Por que inventei 'infância pobre' para me encaixarcassino 777estereótipocassino 777negra bem-sucedida:cassino 777

Noemia Colonna

Crédito, Martin Levandowsky

Legenda da foto, Noemia Colonna escreveu sériecassino 777reportagens sobre os negros que são parte do 1% mais rico
Noemia Colonna, o pai e os irmãos durantecassino 777infância

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A jornalista (3ªcassino 777pé ao fundo, da esq. para a dir.) na infância com os irmãos e o pai: estante com o melhor da literatura

Minha mãe não conseguiu manter o padrão que meu pai nos proporcionara. Precisou trabalhar como feirante. Eu tinha 13 anos e, com irmãos mais velhos, passei a ajudá-la a manter a família. Despencamos do topo da pirâmide.

Olhando para essas duas etapas da minha vida, começo a me perguntar: por que me apeguei à narrativa da pobreza que enfrentei na adolescência e não à da sólida formaçãocassino 777classe média alta na infância que relatei acima - e que dificilmente menciono?

A resposta está na incredulidade que me acostumei a enfrentar desde cedo.

Eu me lembro do diacassino 777que meu pai tevecassino 777ir à escola para confirmar a históriacassino 777meu irmãocassino 777que havíamos viajado até o Riocassino 777Janeiro e visto o oceano Atlântico.

O relato dele após as férias foi recebido com gargalhadas pelos colegas. Fomos tachadoscassino 777mentirosos. Mencionar qualquer sinal da vida privilegiada que tínhamos era tratado com desconfiança, chacota. "Vocês são parentes do Pelé?", diziam alguns com sarcasmo.

Noemia durante trabalhocassino 777seu mestrado na Dinamarca

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Noemia afirma que precisou morar na "branca" Dinamarca para se sentir "normal"

Curiosamente, só parei para pensar sobre isso quando, ao trabalhar com a BBC Brasil na sériecassino 777reportagens sobre os negros que fazem parte do 1% mais rico do país, nos deparamos com uma foto do meu pai, cercado pelos filhos na frente da estantecassino 777mogno que tínhamos na sala com o melhor da literatura brasileira e mundial.

"Que família pobre tem uma estantecassino 777mogno?", foi a pergunta feita pela editora, lembrandocassino 777uma conversa inicial que tivemoscassino 777que relatei as dificuldades enfrentadas por minha família.

Transitandocassino 777lugarescassino 777elite, seja no trabalho, socialmente e até mesmo no bairro onde moro, noto que, aos olhos do senso comum, uma mulher negra culta, bem arrumada e autoconfiante causa espanto a muita gente.

Quase sempre, a primeira impressão écassino 777que sou "metida" ou arrogante. É o estereótipo: se uma negra não é subalterna, ela é subversiva. E como tal, antipática e perigosa. É preciso se rebaixar para não incomodar.

Noemia com a mãe (sentada, ao centro) e os irmãos

Crédito, Anderson Benjamim

Legenda da foto, Mãe da jornalista (sentada, ao centro), virou feirante para sustentar os filhos após ficar viúva

Passei por experiências traumáticas na universidade e no trabalho. Já jornalista, tive uma chefe que ridicularizava minhas opiniões, usandocassino 777sarcasmo disfarçadocassino 777brincadeira. Em reuniõescassino 777pauta, quando eu falava alguma coisa, ela me cortava dizendo: "Ah, essa neguinha, eu vou amarrá-la no tronco, está falando demais".

Todos riam, menos eu. Aquilo doía. Impassível, eu pedia para continuar, no que ela respondia: "Vai minha Glória Maria, continua, mas não muito, senão o tronco vai ter que ser muito grosso". Sabe como é, brincadeiras carinhosas (afinal, eu eracassino 777Glória Maria, o que subentendia competência) perdoam qualquer discriminação.

Esses fatos infelizmente não eram isolados. Precisei sair do país e me tornar estrangeira para descobrir que a cor da minha pele e meu jeitocassino 777ser não tinham a menor importância aos olhos das pessoas diferentes do meu convívio no Brasil.

Noemia Colonna e o filho Noan

Crédito, Anderson Benjamim

Legenda da foto, Noemia e o filho Noan: "precisamos continuar denunciando o racismo"

Fui morar na Dinamarca, país predominantemente branco. Lá, fiz meu mestradocassino 777Comunicação. Tinha colegas e professorescassino 777todas as cores e partes do planeta. Todos falavam inglês com sotaque (até os dinamarqueses).

Todo mundo ali era "estranho". E, ali, estranhamente, eu me sentia "normal". Minhas opiniões eram ouvidas e eu não percebia aquela antipatia instantânea que eu costumava provocar. Naquele lugar, minha cor não era relevante, não fazia a menor diferença.

Tenho muita fé que meu filho possa se sentir assimcassino 777seu próprio país. Acho que, para chegar lá, precisamos continuar denunciando o racismo. É chocante ver a tentativa constantecassino 777algumas pessoascassino 777classificarcassino 777"mimimi" qualquer tentativacassino 777grupos que são reconhecidamente alvocassino 777discriminação, entre eles os negros,cassino 777denunciar o que é,cassino 777muitos casos, crime.

"É mimimi", bradam principalmente sob a proteção da distância e muitas vezes do anonimato da internet. Querem "mimimizar", ou seja, tacharcassino 777"mimimi" para desprezar experiências fundamentais para que a sociedade brasileira caminhe não para a desunião, mas para cicatrizar feridas e evitar novas. É "mimimi" reclamar da piada do tronco?

O filhocassino 777Noêmia, Noan, ao lado da nova geração da família Colonna

Crédito, Anderson Benjamim

Legenda da foto, O filhocassino 777Noêmia, Noan, ao lado da nova geração da família Colonna

Mas não podemos reservar para o negro apenas o espaço do sofrimento, da humilhação. As histórias positivas são fundamentais, não podem ser ignoradas. Tentei trazer um pouco desse olhar para a série da BBC Brasil, que me levou a analisar minha própria história.

Não vou mais pedir licença para entrar no clube do 1%,cassino 777cabeça baixa, falandocassino 777superação da pobreza e provações. Para não ser chamadacassino 777mentirosa, para não ouvir as gargalhadas que meu irmão ouviu ao relatar nossa viagem ao Atlântico, acabei adotando um discurso mentiroso.

Da próxima vez que alguém me perguntar como cheguei aonde cheguei, responderei que sim, passamos por dificuldades, mas não cheguei a lugar nenhum, já nasci aqui entre o 1%, com um padrãocassino 777vida que gostariacassino 777ver compartilhado por todos os brasileiros.

*Noemia Colonna é jornalista pela Universidade Católicacassino 777Brasília, mestrecassino 777Comunicação pela Universidadecassino 777Copenhague, professoracassino 777Mídia no Centro Universitáriocassino 777Brasília (UniCEUB) e servidora pública federal. Por dez anos foi apresentadora e profissionalcassino 777audiovisualcassino 777TVs públicas e institucionais. Atualmente, faz pesquisa sobre Mídia, Gênero e Raça e é colaboradora da BBC Brasil. Este artigo faz parte da série que mergulha no universo dos negros que fazem parte do 1% mais rico do Brasil.

Sabrina Fidalgo, Júlio César Chagas Santos e Mônica Valéria Gonçalves

Crédito, Phil Clarke Hill e Leopoldo Silva/BBC Brasil

Legenda da foto, Sabrina, Júlio César e Mônica fazem parte do 1% mais rico