produzida pela morteroleta de cassinoMarielle nas redes sociais foi seguidaroleta de cassinouma ondaroleta de cassinonotícias falsas sobre a vereadora, espalhando boatosroleta de cassinoque teria sido eleita com dinheiro do tráfico e defendia bandidos, entre outros.
Monica evitou contato com tudo isso. Tirou os jornais da portaroleta de cassinocasa pouco antes da reportagem da BBC Brasil chegar, intocados. Tem evitado ver TV, ouvir rádio, entrar nas redes sociais. Se amigos contam sobre boatos, pede para pararem no meio. Só pede que lhe enviem "as coisas que forem bonitas".
"A Marielle era uma defensora pelo direito à vida e à igualdade. Coisa que a nossa sociedade não permite para pobre, não permite para negro, não permite para favelado", diz Monica.
"Vemos nossos jovens negros na favela morrendo diariamente, porque a sociedade insisteroleta de cassinoum discurso ignoranteroleta de cassinoachar que defender direitos humanos é defender bandido. É importante estudar um pouco para não falar tanta besteira, com tanta irresponsabilidade."
Monica e Anielle Silva, irmãroleta de cassinoMarielle, pediram na Justiça que vídeos difamatórios sobre a vereadora sejam retirados do YouTube. Já obtiveram uma vitória parcial, com ordem para a remoçãoroleta de cassino16 vídeos. Monica diz que vão continuar lutando.
"Nenhuma mensagem difamatória a respeito da Marielle será tolerada. E isso diz respeito não só à responsabilização da plataforma, mas também daqueles que publicaram e compartilharam. Quando se faz uma publicação difamatória, tem sangue na mãoroleta de cassinotodo mundo", afirma.
Viúva da Marielle
Nos dias seguintes ao assassinatoroleta de cassinoMarielle, houve críticas nas redes sociaisroleta de cassinoque a mídia não estaria entrevistando aroleta de cassinoviúva, como se fosse uma tentativaroleta de cassinoocultar a relação homossexual (e não uma espera imposta pelo luto). Monica diz não saber nem o que dizer a respeito.
"As coisas foram muito atropeladas. Ainda nem comecei a viver o luto. Ainda acho que, no fim do dia, a Marielle vai chegarroleta de cassinocasa. Não consegui absorver a ideiaroleta de cassinoque a minha mulher não volta mais."
Monica diz que as manifestações realizadas no Brasil eroleta de cassinocidades no mundo todo para a Marielle "são bonitas e,roleta de cassinocerta forma, dão força". "Porque a gente vê que o trabalho dela fez e vai continuar fazendo diferença", diz.
"Mas eu trocaria todas essas coisas, todas essas manifestações, e,roleta de cassinoforma bem egoísta, até o símbolo importantíssimo que ela já está se tornando para o mundo, para tê-laroleta de cassinocasa no final do dia", afirma.
Os planos para o casamento eram para 2019, escapando da loucuraroleta de cassinomais um ano eleitoral. Marielle estava prestes a se lançar como vice-governadora pelo PSOL-RJ,roleta de cassinochapa formada com seu companheiroroleta de cassinopartido, o vereador Tarcísio Motta.
O casal também pensavaroleta de cassinoter mais uma criança, desejo compartilhado por Luyara. Mas ainda não havia consensoroleta de cassinoquem deveria engravidar. Monica diz não ter vontaderoleta de cassinogerar, e Marielle já se considerava velha para tal. "Era um plano que seria pensado depois do casamento."
Ao contrário do preconceito enfrentado pelo casal na juventude, Monica diz que as fotos que postavam juntas nos últimos tempos sempre recebiam palavrasroleta de cassinoapoio, nunca comentários homofóbicos. "Se dependesse da Marielle, ela postava uma selfie românticaroleta de cassinonós duas por dia. E eu falava: 'É bom a gente postar coisasroleta de cassinotrabalho também, né?'"
Ultimamente, ela diz que sair com Marielle era como estar com uma celebridade, com pessoas pedindo fotos e abraçosroleta de cassinorestaurantes, na rua, na fila do cinema. "Esse afeto lhe dava força. Mostrava que seu trabalho estava sendo respeitado e fazia diferença na vida das pessoas. Era muito importante para ela."
Vendo Marielle alçada a símbolo internacional, Monica diz queroleta de cassinoimagem pode ser afastada das causas que defendia, mas não acredita que isso vá acontecer. "Distanciar aroleta de cassinoimagem do que foi aroleta de cassinoluta vai ser um trabalho muito mais difícil do que foi calar a Marielle", considera.
"O mundo inteiro já está vendo que ela não pode ser calada. E não será."
*Colaborou Rafael Barifouse, da BBC Brasilroleta de cassinoSão Paulo