Paulo 6°, o papa que tirou a Igreja Católica da Idade Média e virou santo:betesporte com

"Issobetesporte comum contexto muito difícil, bélico, não muito distante da Segunda Guerra e com a Guerra Fria ocorrendo."

O pontificadobetesporte comPaulo 6º já se iniciou sob o espírito da mudança. Ele reabriu o Concílio Vaticano 2º, sériebetesporte comsessões que ocorriam desde 1962 no Vaticano com o objetivobetesporte commodernizar a Igreja.

Entre as decisões conciliares, houve a atualização litúrgica com a prioridade para os idiomas locaisbetesporte comdetrimento do latim, uma maior afirmação do papel social da Igreja e o lançamento das bases para o diálogo ecumênico.

O teólogo britânico John Norman Davidson Kelly (1909-1997) enfatizabetesporte comseu livro The Oxford Dicionary of Popes que, tão logo o concílio foi concluído,betesporte com1965, "Paulo começou a pôrbetesporte comprática as decisões com grande coragem e um acurado sentimento sobre as dificuldades" decorrentesbetesporte comtal processo.

De certa forma, foram seus atos como chefe da milenar instituição que prepararam o terreno para o surgimentobetesporte compapas mais abertos ao diálogo e oriundosbetesporte comoutras partes do globo, como o argentino Jorge Mario Bergoglio, atual papa Francisco.

Nascido Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montinibetesporte comConcesio, no norte da Itália, ele entrou para o semináriobetesporte com1916, com 18 para 19 anos. Quatro anos mais tarde, foi ordenado padre.

Segundo Kelly, era filhobetesporte comuma famíliabetesporte composses — seu pai era um "próspero advogado" que também atuou como editor político e chegou a ser membro do parlamento.

"Tímido ebetesporte comprecária saúde, mas com um apetite para livros", descreve o teólogo, sobre a juventudebetesporte comMontini.

Logo apósbetesporte comordenação, acabou iniciando trabalhos na Cúria Romana, ondebetesporte comerudição era motivobetesporte comdestaque.

No fimbetesporte com1954, Montini acabou nomeado arcebispobetesporte comMilão. Alguns viram esse movimento como uma tentativabetesporte comminarbetesporte comcarreira, já que ele andava galgando postos importantes dentro da administração do Vaticano.

A leitura mais aceita, contudo, ébetesporte comque a nomeação era uma maneira que o então papa Pio 12 (1876-1958) encontrou para dar a ele uma experiência pastoral, vista como importante para seu próprio crescimento.

Sua atuação na importante arquidiocese do norte italiano deu a ele uma grande projeção, na verdade. Kelly ressalta que Montini se "auto-intitulou 'arcerbispo operário'"betesporte comum claro aceno às classes trabalhadoras descontentes naquele efervescente cenáriobetesporte comque a cidade ainda sofria as devastações da Segunda Guerra e procurava se reerguer.

Mas o epítetobetesporte com"operário", ressalta Kelly, parecia destoar um pouco "das agora lendárias 90 caixasbetesporte comlivros" que o acompanharam na mudançabetesporte comRoma para Milão.

Contudo, com o passar do tempo ele parece ter conquistado o apoio popular. O teólogo britânico destacabetesporte com"imensa energia" frente aos desafios e o fatobetesporte comque,betesporte com1957, ele empreendeu uma intensa missãobetesporte comvisitar, ao longobetesporte comtrês semanas, cada uma das paróquias pertencentes àbetesporte comarquidiocese.

Importante também lembrar que parece ter sido alibetesporte comMilão que começou a brotarbetesporte comMontini a sensibilidade para o diálogo interreligioso. Em 1956, ele recebeu um grupobetesporte comanglicanos, um gesto visto como bastante incomum.

A eleição como papa

A visibilidadebetesporte comseu trabalho era tanta que, segundo consta, ele teria recebido votos no conclavebetesporte com1958 — que elegeria seu antecessor, papa João 23 (1881-1963) — mesmo sem ainda ter se tornado cardeal, ou seja, um dos candidatos naturais pela lógica eclesiástica.

A nomeação cardinalícia, aliás, viria naquele mesmo anobetesporte com1958, no primeiro consistóriobetesporte comJoão 23.

E no conclave seguinte, justamente para suceder João 23, Montini acabaria escolhido.

Conforme tradição católica iniciada por volta do ano 1000, toca vez que um religioso é eleito para ser papa ele assume uma nova identidade. E este gesto, mais do que um preciosismo, é entendido como uma mensagem inicial: o nome escolhido implica na missão principal que aquele novo pontífice se impõe.

O argentino Jorge Bergoglio, por exemplo, teria escolhido Francisco porque seu amigo, o cardeal brasileiro Cláudio Hummes (1934-2022) teria lhe recomendado, logo após a eleição, que ele não se esquecesse dos pobres.

Montini decidiu ser chamadobetesporte comPaulo. "Foi uma clara referência ao apóstolo evangelizador. E isso revela um pouco daquilo que ele gostaria que fosse seu papado ebetesporte comfato foi: um papa com característicasbetesporte comtransformar a Igreja Católica, expandindo-a para o mundo", enfatiza Moraes.

Essa internacionalização é visível até mesmo no colégio cardinalício. Segundo levantamento realizado pelo teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Junior, professor na Pontifícia Universidade Católicabetesporte comSão Paulo, o peso da Europa entre os purpurado caiu entre o conclavebetesporte comsua eleição,betesporte com1963, e o conclave seguinte, que faria seu sucessor,betesporte com1978.

Os europeus representavam 68,7% dos eleitores. E esse peso caiu para 54%.

E as chancesbetesporte comum sucessor não-italiano também aumentaram bastante. Quando Montini se tornou papa, o colégio cardinalício tinha representantesbetesporte com28 países. No conclave seguinte, esse mapa contava com 48 países — um aumentobetesporte commaisbetesporte com70%. (Em todo o seu pontificado, Paulo 6º criou 143 cardeais. Nenhum deles está vivo.)

"Em seis consistórios, ele remodelou consideravelmente o colégio cardinalício, acentuando o caráter universal desse colégio. É um processobetesporte comque a gente percebe que houve uma preocupação enormebetesporte comrenovação", diz Moraes.

"Não dava mais para ficar uma igreja restrita ao pensamento europeu e marcadamente italiano. Era necessário pensarbetesporte commaneira mais ampla", acrescenta.

Trata-sebetesporte comum movimento interessante nas peçasbetesporte comxadrez que compõem o tabuleiro do poder católico. E que tem sido a tônica do atual pontificado,betesporte comFrancisco, o primeirobetesporte comque europeus deixarambetesporte comser maioria absoluta entre os purpurados.

Segundo Moraes, Francisco planta "árvores que vão dar frutos lá na frente", exatamente como fez Montini.

O nome e a missão

E Paulo, o apóstolo, é reconhecido na história do cristianismo como o primeiro grande evangelizador. "Paulo 6º sabia que, como papa, seu maior trabalho seria evangelizar", comenta Moraes.

"Levar a mensagembetesporte comCristo e do cristianismo a todos os lugares possíveis. Ele queria uma Igreja mais atuante e quando ele se tornou papa e reabriu o concílio Vaticano 2º pudemos perceber que essa seria a tônica dele."

"Ele assistiu à chegada do homem à Lua e mandou uma mensagem ao vivo aos astronautas", exemplifica Domingues.

Mas naquele contexto não funcionava mais uma evangelização que prescindisse do diálogo.

"E ele percebeu e teve um grande afã, grande desejobetesporte comque a Igreja Católica pudesse finalmente falar com todos os segmentos do mundo polarizado, do mundo secularizado, onde a Igreja precisava se mobilizar para manter contemporâneabetesporte commensagem", acrescenta o teólogo Moraes.

"O grande legado desse papa é que ele foi um papa contemporâneo, um grande evangelizador, alguém que buscou atualizar a mensagembetesporte comJesus Cristo para um tempo muito difícil, que foi esse tempo da segunda metade do século 20", diz Moraes.

Para isso ele tinha também instrumentos mais acessíveis, como meiosbetesporte comtransporte. Assim, foi o primeiro papa a viajarbetesporte comavião e, o que lhe rendeu o apelidobetesporte com"papa peregrino", inaugurou a era dos papas viajantes e visitou todos os cinco continentes — um feito só repetido por João Paulo 2º (1920-2005).

Sim, ser papa no século 20 não era ficar encastelado no Vaticano.

"Não adiantava mais ficar com saudade dos temposbetesporte comglória do passado quando os papas simplesmente tinham poder constituído, falavam e todo mundo obedecia", comenta Moraes.

"Era necessário diálogo, estar onde os problemas estavam. Por isso ele viajou muito e por isso ele tentou estabelecer contato com outras igrejas."

"Ele foi um homem à frente do tempo", complementa.

O vaticanista Domingues acrescenta que Paulo 6º foi o primeiro papa "a enfrentar as questões contemporâneas, os fenômenos da era moderna".

Em suas viagens e seus documentos, ele abordou temas que vão dos desafios da mundialização —betesporte comum conceito muito próximo do que hoje chamamosbetesporte comglobalização — à revolução sexual — foi no tempo do seu pontificado que houve a popularizaçãobetesporte commétodos contraceptivos como a pílula e movimentos sociais como osbetesporte commaiobetesporte com1968.

"Ele mostrou que a Igreja Católica estava aberta ao diálogo, sem abrir mãobetesporte comsuas posições e deus princípios. Ele dialogo com esse mundo efervescente e, nesse sentido, a Igreja Católica se transformoubetesporte comalgo mais contemporâneo", ressalta Moraes.

Alguns gestos foram marcantesbetesporte commovimento. Conforme ressalta Kelly, "ele reduziu a pompa e a circunstância do papado". E uma das providências foi vender a tiara papal — espéciebetesporte comcoroa — a que tinha direitobetesporte comusar desde a eleição, com o arrecadado revertido a obras sociais.

Paulo VI foi, assim, o último papa a ser coroado, como um monarca. Depois dele, nenhum outro repetiu o gesto histórico.

Domingues lembra também que Paulo 6º realizou um importante trabalhobetesporte comgestão da Cúria Romana e do funcionamento da máquina eclesial. Nesse sentido, foi um reformista, que se preocupoubetesporte comcriar regras clarasbetesporte comuma instituição ainda movida mais pela tradição do que pelos protocolos.

Foi ele quem determinou que cardeais com maisbetesporte com80 deixambetesporte comter poderbetesporte comvoto numa sucessão papal, por exemplo. "Ele começou a colocar limites e a criar estruturas, pensando na melhoria do funcionamento. Isso fez dele um papa muito inovador", comenta Domingues.

Mas todo esse ímpeto reformador e, até certo ponto, progressista, acabou recebendo uma duchabetesporte comágua fria com a publicação da encíclica Humanae Vitae,betesporte comjulhobetesporte com1968. Especialistas acreditam que ali houve um momentobetesporte cominflexão da trajetóriabetesporte comMontini, não pela doutrina reafirmada no documento, mas pela repercussão havida.

Abordando tópicos sensíveis, como aborto e controlebetesporte comnatalidade, o documento vinha sendo preparado com basebetesporte comdiversas consultas que o papa fazia a especialistas, das mais diversas áreas. E havia uma expectativa, sobretudo os grupos católicos mais progressistas, que ele revisasse alguns pontos nevrálgicos da doutrina.

"Era um períodobetesporte comque se falava muito sobre contracepção e que mudanças estavam acontecendo. As pessoas que estavam do lado mais liberal, mais progressista da Igreja, eles acharam que o papa ia fazer uma revolução nas questõesbetesporte commoral sexual", conta Domingues.

"Mas ele não fez. Ele reafirmou a doutrina da Igreja praticamente dizendo que não era o momentobetesporte comrever essas questões."

Essa encíclica até hoje é um dos pilares quando há discussões, no âmbito católico, sobre defesa da vida e contracepção, por exemplo. "São os mesmos princípios, a Igreja não mudou", afirma o vaticanista.

"Isso acabou gerando muitas críticas a Paulo 6º,betesporte comtodos os lados, e ele ficou isolado", pontua Domingues. "Ele era visto como progressista demais pela ala conservadora, e conservador demais pela ala progressista", resume Moraes.

Na época, muito se falou que isso acabou deixando-o depressivo. "Fato é que ele paroubetesporte comescrever, foi entrando na velhice, foi envelhecendo e ficando mais frágil", diz Domingues. "E se fechou na introversão, na oração, na introspecção. Era quase como se dissesse: eu já deixei minha contribuição, agora vou só seguir aqui até o fim da vida."

Conforme atesta Kelly, Paulo 6º ainda sentiria um intenso desgosto pelo sequestro e assassinato do ex-primeiro ministro italiano Aldo Moro (1916-1978), democrata cristão que era seu "amigobetesporte comtoda a vida". "Sua última aparição pública foi para presidir a cerimônia do funeral [de Moro]", pontua Kelly.

"Pouco tempo depois, foi acometidobetesporte comartrite e, após ter sofrido um ataque cardíaco enquanto se rezava uma missa junto àbetesporte comcama, morreu no Castelo Gandolfobetesporte com6betesporte comagosto [de 1978]", descreve o teólogo, no verbete dedicado a Paulo VIbetesporte comseu livro.

Em outubrobetesporte com2018, papa Francisco declarou-o santo, encerrando seu processobetesporte comcanonização.