A riqueza na 'Dubai' vizinha ao Brasil: 'É como se país tivesse ganhado na loteria':cs bet
"Era horacs betvoltar", disse Shiv Misir, hoje com 60 anos, à BBC News Brasil.
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Os irmãos foram atraídos pelos bilhõescs betpetrodólares que turbinaram a economia do país nos últimos anos.
Eles montaram um escritóriocs betcorretagem imobiliária especializadocs betvender e alugar imóveiscs betalto padrão na capital do país, Georgetown.
Shiv e Hemant são dois representantes da nova classe média que surgiu (ou que retornou) ao país nos últimos anos desde o início da exploraçãocs betpetróleo no país.
Iniciadacs bet2019, essa exploração transformou a antiga colônia britânicacs betuma das economias que mais cresce no mundo.
A Guiana é um país localizado no norte da América do Sul, entre o Suriname e a Venezuela.
Tem pouco maiscs bet800 mil habitantes e surgiu como uma colônia inicialmente holandesa para a produçãocs betcana-de-açúcar.
Somentecs bet1966 o país foi declarado independente do Reino Unido.
Em 2015, a petroleira americana Exxon Mobil anunciou a descobertacs betcamposcs betpetróleo gigantes e economicamente viáveis na costa do país.
Nos anos seguintes, o consórcio composto pela Exxon Mobil, a também americana Hess e a chinesa CNOOC arrematou poços a pouco maiscs bet200 quilômetros da costa guianense.
Até o momento, foram descobertas reservascs betaproximadamente 11 bilhõescs betbarriscs betpetróleo, mas estimativas mais recentes apontam que esse volume pode chegar a 17 bilhões.
O valor seria maior que todas as reservas provadascs betpetróleo do Brasil, estimadas pela Agência Nacionalcs betPetróleo (ANP)cs bet14 bilhõescs betbarris.
Até então, a Guiana tinha uma economia baseada na agriculturacs betsubsistência, mineraçãocs betouro e diamantes e extraçãocs betmadeira.
A partircs bet2019, as receitas do petróleo passaram a turbinar o Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Em 2020, o então ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, chegou a comparar o país a uma das cidades dos Emirados Árabes Unidos que virou símbolo da riqueza gerada pelo petróleo.
"É a nova Dubai da região, mesmo", disse Guedes.
Os números,cs betfato, têm chamado atenção.
'É como se o país tivesse ganhado na loteria'
Entre 2019 e 2023, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o PIB do país tenha saídocs betUS$ 5,17 bilhões (R$ 27,7 bilhões) para US$ 14,7 bilhões (R$ 68,2 bilhões), um saltocs bet184%.
Em 2022, o crescimento do PIB foics betimpressionantes 62%.
Na mesma proporção, o PIB per capita (divisão da riqueza do país pelo númerocs bethabitantes) também cresceu.
Segundo o Banco Mundial, saiucs betUS$ 6.477 (aproximadamente R$ 31 mil) dólarescs bet2019 para US$ 18.199 (R$ 87 mil) dólarescs bet2022.
Para efeitocs betcomparação, esse valor é mais que o dobro do PIB per capita brasileiro, quecs bet2022 foics betUS$ 8.917 (R$ 39,9 mil).
"É como se o país tivesse ganhado na loteria. É uma chance que só aparece uma vez na vida. Há um otimismo muito grande no país", disse à BBC News Brasil Diletta Doretti, representante do Banco Mundial para a Guiana e Suriname, que vive há dois anoscs betGeorgetown.
Na esteira do crescimento gerado pelo petróleo, outros setores da economia do país também cresceram.
De acordo com o FMI, o crescimento do PIB não relacionado ao petróleo como indústria, agricultura e construção civilcs bet2022 foics bet11,5%.
Os reflexos são visíveis pelas principais cidades do país como a capital, Georgetown.
É possível ver guindastes e operários trabalhandocs betobrascs betinfraestrutura como hospitais, rodovias, pontes e portos e na construçãocs bethotéiscs betluxocs betredes internacionais como as americanas Marriot e Best Western.
Ao longo das novas rodovias, há dezenascs betgalpões recém-construídos repletoscs bettratores, escavadeiras e outros equipamentos para a construção pesada para atender à demanda por obras do país.
Foi por conta desse boom econômico que os irmãos Misir decidiram voltar, ainda que nãocs betforma definitiva, à Guiana.
Desde 2021, a dupla faz viagens frequentes entre Toronto, no Canadá, e Georgetown para tocar os novos negócios.
Ele explica que o dinheiro gerado pelo petróleo vem criando oportunidades tanto para o surgimentocs betuma nova classe média quanto para a atual elite do país.
"As pessoas se sentem mais seguras. Elas sentem que são partecs betalgo do que elas podem se beneficiar", diz Misir.
"Há muita gente rica na Guiana que está indo para o ramo imobiliário ou que está atuando na cadeiacs betsuprimentos da indústria do petróleo."
Misir afirma que conhece outros imigrantes guianenses que vivem nos Estados Unidos ou no Canadá investindocs betimóveis ou terrenos no país na expectativacs betlucrarem com o boom do petróleo.
Ao chegarem à Guiana, eles passam a integrar, automaticamente, a nova classe média.
"Há muitos guianenses que estão voltando, e eles procuram vivercs betcondomínios fechados, com segurança e imóveis modernos, com todo o conforto com o qual viviam antes, porque passaram a maior partecs betsuas vidascs betpaíses como os Estados Unidos e o Canadá", diz Misir.
Acostumado a lidar com clientescs betalto poder aquisitivo, ele comenta que parte da antiga e da atual elite do país ainda mantém "velhos hábitos"cs betfazer compras no exterior e que, por isso, ainda não há lojas exclusivascs betgrifescs betluxo no país.
Apesarcs better sido colonizado pelos holandeses e pelos britânicos, o país, assim como vizinhos do Caribe, mantém uma estreita ligação comercial e cultural com os Estados Unidos, a pouco maiscs betquatro horascs betvoo.
Segundo ele, a maior parte da elite guianense envia seus filhos para estudarcs betpaíses como Estados Unidos, Canadá ou na Europa.
Misir diz que esse público aproveita as visitas aos filhos para fazer turismo e aproveitar o "estilocs betvida" desses países.
O empresário também diz que, nos últimos anos, o rápido crescimento da economia também encorajou a aberturacs betempreendimentos focados na elite do país.
"Eles (os ricos da Guiana) vão para os restaurantescs betluxo e para os shoppings que foram abertos recentemente. Nossa loja, por exemplo, estács betum desses", disse o empresário.
A corretoracs betimóveis dos irmãos Misir ocupa uma pequena sala no MovieTowne, que foi inauguradocs bet2019, mesmo anocs betque começou a exploração comercialcs betpetróleo no país.
No mesmo andar, também há adegas vendendo vinhos importados, inclusive do Brasil, e lojascs betperfume com marcas famosas como Dior.
Nos subúrbioscs betGeorgetown, as mudanças dão a dimensão das transformações pelas quais o país vem passando — ecs betcomo o novo dinheiro que circula no país está criando novos hábitos e paisagens.
Antigas plantaçõescs betarroz e cana-de-açúcar, que antes eram importantes fontescs betriqueza do país, agora dão lugar a shopping centers com lojascs betfranquias globais e condomínios fechados que abrigam tanto a nova elite do país quanto os imigrantes que chegam para trabalhar na indústria do petróleo.
Um desses shoppings é o Amazonia Mall, na margem leste do Rio Demerara, a pouco maiscs betmeia horacs betcarro do centro da cidade.
À distância, é possível ver a placacs betuma das suas principais lojas: uma franquia da Starbucks.
A loja foi inauguradacs betabrilcs bet2023, tem maiscs bet200 metros quadrados e 50 funcionários. Ela fica frequentemente lotada.
Procurada pela BBC News Brasil, a Starbucks disse que a abertura da loja no país se deveu ao fatocs betque o país é, hoje, "um mercado vibrante".
Canteirocs betobras global
Há outros sinais que evidenciam a velocidade com a qual a nova riqueza do petróleo chega à Guiana.
O país passou a atrair empreiteirascs betdiversos países, inclusive do Brasil,cs betbuscacs betcontratos para construçãocs betobrascs betinfraestrutura que o país, há décadas, necessitava.
Dados oficiais apontam que o governo destinou US$ 187 milhões (R$ 925 milhões)cs betprojetoscs betinfraestrutura como rodovias e portoscs bet2019, o primeiro ano da exploração comercialcs betpetróleo no país.
Em 2023, o valor subiu para US$ 650 milhões (R$ 3,2 bilhões), um crescimentocs bet247%.
"Moro aqui há quase dois anos. Toda vez que viajo para fora do país, eu percebo a diferença quando retorno", diz Diletta Doretti, do Banco Mundial.
"Há muita infraestrutura sendo construída como rodovias novas e hoteis. Você percebe, também, o grande númerocs betmissõescs betnegócios que chegam ao país."
Em meio ao fluxo sem precedentescs betrecursos, o país se transformoucs betuma espéciecs betcanteirocs betobras global.
A Guiana também passou a ser cortejada por países que oferecem crédito para financiar empreiteiras.
"Temos companhias oriundas do bloco europeu, da China, da Índia, Estados Unidos, Canadá e brasileiras", disse à BBC News Brasil Deodat Indar, que ocupa o cargo equivalente aocs betvice-ministrocs betObras Públicas da Guiana.
A China aparece nesse tabuleiro como um dos principais jogadores.
Alémcs betexpertisecs betprojetoscs betinfraestrutura, o país tem oferecido dinheiro à Guiana para financiar obras contratadas por empreiteiras do país.
Um consórciocs betempresas chinesas, por exemplo, venceu a licitação para a construçãocs betuma nova ponte sobre o rio Demerara. A obra foi financiada pelo Banco da China.
O projeto é considerado vital para o desenvolvimento do país, porque a ponte vai substituir uma com maiscs bet30 anoscs betuso cujo fluxo é interrompido várias vezes ao dia para a passagemcs betembarcações pelo rio.
A nova ponte terá uma estrutura pênsil e permitirá o tráfegocs betnavios abaixo dela. O projeto está avaliadocs betUS$ 260 milhões (R$ 1,4 bilhão).
Empreiteiras do país também são responsáveis pela construçãocs bethotéis ecs betuma sériecs bethospitais contratados pelo governo da Guiana.
Mas a China tem concorrentes. Em 2022, uma empreiteira da Índia ganhou um contrato para a construçãocs betuma rodovia avaliadacs betUS$ 106 milhões (R$ 524 milhões).
Na esteira do crédito internacional, a Áustria também ofereceu crédito para que uma empresa daquele país pudesse construir um hospital público contratado pelo governo da Guiana. O valor do projeto écs betUS$ 161 milhões (R$ 796 milhões).
Algumas empresas trazem com elas empregadoscs betseus próprios países. É o caso do consórcio chinês que constrói a ponte sobre o rio Demerara. O canteirocs betobras do projeto é dividido por operários chineses e guianenses.
A presença do Brasil nesse canteiro global ainda é considerada tímida por diplomatas ouvidos pela reportagem da BBC News Brasilcs betcaráter reservado.
Mesmo assim, uma companhia do país, a Álya Construtora (antiga Queiroz Galvão), ganhou a licitação para a construçãocs betum trechocs bet121 quilômetroscs betuma rodovia que deverá ligar Lethem, na fronteira com o Brasil, e Linden.
A obracs betUS$ 190 milhões (R$ 939 milhões) não é financiada por entidades brasileiras, mas pelo Bancocs betDesenvolvimento do Caribe.
Desde 2017, durante as investigações da Operação Lava Jato, o Banco Nacionalcs betDesenvolvimento Econômico e Social (Bndes) suspendeu linhascs betcrédito para o financiamentocs betobrascs betinfraestrutura a empresas brasileiras no exterior.
No fimcs bet2023, a Guiana ficoucs betdestaque internacionalmente devido à antiga disputa entre Venezuela e Guiana pela regiãocs betEssequibo, depois que o governo venezuelano realizou um referendo para anexar a região.
Essequibo, com aproximadamente 160 mil km² (pouco maior que o Estado do Ceará), representa 70% do território guianês. É uma região ricacs betminerais como ouro, cobre, diamantes e, recentemente, lá também foram descobertos enormes depósitoscs betpetróleo e outros hidrocarbonetos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem prevista viagem à Guiana para a cúpula da comunidade dos Estados do Caribe (Caricom),cs bet28cs betfevereiro.
Riqueza e desigualdade
David Hinds é guianense e vive entre os Estados Unidos e seu país natal há quase quatro décadas.
Ele é professor da Universidade Estadual do Arizona e especializadocs betestudos sobre o Caribe e a diáspora africana.
Ele explica que a Guiana é um país com uma divisão social ecs betclasse muito marcada.
Entre os séculos 17 e 19, o país foi colonizado por europeus que utilizaram a mãocs betobracs betafricanos escravizados para produzir açúcar no país.
Com a abolição da escravidão,cs bet1833, o Reino Unido passou a levar imigrantes do Leste Asiático, especialmente da região que hoje é a Índia, chineses e portugueses para o país.
Segundo o governo, 39,8% da população é composta por pessoascs betorigem do leste indiano, 30% são negroscs betdescendência africana, 10,5% são indígenas e 0,5% sãocs betoutras origens como chineses, holandeses e portugueses.
Hinds diz que políticas adotadas pelo então império britânico fizeram com que os imigrantescs betorigem asiática e os portugueses passassem a atuarcs betáreas como o comércio e a indústria incipiente do país.
"Os descendentescs betindianos e os portugueses fazem parte da elite econômica da Guiana", diz.
Os descendentescs betafricanos escravizados, porcs betvez, explica Hinds, passaram a atuarcs betempregos com baixa especialização ou no serviço público.
O professor diz que os "novos ricos" da Guiana acabam sendo oriundos da mesma elite econômica que se instalou no país.
"As pessoas que estão aproveitando (o boom econômico) são aquelas que já estão entranhadas na elite da Guiana", diz o professor.
A BBC News Brasil questionou o governo da Guiana sobre a marcante desigualdade social no país, mas não houve resposta.
'Nova Dubai'
No Centrocs betGeorgetown, o empresário Richard Singh observa seus funcionários polirem com cuidado pouco maiscs bet20 carros estacionados emcs betrevendedoracs betcarros.
Fãcs betcarros e tecnologia desde a infância, ele vende automóveis usados, a maioria importadoscs betpaíses como Japão, uma vez que o país, assim como a Guiana, também utiliza a mão inglesa.
Segundo ele, apesar dos dólares oriundos do petróleo, a elite do país continua preferindo carroscs betsegunda mão porque os impostos para a importaçãocs betautomóveis zero quilômetro são muito altos e porque o país ainda não teria mãocs betobra e acesso a peçascs betreposição, o que faria a manutenção desse tipocs betveículo praticamente impossível.
Entre BMWs importadas e carroscs betmontadoras japonesas, Singh disse à BBC News Brasil que houve uma mudança emcs betclientela desde o início da exploraçãocs betpetróleo no país.
Sua loja passou a ser frequentada não mais apenas por pequenos empresários locais e profissionais liberais, como médicos empregados pelo governo.
Agora, ela também é procurada por grandes corporações estrangeiras ligadas à indústria do óleo e do gás ou que vieram a reboque e procuram veículos para seus funcionários e executivos.
Conhecedor dos hábitoscs betconsumo da elite guianense, Singh afirma que consegue ver o surgimentocs betuma espéciecs bet"nova classe média" no país.
"Sim, há uma nova classe média. Ela está posicionada logo acima da antiga classe média da Guiana", avalia Singh.
O aumento nos lucros permite que Singh acompanhe uma das suas paixões: corridascs betautomóvel.
Em maio do ano passado, por exemplo, ele viajou para Miami para assistir ao Grande Prêmiocs betFórmula 1.
Mas o empresário acredita que o tão comentado boom na economia do país ainda não teria chegado ao seu ápice.
"Estou muito otimista. Sinto que a Guiana está aguardando para explodir (economicamente)", diz à Singh.
Entre um carro e outro, Singhs retoma a comparação com Dubaics bettomcs betesperança.
"Sempre vi histórias sobre Dubai. Nos anos 1990, se você fosse lá, era tudo areia e deserto. Agora, você nem reconheceria", diz.
"Eu tenho esperança e ambiçãocs betque,cs bet20 anos, a gente olhe para trás e diga: 'Eu não acredito que aquilo era a Guiana'. Espero que aconteça assim aqui também."