Lutero, o monge católico que abriu portas para surgimentoigrejas evangélicas:
Na época, Lutero já era um religioso renomado, com respeitável carreira acadêmica. Teólogo e doutorbíblia, lecionava desde 1508 na UniversidadeWittenberg (Alemanha) e, estudiosogrego e hebraico, trabalhavauma tradução das escrituras .
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Release | May 24, 2012 |
Genre(s) | Endless runner |
Fim do Matérias recomendadas
Como sacerdote, parecia incomodado com o monopólio da fé que a Igreja Católica detinha, sobretudo porque notou haver uma mercantilização das indulgências, o perdão pleno dos pecados que, naquele momento histórico, vinha sendo negociado por religiosostrocapagamentosdinheiro.
Em 31outubro1517, Lutero afixou 95 teses na porta da Igreja do CasteloWittenberg. Basicamente, ele questionava esse comérciograças e o poder absoluto da Igreja na fé popular — e afirmava que a Bíblia era o texto primordial que deveria ser considerado, acimaqualquer autoridade papal.
A partir daí, o religioso passou a ser alvoum longo processo até que,1520, o Vaticano determinouexcomunhão. Se sair da Igreja Católica não estava nos planos do agora ex-monge agostiniano, fato é que o movimento que ele acabou suscitando fez com que surgissem outras denominações cristãs. Nesse sentido, pode-se afirmar que o luteranismo foi pioneiro, já que antes dele, no mundo ocidental, o cristianismo era praticado apenas por católicos.
"Lutero promoveu o fim do monopólio católicorelação aos benssalvação", pontua o historiador, teólogo e filósofo Gerson LeiteMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Isto porque, principalmente ao longo da Idade Média na Europa, o entendimento predominante eraque, para ser salvo, era preciso ser batizado e seguir os ensinamentos da Igreja Católica. "Não estar na Igreja Católica era estar no inferno, era ser alguém destituído da graçaDeus. Era assim que funcionava", completa Moraes.
O lema latino era "extra ecclesiam nulla salus", ou seja, vigorava a ideiaque não havia salvação que fosse fora da Igreja. "Lutero não queria romper com a Igreja, mas ele rompe com isso, com essa ideia. E o processo todo leva asaída [do catolicismo]", explica o teólogo.
Afinal, depois da publicação das teses e do julgamento religioso, Lutero acabou excomungado. Em outras palavras, ele se tornou exatamente isso: alguém que estava fora da Igreja, portanto, na condiçãonão salvo.
Mas o que ninguém imaginava era que ele encontraria apoiouma elite germânica e,pouco tempo, cercatrês ou quatro anos depois, suas ideias já tinham encontrado solo fértiltantas mentes e corações que uma nova religiosidade acabou surgindo. "Um movimento que, enfim, colocou fim ao monopólio católico", diz Moraes.
"O protestantismo nasceu assim, como um movimento plural e sem papa", pontua o teólogo. "E este é o legadoLutero, um movimentonão obediência ao bispoRoma, uma religiosidade cristã que não ficava abaixo do guarda-chuva católico. Não era mais preciso ser católico para ser salvo, já que, no novo entendimento, o único mediador entre Deus e os homens é Jesus, e não mais o papa."
Fundamentos
"Nesse sentido", completa Moraes, "Lutero pode ser o paitodas as igrejas que daí surgiram. Mas é pai mesmotodas? Difícil dizer. O que ele é, sem dúvida, é paium movimento que rompe com a Igreja Católica."
O fundamento do luteranismo não era mais uma figura absolutista teocrática, no caso, o papa. Mas, sim, a Bíblia, ou seja, os textos considerados sagrados. "Nos fundamentosLutero, há a centralidade da Bíblia", comenta Moraes. E, claro, para contrapor ao comércio das indulgências, a ideiaque a salvação vem da graça divina, da fé.
"Lutero acabou sendo a grande pedra fundamental para o surgimentooutras tradições cristãs porque para ele, entre bíblia e autoridade papal, a primazia era da bíblia", pontua Souza. "Obviamente que ele, como professorbíblia, universitário, doutor, ele fazia a interpretação a partir da exegese e da hermenêutica, ele tinha as regras na cabeça dele e jamais desconsiderava o texto dos pais da Igreja, os escritos dos grandes doutores."
A historiadora lembra que, por outro lado, essa ideiaincentivar a livre interpretação da bíblia também possibilitou leituras equivocadas e interpretações rasas que perduram até hoje. "Lutero tinha na cabeça regras hermenêuticasinterpretação das sagradas escrituras e a importânciacaminhar ao lado dos doutores da igreja, mas isso abriu caminho para as demais pessoas, abriu a caixaPandora e ficou incontrolável", diz. "Não foi a intenção dele. Não foi a intenção dele nem criar uma nova Igreja, mas ele abriu a caixaPandora."
Mas pesquisadores ressaltam que Lutero mesmo nunca pretendeu sair do catolicismo e muito menos criar uma própria igreja. "Existe uma tradição que diz que quando ele estava próximo da morte e a igreja daqueles que seguiam suas ideias já vinha sendo chamadaluterana, ele não gostava", afirma Souza. "Ele dizia que a igreja eraCristo e não dele."
O que seria então a igrejaLutero? "Acho que não existe. Não posso afirmar que tal igreja seja a luterana pura e todas as outras sejam versões, isso não existe por conta da especificidade da própria históriacada localidade e como o luteranismo se desenvolveu", diz a historiadora.
Para ela, a razãonão existir uma igreja propriamente seguidoraLutero é que o norte dos que praticam a religiosidade segundo tal preceito nunca é o fundador, mas sim, a figuraJesus Cristo.
Por outro lado, ela aponta algumas nuances que seriam características dos luteranos,comparação com católicos ou cristãosoutras denominações. "Eu diria que a liberdadeconsciência, a liberdadeviver a fé. Isso é forte no luteranismo. O luterano não aceita um legalismo, mas vive aquilo que ele crieliberdade, por amor", comenta.
"A herdeira natural do luteranismo é a Igreja Luterana, mas podemos dizer que o movimento inicialLutero acabou sendo apropriado e ressignificado por todas as igrejas ditas protestantes porque essas acabaram,alguma maneira, também seguindo essa trilha que foi aberta por ele", acrescenta Moraes.
"Lutero deixou um tesouro, que possibilita novas interpretações e ressignificações porque estamos lidando com esse negócio vivo chamado religião", complementa o teólogo.
Três pontos fundamentais
Souza enfatiza que eram três os pontos fundamentais defendidos por Lutero, e que ainda ressoam fortementeboa parte das igrejas protestantes contemporâneas.
O primeiro foi a defesa da salvação pela fé, pela graça divina, por conta do entendimentoque Jesus Cristo se sacrificouprol da salvação das pessoas. Outra questão é a fundamentação bíblica, que deve ser o norte da religiosidade e cujo entendimento pode ser feito individualmente, por cada um, naquilo que se costuma chamar"livre exame" das sagradas escrituras.
Não à toa, esse movimento fez com que a bíblia, antes comumente restrita ao latim, língua oficial do catolicismo, passasse a ganhar traduções nas línguas praticadascada país. Lutero, responsável pela tradução da escritura para o alemão,publicação1534, é reconhecido comosuma importância também para a consolidação do idioma ali praticado.
"Ele é o pai da língua alemã, o pai da pátria", define a historiadora.
"O terceiro ponto importante é o entendimento do sacerdócio universal, ou seja, a ideiaque não havia diferença entre clero e fiéis", diz Souza. "Estes são os três fundamentos, eu diria, do protestantismo raiz. E estão presentesigrejas pentecostais históricas, muito embora elas não reconheçam a paternidadeLutero."
Esse reconhecimento, aponta a historiadora, é cada vez mais raro mesmo no meio evangélico. "Em quase absoluto, se desconhece Lutero. Teólogos e intelectuais protestantes obviamente o conhecem. Mas para o povo ele é um completo desconhecido", lamenta.
Atualidade
Ao analisar a conjuntura no Brasil e a trajetóriaLutero, a historiadora Souza diz que ele não se identificaria ao observar a evolução desse legado. Isto porque,seu entendimento, a maior parte das denominações, sobretudo as neopentecostais e que se baseiam na chamada teologia da prosperidade, enveredou por um caminho que nada tem a ver com os princípiosLutero.
"O meio evangélico brasileiro hoje é cheiogurus,pastores que determinam basicamente o que as pessoas devem fazer, pensar, inclusivequem devem votar", diz. "Não há nada mais distante do pensamentoLutero do que isso."
"Se Lutero fosse vivo hoje, ele se sentiria muito mais à vontade — excetuando algumas igrejas como a anglicana e alguns ramos metodistas — numa missa [católica] do que num culto evangélico", afirma. "Essa é minha opinião. Por causa da distância desse evangelicalismo brasileirocomparação ao que ele entendia ser uma comunidade cristã."