Os ex-escravizados que voltaram para a África e fundaram comunidade que segue tradições brasileiras :jogar jogos

Legenda do áudio, Em Acra, Gana, há uma rua chamada Brazil Lane, onde está localizada a primeira casa que abrigou os tabom, a Brazil House, que hoje funciona também como museu e acervo

Neste último, os retornados ficaram conhecidos como "tabom" por se comunicaremjogar jogosportuguês e usarem com frequência a frase "tá bom".

"Há duas versões para esse nome", explica a historiadora Monica Lima e Souza, da Universidade Federal do Riojogar jogosJaneiro (UFRJ).

"A primeira é que como muitos deles não falavam bem a língua local, respondiam 'tá bom' para tudo que não entendiam. Já a segunda é que o 'tá bom' era usado com frequência como uma saudação, uma formajogar jogossaber se a outra pessoa estava bem."

A comunidade que floresceu nos arredores do que hoje é Acra, a capitaljogar jogosGana, ainda existe.

Apesarjogar jogospouco numerosas, algumas famílias ainda carregam sobrenomes luso-brasileiros e realizam cerimônias com danças que misturam a tradição local à brasileira.

Além disso, também é possível encontrar pratos típicos brasileiros, como a feijoada, sendo servidosjogar jogosencontros da comunidade.

O retorno

Historiadores se baseiam nos poucos documentos da época e principalmente na história oral para reconstruir a história dos retornados.

Considera-se que os primeiros brasileiros a chegar à área da Costa Ocidental da África desembarcaram antes da décadajogar jogos1830 e eram traficantesjogar jogosescravos ou pessoas próximas.

Crédito, Coleção da Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Grupojogar jogosbrasileirosjogar jogosdescendência africana no convésjogar jogosum navio a caminho da África Ocidental
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"Mas a partir da décadajogar jogos1830 muitos retornos passaram a ter relação com as rebeliões e insurgências que aconteciam no Brasil,jogar jogosespecial a Revolta dos Malêsjogar jogosSalvador, na Bahia", explica Monica Lima e Souza.

Segundo a historiadora, muitos dos escravizados libertos passaram a ser vigiados e perseguidos após esses movimentos e viram o retorno à África como uma alternativa. Muitos dos envolvidos também foram deportados à força.

É neste contexto que alguns historiadores incluem a chegada a Acra, nas primeiras décadas do século 19,jogar jogosum pequeno grupojogar jogosescravizados que conquistoujogar jogosliberdadejogar jogosterritório brasileiro e viajoujogar jogosnavio a Gana.

Posteriormente, a partir da décadajogar jogos1850, uma nova levajogar jogospessoas, motivadas principalmente pelo fim do tráficojogar jogosescravizados no Brasil, abolido por lei nesse mesmo ano, passou a retornar à África. "O objetivo principal delas era promover uma atividade comercial livre e combater o tráfico atlântico ou interno que ainda acontecia", diz Souza.

Também há indíciosjogar jogosque um grupo significativojogar jogosretornados chegou a Gana vindo da Nigériajogar jogosum barco oferecido pelo governo inglês.

A viagem supostamente deveria ser apenas para visita, mas eles foram tão bem recebidos pelos chefes das comunidades locais que resolveram ficar.

Vidajogar jogosGana

A historiadora da UFRJ explica que muitos dos escravizados que decidiram deixar o Brasil eram nascidos na África que, após terem seus laços com suas comunidades originais cortados à força, acabaram se familiarizando mais com a cultura brasileira e o português do que com suas próprias tradições.

Após conquistaremjogar jogosliberdade e um certo conforto financeiro, decidiram voltarjogar jogosbuscajogar jogosoportunidades na área comercial. "No litoral da região que hoje é Acra existiam três grandes fortes - um holandês, outro britânico e outro dinamarquês - ejogar jogostorno deles se desenvolveu a ocupação", explica.

Antes da abolição do tráfico, os fortes eram usados pelos europeus para comérciojogar jogosouro e escravizados.

"Quem retornava eram os libertos com condições financeiras melhores, seja porque conseguiram reunir dinheiro por meio do seu trabalho ou porque a família ou conhecidos bancavam a viagem", diz Souza.

Segundo a professora, os custos da travessia eram altos e incluíam não só a passagemjogar jogosnavio como contratos para alimentação e segurança.

Jájogar jogossolo africano, os registros dão contajogar jogosque os brasileiros foram bem recebidos pelas comunidades e pelos holandeses que controlavam a região, recebendo terras para se estabelecer.

Em seu livro Sou brasileiro: história dos tabon afro-brasileirosjogar jogosAcra, Gana, os autores Alcione Meira Amos e Ebenezer Ayesu afirmam que alguns dos afro-brasileiros ainda chegaram com habilidades profissionais e dinheiro, recursos que eram bem recebidos pela população local.

"Entre eles,jogar jogosacordo com documentos encontrados, havia pedreiros, carpinteiros, alfaiates, ferreiros, ourives, escavadoresjogar jogospoçosjogar jogoságua potável e famílias com habilidades no cultivo agrícola", diz a obra.

Crédito, Universal History Archive/UIG via Getty images

Legenda da foto, Ilustração mostra Forte Ussherjogar jogosAcra, Gana, construído pelos holandesesjogar jogos1649

Ainda segundo os historiadores, a comunidade formada pelos recém-chegados cresceu rapidamente e suas casas passaram a contrastar com as residências da população local - enquanto os afro-brasileiros edificaram prédios com pedra, como haviam aprendido no Brasil, os locais cobriam suas moradias com sapé.

"Especialmente os retornados que chegam da décadajogar jogos1880jogar jogosdiante tinham uma visão sobre suas próprias comunidades muito baseada na ideiajogar jogosque eles eram mais ocidentalizados, mais educados e até mais brancos", diz Monica Lima e Souza.

E apesarjogar jogosterem vivido alguns anos no Brasil, muitos dos primeiros tabom a chegaremjogar jogosGana eram muçulmanos. Mas segundo os registros, a grande maioria logo se converteu ao cristianismo,jogar jogosespecial ao anglicanismo e ao metodismo, devido à influência europeia na região.

Os tabom e a escravidão

Mas mesmo após o fim do tráfico e apesarjogar jogossuas origens, muitos tabom ainda mantiveram uma relação com a escravidão após deixarem o Brasil e, alémjogar jogosmanterem escravizadosjogar jogoscasa, atuavam no comércio.

Segundo contajogar jogosalguns livrosjogar jogoshistória,jogar jogos1845, o governador dinamarquês Edward Carstensen reportou que "a Acra holandesa tem sido há algum tempo o centrojogar jogoscomerciantesjogar jogosescravos, especialmente os negros brasileiros emigrados".

O governador Carstensen continuou afirmando que, três meses antes, um desses traficantes brasileiros tinha sido preso no interior do país conduzindo dois escravos para a costa para serem vendidos.

Quase vinte anos depois,jogar jogos1864, era ainda relatado que os afro-brasileirosjogar jogosAcra estavam controlando "um florescente comérciojogar jogosescravos do território Ewe para Acra".

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Faroljogar jogosJamestown,jogar jogosAcra: maior parte dos descendentes dos retornadosjogar jogosGana vive na região

No entanto,jogar jogosGana e na África Ocidentaljogar jogosgeral, a escravatura naquele momento diferiajogar jogosnatureza daquela que existiu no Brasil e nos Estados Unidos. Os escravizados eram considerados parte da família e do clãjogar jogosseus captores e por isso poderiam até mesmo chegar a ocupar uma posiçãojogar jogosautoridade.

"Regras sociais e costumes [...] protegiam muito da dignidade do escravo [...] escravidão nativajogar jogosGana não era [racial]", define Akosua Perbi, professorajogar jogoshistória na Universidadejogar jogosGana e estudiosa do tema.

A comunidade hoje

Crédito, Brazil House

Legenda da foto, Brazil House: primeira casa que abrigou os Tabomjogar jogosAcra

Não há uma estimativa oficial do totaljogar jogosdescendentes do povo tabom que ainda vivem hojejogar jogosGana, uma vez que não existe um censo específico para isso, mas especula-se que a comunidade estejajogar jogostornojogar jogos5 mil pessoas.

Eles estão organizados como sempre estiveram desde o seu retorno à África, com um sistemajogar jogoschefia tradicional equivalente ao do Gana, com um Mantse (chefe ou rei). O Mantse Nii Azumah 5º é o atual líder da comunidade.

Mas segundo historiadores que se debruçaram sobre o tema, diferente da experiência dos ex-escravizados que retornaram para o Benin ou Nigéria, os tabomjogar jogosGana não possuem mais uma forte influência da cultura brasileira.

Crédito, Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Legenda da foto, O presidente Lula se encontrou com descendentesjogar jogosbrasileiros escravizadosjogar jogosAcrajogar jogos2005

Nem todos mantêm uma ligação com as tradições brasileiras, sabem detalhesjogar jogossua ascendência ou sabem falar português. Ainda é possível escutar trechosjogar jogosportuguêsjogar jogosmúsicas cantadas jogar jogos em celebrações religiosas e culturais, jogar jogos mas segundo pesquisadores que estudam as comunidades seus integrantes na maioria das vezes não sabem o que as palavras significam.

Para Alcione Meira Amos e Ebenezer Ayesu, essa perda da identidade "pode estar relacionada ao fatojogar jogosque alguns dos imigrantes muçulmanos que chegaram da Bahia a Acra nas décadas iniciais do século 19, não tenham ficado no Brasil por muito tempo".

Além disso, segundo os autores, os tabom acabaram se fundindojogar jogosforma mais intensa com a comunidade local e acabaram, por vezes, deixandojogar jogoslado a cultura que haviam trazido do Brasil.

Ainda assim, muitosjogar jogosseus descendentes ainda vivemjogar jogosuma área que ficajogar jogosfrente para o mar e próxima ao antigo portojogar jogosAcra chamada Jamestown.

Lá há uma rua chamada Brazil Lane, onde está localizada a primeira casa que abrigou os tabom, a Brazil House, e que hoje funciona também como museu e acervo.