'Meus pais me prepararam para a guerra': a vidabet fuma menina negra nascida na elite:bet f

Sabrina Fidalgobet fpraia do Riobet fJaneiro

Crédito, Phil Clark Hill/BBC Brasil

Legenda da foto, Sabrina Fidalgo nasceu e cresceu como integrante da elite carioca

Para esses admiradores, Sabrina não é simplesmente linda. É uma negra linda.

"Se me dizem que eu sou uma negra linda, respondo: sou mesmo. Não acho que tenha que agradecer por algo natural e que sequer precisa ser mencionado", afirma.

Ela conta ainda que,bet fvárias ocasiões, a corbet fsua pele é a primeira menção feita a ela tantobet fambientes sociais quanto profissionais, o que não ocorre com pessoasbet foutras cores.

"Às vezes, alguém se aproxima e, mesmo antesbet fsaber o meu nome oubet fme conhecer, primeiro faz menção ao fatobet feu ser negra, elogiando minha cor, destacando que eu sou a única cineasta negra ou dizendo que sou uma mulher negra bonita. Pode até ser bem intencionado, mas para mim não faz sentido ver a minha negritude se sobrepor à minha personalidade".

'Mundobet fbrancos'

Sabrina ainda bebê com os pais, Ubirajara e Alzira Fidalgo

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Segundo a cineasta, pais a prepararam "para a guerra"

Sabrina faz parte da parcelabet fbrasileiros que ocupam o 1% mais rico do país. Fala português, inglês, espanhol e alemão. Estudou teatro e artes cênicas na Universidade Federal do Estado do Riobet fJaneiro (Unirio), fez cinema no Brasil, Espanha e na Alemanha e tem no currículo cinco curtas-metragens, um documentário e vários videoclipes.

Viaja constantemente representando o cinema brasileiro no exterior ou para divulgar seus filmes, que já participarambet fmaisbet f50 festivais pelo mundo.

Sua trajetória difere dabet fmuitos negros que hoje também estão no topo da pirâmide da renda social. Ela não teve infância pobre ou pais humildes. Pelo contrário. Do pai, Ubirajara Fidalgo, herdou não apenas bens como a postura combativa contra o preconceito e a paixão pelo cinema e teatro.

Ele foi ativista, dramaturgo, diretor, ator e fundador do Tepron - Teatro Profissional do Negro, entidade fundada nos anos 70 que incentivava atores negros a escreverem seus próprios textos baseados na questão racial.

A mãe, Alzira Fidalgo, também ativista, era figurinista e cenógrafa. Ambos criaram Sabrina com todo o conforto possível e preparada para viverbet fum mundobet fbrancos, já que a vida no teatro dava à família condições sociais favoráveis, que permitiam morarbet fendereços carosbet fBotafogo ou na Urca, onde Sabrina vive hoje.

Sabrina vestidabet fbaianinha quando criança

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Sabrina fantasiada quando criança; ela diz ter sido criada para ter orgulhobet fsuas origens

Dos dois aos 13 anos, ela estudoubet fuma escola particular católica e tradicional do Rio. Nesse período, era a única negra. E por ser conhecida desde pequena pelos colegas, não provocava estranhamento.

"Só lá na 4ª série que apareceu outra menina negra, mas ela alisava o cabelo, tinha toda aquela questão do embranquecimento", relata. No casobet fSabrina, a mãe trançava seu cabelo crespo, do qual tinha orgulho.

E seus pais preparavam o ambiente escolar, pressionando a escola.

"Antes mesmobet fme matricular, eles alertaram as freiras. Se eu sofresse qualquer discriminação, botariam a boca no mundo e denunciariam a escola por não educar as crianças ou as famílias sobre a questão do racismo", lembra Sabrina.

Mas na adolescência tudo mudou. Na escola nova, ninguém a conhecia. Ela passou a enfrentar a discriminação, mas estava pronta para se defender.

"Já nasci vestida para a guerra", diz. "E as armas que meus pais me deram desde pequena foram a consciência racial e política".

Orgulho

Sabrina com uniforme do balé quando criança

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, No balé: como parte da elite, Sabrina frequentou ambientes onde quase não havia negros

Ela conta que muito cedo ouviu dos pais a história da África, da escravidão e da importância da cultura negra para o Brasil. Com isso, aprendeu a ter orgulhobet fsi mesma e a acreditar que pudesse ser tudo o que quisesse.

"Meus pais me diziam: você é linda, seu cabelo,bet fcor, nossa história. Nunca tenha vergonhabet fsua raça e nem abaixe a cabeça para nada. Se você quiser ser médica, será. Se quiser ser atriz, também pode ser. Bailarina, miss, o que quiser. Eles diziam que eu era inteligente o bastante para isso", relembra.

Os conselhos serviram para empoderar Sabrina e dar a ela a condição necessária para enfrentar o racismo quando ele surgiu.

"Em minha nova escola, havia dois professores que eram muito preconceituosos. Um deles só se referia a um aluno negro que era da minha turma como 'negão'. Ele não conseguia chamar o garoto pelo nome e aquilo me chocava, ainda mais porque o garoto não reagia. Se ele me chamassebet fnegona eu iria, obviamente, fazer um escândalo", lembra.

"Já o outro professor se gabava por ter uma avó racista e contava as histórias horríveis dela contra os negros como se aquilo fosse o máximo. Até que eu falei para ele que racismo era errado e bizarro, e que ele não tinha o direitobet fcontar aquelas histórias tendo dois alunos negrosbet fsalabet faula. Muito desconcertado, ele se desculpou."

A cineasta Sabrina Fidalgo com cartaz da companhiabet fteatro fundada por seu pai

Crédito, Phil Clark Hill/BBC Brasil

Legenda da foto, O pai dela, Ubirajara Fidalgo, fundou companhiabet fteatro atuante na questão racial

Para Sabrina, esse episódio marcantebet fsua adolescência a ensinou a se impor diantebet foutros.

Ela conta que, já adulta e cineasta, estavabet fuma feira do setorbet faudiovisualbet fBuenos Aires quando ouviu um comentário que a deixou espantada.

"Havia uma delegaçãobet fdiretores brasileiros, e eu era a única negra entre eles. Um deles chegou e disse 'que sorte' a minha por ser cineasta negra, pois levaria vantagem na divulgação do meu filme. Fiquei perplexa. Ele faloubet fum jeito que transparecia que a minha expertise não contava e que, se eu fosse contemplada, seria mais pelo fatobet fser negra do que profissionalbet fcinema", relembra.

"Ninguém menciona a etniabet fum diretor, seja ele branco ou asiático. Por que citar quando o profissionalbet fquestão é negro? Eu vejo neste destaque um ranço muito clarobet fracismo e jamais vou concordar com isso."

E Sabrina não está equivocada ao pensar assim. O pesquisador da Universidadebet fBrasília e sociólogo Emerson Rocha afirma que a sociedade brasileira tem expectativas menores sobre as pessoas negras porque estas, embet fmaioria e por causabet ffatores historicamente sociais, ocupam posições menos prestigiadas.

"A pessoa diz que não é racista, mas discrimina por simplesmente não acreditar que o negro possa ser alguém diferentebet fuma posição que foi designada a ele no mundobet fque vivemos. E todas as vezes que um negro sair desse 'lugar natural' ou esperado, ele vai gerar um estranhamento. E isso é racismo, que é 'ativado' quando o negro sai desse espaço cativo", sustenta.

Avanços

Sabrina observa fotos com amigos na juventude

Crédito, Phil Clark Hill/BBC Brasil

Legenda da foto, Cineasta conta que cresceu com amigos "cabeça aberta", logo livresbet fpreconceito

Sabrina nasceu nos anos 80,bet fuma geração menos discriminada que abet fseus pais e avós, segundo um estudobet f2005bet fMaurício Cortez Reis, pesquisador do Ipea (Institutobet fPesquisa Econômica Aplicada), e Anna Risi Vianna Crespo, doutora pela Universidadebet fPrinceton (EUA).

Eles compararam geraçõesbet fnegros nascidas entre 1922 e 1981 e descobriram que a diferençabet frendimentos foi diminuindo aos poucos ao longo do tempo.

Nos anos 50, um branco ganhava um salário 100% superior aobet fum negro - ou seja, ganhava o dobro. Nos anos 60, essa diferença cai para 60%. Em 1990, quando Sabrina tinha 10 anos, negros representavam 15% da população mais rica e detinham 6% da renda total do país, percentual que ficou inalterado durante toda a década.

Nos anos 2000, ações afirmativasbet freduçãobet fpobreza ebet fdesigualdade educacional e outros fatores fizeram com que negros saltassem para 17,4% entre os mais ricos a partirbet f2014,bet facordo com o IBGE.

Para os pesquisadores, essa tendência também pode ser explicada pela reduçãobet fpráticas discriminatórias entre gerações mais jovens, o que é confirmado por Sabrina.

"Eu sempre tive amigosbet ftodas as etnias ebet fcabeça muito aberta. Na adolescência, frequentei um mundo mais underground que me fazia sair daquela realidadebet fmoradora padrão da Zona Sul. Meus amigos e eu estávamos muito acimabet ftodas essas amarras, e isso contribuiu para que eu crescesse livrebet fpreconceitos no mundobet fque vivi."

Para ela, as dificuldades vividas pelo negro devem, sim, ser trazidas à tona, mas também as experiências positivas.

"Incomodam muito esses discursosbet fque só vivências opressivas são legítimas. Soam quase como uma reafirmação do racismobet fque, nós negros, só podemos merecer algo mediante à imposiçãobet fuma vivênciabet fdor, humilhação, provações e opressões", opina.

"Descobri que retratar toda pessoa negrabet fum lugarbet fopressão é enfraquecedor, deprimente e não combina comigo."

Esta reportagem integra uma série sobre a vidabet fnegros que fazem parte do 1% mais rico da população brasileira - leia aqui e aqui os outros textos.

Segundo dados do IBGE, o totalbet fnegros nesse grupo aumentou cinco pontos percentuais nos últimos 12 anos (de 12,4% para 17,4%), mas ainda está longebet frepresentar o peso da população declarada negra (pretos e pardos), que corresponde a 53,6% dos brasileiros.