Os cristãos escravizados que teriam ajudado a escrever a Bíblia e espalhar o Evangelho:codigo f12 bet
Compor e copiar textos a mão era um trabalho árduo e fisicamente cansativo, que os membros da elite não queriam fazer e que o resto da população não tinha como fazer.
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Assim, a tarefa cabia geralmente a pessoas escravizadas, que eram alfabetizadas desde jovens para desempenhar a funçãocodigo f12 betsecretários, escribas, leitores e mensageiros.
Nesse contexto, o fatocodigo f12 betalguém ser identificado como autorcodigo f12 betum texto não significava que tinha escrito com suas próprias mãos.
O mais comum era que a obra fosse ditada a pessoas escravizadas ou,codigo f12 betalguns casos, que haviam sido libertas mas,codigo f12 betacordo com Moss, não eram totalmente livres.
A historiadora argumenta que, ao redigir o material ditado por outros e copiar manuscritos, esses escravizados não apenas reproduziam os textos, mas contribuíamcodigo f12 betforma ativa como coautores, fazendo correções e edições.
Essa colaboração se estendeu pelos dois primeiros séculos da Era Cristã, segundo a pesquisa.
"Você pode ver pessoas escravizadas e ex-escravizadas como parte fundamental da atividade missionária, da escrita e da interpretação bíblica no início do cristianismo. Elas estão envolvidascodigo f12 bettudo isso", diz Moss à BBC News Brasil.
Os escravizados viajavam a locais distantes para ler passagens bíblicas a fiéis que não eram alfabetizados,codigo f12 betum papel que Moss compara aocodigo f12 betmissionários, escolhendo gestos e entonação para transmitir e interpretar os ensinamentoscodigo f12 betJesus.
Dessa forma, ajudaram a moldar os fundamentos do cristianismo.
Moss cita o exemplo das Cartascodigo f12 betPaulo. Segundo a historiadora, Paulo era o único apóstolo alfabetizado, mas ele próprio indica,codigo f12 betseus textos, que usava a ajudacodigo f12 betoutras pessoas para ler e escrever.
Além disso, algumascodigo f12 betsuas cartas foram redigidas quando ele estava na prisão, que costumava sercodigo f12 betum subsolo escuro e onde seria difícil escrever.
Moss considera provável que tenham sido ditadas a assistentes escravizados, emprestados por seguidores ricos.
A Epístola aos Romanos traz o trecho "Eu, Tércio, que escrevi esta carta", indíciocodigo f12 betque foi redigida com a ajudacodigo f12 betTércio.
De acordo com Moss, ele é comumente descrito como escriba, o que pode dar a impressãocodigo f12 betque era um amigo ou alguém que havia desempenhado a tarefacodigo f12 betforma voluntária.
A historiadora lembra, porém, que escribas e secretários na Era Romana não eram profissionaiscodigo f12 betclasse média, mas sim pessoas escravizadas ou ex-escravizadas que haviam sido libertas.
Moss destaca ainda que Tércio significa simplesmente "Terceiro", nome comum entre escravizados na época.
A Epístola aos Filipenses menciona Epafrodito. De acordo com Moss, o nome está relacionado à deusa do amor, Afrodite, e tem o significadocodigo f12 bet"belo", sendo comum entre escravizados na Antiguidade, períodocodigo f12 betque muitos meninos eram explorados sexualmente.
Outro exemplo é o Evangelho Segundo Marcos. A historiadora salienta que o autor é descrito como intérpretecodigo f12 betPedro e argumenta que há indícioscodigo f12 betque Marcos era escravizado.
Moss afirma que, à medida que o cristianismo passou a dominar o Império Romano, o statuscodigo f12 betescravizados dos primeiros cristãos foi apagado, e "muitos heróis das Escrituras foram promovidos a bispos".
Ela lamenta que as contribuições dos escravizados para o Novo Testamento e o florescimento do Cristianismo não sejam reconhecidas.
Como não há evidências diretas, a interpretaçãocodigo f12 betMoss é baseada principalmente na leituracodigo f12 bettextos religiosos e seculares e no que se sabe sobre a escravidão nesse período histórico, e o livro recebeu algumas críticas por usar muitas "conjecturas" e "especulação sobre o passado".
Mas ela salienta que foi "transparente sobre onde há evidências melhores ou piores" e garante que o argumentocodigo f12 betque pessoas escravizadas colaboraram no Novo Testamento não é especulação.
"Gostaria que pensássemoscodigo f12 betforma diferente sobre quem estamos lendo quando lemos a Bíblia", afirma.
"Não é apenas um livrocodigo f12 betreis e bispos. É também uma coleçãocodigo f12 betlivros produzidos por pessoascodigo f12 betdiferentes setores da sociedade, que merecem visibilidade."
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Moss falou sobre o papel dos escravizados na Antiguidade, como contribuíram para a Bíblia, as evidências que encontrou emcodigo f12 betpesquisa e a resposta aos críticos.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
codigo f12 bet BBC News Brasil - O que se sabe sobre o papelcodigo f12 betpessoas escravizadascodigo f12 betajudar a redigir a Bíblia?
codigo f12 bet Candida Moss - Elas são coautoras do Novo Testamento, porque os textos que conhecemos como Novo Testamento, as Cartascodigo f12 betPaulo, os Evangelhos, foram ditados a pessoas escravizadas ou ex-escravizadas. E esse foi um processo muito ativo e colaborativo, elas tinham um grande trabalho.
Uma vez escrito um texto, ele seria copiado e corrigido por um escriba escravizado. Seria transportado a outro local por um mensageiro escravizado que era, para todos os efeitos, um missionário. E seria, então, lidocodigo f12 betvoz alta e interpretado para o público por pessoas escravizadas.
Você pode ver pessoas escravizadas e ex-escravizadas como parte fundamental da atividade missionária, da escrita e da interpretação bíblica no início do cristianismo. Elas estão envolvidascodigo f12 bettudo isso.
codigo f12 bet BBC News Brasil - A senhora ressalta que os escravizados tinham um papel muito ativo nessa colaboração. De que maneiras eles contribuíram na edição e correção dos textos?
codigo f12 bet Moss - Era um trabalho muito ativo. Na Antiguidade, eles usavam taquigrafia, mas não era padronizada, era muito individual. Isso significa que quem fizesse a anotação seria a pessoa a expandir [as abreviações] e, ao fazer isso, estaria tomando decisões sobre como fazer o texto soar bem.
Secretários escravizados tinham alto graucodigo f12 beteducação, especialmente se comparados aos apóstolos, que eram pescadores. Assim, era útil aos apóstolos ter pessoas instruídas que pudessem ajudar a melhorar o estilo, tornar a história mais cativante, esse tipocodigo f12 betcoisa.
Então, devemos supor que os escravizados estão participando disso. E é importante, porque significa que eles não são apenas colaboradores, mas quecodigo f12 betvisãocodigo f12 betmundo,codigo f12 betperspectiva, suas prioridades ecodigo f12 betgenialidade, tudo isso também está presente nos textos.
codigo f12 bet BBC News Brasil - A senhora afirma que as pessoas escravizadas tinham alto graucodigo f12 betinstrução, o que é diferente da escravidão atlântica, quando muitos escravizados eram impedidoscodigo f12 betaprender a ler. Como era esse aspecto da escravidão na Era Romana?
codigo f12 bet Moss - Essa é uma das grandes diferenças entre a escravidão romana antiga e a escravidão atlântica. Na escravidão atlântica, os proprietários não queriam que seus trabalhadores escravizados aprendessem a ler e escrever precisamente porque isso lhes daria poder, então tomaram medidas ativas para evitar isso.
Mas com os romanos era diferente, por uma sériecodigo f12 betrazões. Uma delas é que não tinham óculos.
Cercacodigo f12 bet40% da população atual teria dificuldadecodigo f12 betler e escrever se não tivesse óculos. Você pode imaginar como, na Antiguidade, ter trabalhadores escravizados que podiam ler e escrever melhor que você, simplesmente porque podiam enxergar melhor, era realmente importante.
E não era apenas deficiência visual, mas também problemas como artrite, gota [que dificultavam a escrita]. Se você escreve por um longo períodocodigo f12 bettempo, começa a doer. Essa é outra razão pela qual as pessoas não queriam fazer [essa tarefa].
E você adiciona a isso a faltacodigo f12 beteletricidade. Grande parte da leitura era feita à noite. Então eles usavam trabalhadores escravizados, especialmente jovens, que tinham visão aguçada. Temos evidências deles falando sobre isso.
Na época da escravidão atlântica já existiam máquinas que podiam copiar textos, mas os romanos não tinham isso, então precisavamcodigo f12 betpessoas. Não queriam fazer esse trabalho eles próprios, por isso usavam pessoas escravizadas e devidamente treinadas para produzir textos legíveis.
codigo f12 bet BBC News Brasil - Qual era a situação dos ex-escravizados que haviam sido libertos, muitos dos quais também atuavam como escribas e leitores?
codigo f12 bet Moss - Muitos continuavam morando nas casascodigo f12 betseus escravizadores e continuavam servindo a eles. Caso sentissem que um liberto tinha sido ingrato, os romanos debatiam no Senado sobrecodigo f12 betreescravização. Em determinadas situações, os libertos poderiam ser executados.
Há passagens na literatura romana sobre como os libertos eram obrigados a fornecer serviços sexuais a seus ex-escravizadores, principalmente no caso das mulheres.
Certamente não era uma liberdade da forma como pensamos atualmente.
codigo f12 bet BBC News Brasil - Seu livro cita exemplos específicos que indicam a colaboraçãocodigo f12 betescravizados e libertos na criação do Novo Testamento. Quais são alguns dos principais?
codigo f12 bet Moss - Sabemos que Paulo, que era um dos poucos autores cristãos da época com bom nívelcodigo f12 betinstrução, estava ditando. E sabemos disso porque ele próprio nos diz.
Sabemos o nome do escriba que escreveu a Epístola aos Romanos, Tércio, que significa apenas “terceiro”, e é o nome [comum]codigo f12 bettrabalhador escravizado.
Na Epístola aos Gálatas e na Primeira Epístola aos Coríntios, Paulo faz referência ao fatocodigo f12 betestar escrevendo partes das cartas sozinho, o que sugere que outra pessoa escreveu o resto. Ele efetivamente diz que foi coautorcodigo f12 betváriascodigo f12 betsuas cartas.
Em relação ao Evangelho Segundo Marcos, sabemos que Marcos era, na verdade, o secretáriocodigo f12 betPedro. A tradição [cristã] mais antiga nos diz que ele era um intérprete para Pedro, e podemos supor que um intérprete [na época] seria uma pessoa escravizada.
Quando você olha para os dados, a maioria dos intérpretes era escravizada. Então, essa primeira camada da tradição [cristã] faz com que Marcos pareça ser um tipocodigo f12 bettrabalhador escravizado.
Posteriormente, ele é [apresentado como] o primeiro bispocodigo f12 betAlexandria, mas não é isso que a tradição antiga diz.
Sabemos que todos os textos do Novo Testamento, quando copiados, teriam sido copiados por trabalhadores escravizados ou ex-escravizados. Esses eram textos muito longos, levavam muito tempo para serem copiados.
E quando você vê os nomescodigo f12 betalguns dos associadoscodigo f12 betPaulo, como Epafrodito ou Fortunato, esses são nomes [comuns]codigo f12 bettrabalhadores escravizados.
Se você olhar para as evidências, se deixarcodigo f12 betlado a tradição cristã e perguntar, dados seus nomes, dado o que estão fazendo, que tipocodigo f12 betpessoas eram eles, você dirá que eram escravizados. Essa seria a conclusão lógica.
codigo f12 bet BBC News Brasil - Alémcodigo f12 betcontribuir para a redação da Bíblia, pessoas escravizadas também ajudaram a espalhar o Evangelho. Como era esse trabalho?
codigo f12 bet Moss - Para espalhar o Evangelho, ele precisava ser levado por alguém [a locais distantes]. Viagens eram perigosas na Antiguidade e, por isso, essa tarefa costumava ser atribuiçãocodigo f12 bettrabalhadores escravizadoscodigo f12 betquem se podia confiar para transmitir as cartas com precisão.
Eles tinham que descobrir como chegar ao destino. Quando chegavam, tinham que decidir quando se anunciar e entregar a mensagem. E, se estivessemcodigo f12 betuma comunidade cristã, eram chamados a ler a mensagemcodigo f12 betvoz alta para o grupo.
Se você pensar nas Cartascodigo f12 betPaulo, ou nas cartascodigo f12 betoutras figuras do início do cristianismo, temos os nomescodigo f12 betalguns desses mensageiros, e são todos libertos ou trabalhadores escravizados.
Ao ler a mensagemcodigo f12 betvoz alta, o tomcodigo f12 betvoz e a ênfase, são muito importantes. Os gestos com as mãos, as expressões, tudo isso dependia da pessoa escravizada que estava interpretando o texto.
Naquele momento, eles se tornam a face do Evangelho. Eles são os intérpretes das escrituras.
Há várias evidências da Antiguidade tentando limitar a forma como os textos eram interpretados, porque havia preocupação com isso, com a influência da pessoa que faz a leitura.
[Esses mensageiros] também respondiam a perguntas. No caso das Cartascodigo f12 betPaulo, mesmo hojecodigo f12 betdia algumas pessoas têm dificuldadecodigo f12 betentender.
Paulo dava instruções aos mensageiros sobre como ler e como explicar as cartas. Sabemos disso porque ele próprio nos diz.
Se você estivessecodigo f12 betuma igreja hoje, esses mensageiros seriam a pessoa que faz a homilia e, muitas vezes, o sermão. Porque são eles que estão fazendo a interpretação dos textos.
codigo f12 bet BBC News Brasil - Durante quanto tempo durou esse processo,codigo f12 betque pessoas escravizadas participaram ativamente da composição e da disseminaçãocodigo f12 bettextos bíblicos?
codigo f12 bet Moss - Estamos falando realmente dos primeiros 200 anoscodigo f12 betque o cristianismo estava se espalhando. Os anos críticoscodigo f12 bettermoscodigo f12 betescrever, copiar e disseminar a mensagem. Todos os livros do Novo Testamento foram escritos nesse período.
Posteriormente, há um períodocodigo f12 betque se vê mais pessoas que são profissionais, mas que não são escravizadas, copiando os textos. E isso acontece por volta do século quatro. E então você vê o surgimento dos mosteiros, e a tarefacodigo f12 betcopiar os textos se torna domínio dos monges.
codigo f12 bet BBC News Brasil - Seu livro recebeu algumas críticas por usar "muitas conjecturas" e "especulação sobre o passado". Como foi feita acodigo f12 betpesquisa? E qual acodigo f12 betresposta a essas críticas?
codigo f12 bet Moss - Em relação à minha pesquisa, fiz uma sériecodigo f12 betcoisas. Porque é difícil, você está tentando contar as históriascodigo f12 betpessoas que foram deliberadamente apagadas da História.
É um desafio, mas não é sem precedentes. Estudiosos da História Atlântica já fizeram isso antes, e desenvolveram um método chamado fabulação crítica. Quando as pessoas dizem que estou sendo especulativa, o que querem dizer é que estou usando esse método.
Nesse método, sabemos que estamos tentando preencher lacunas e, portanto, sendo especulativos. Mas eu também diria que muitos estudos são especulativos sem reconhecer esse fato.
Não olhei apenas para o que os estudiosos da História Atlântica fazem, mas também para a história da ciência cognitiva, a história do trabalho [envolvido na escrita]codigo f12 betlivros.
Analisei amostras do período medieval, do século 17, do século 20, e ficou claro que, quando se tem funcionários administrativoscodigo f12 betbaixo escalão, eles sempre alteram o texto.
Li muitos estudos médicos para ver o quão grave teria sido a perdacodigo f12 betvisão durante a Antiguidade. Observei esqueletos, [para] evidênciascodigo f12 betartrite. Li muitos relatórios arqueológicos.
Pesquisei materiais que me eram muito familiares, como papiros antigos que registravam como as pessoas escreviam. Vi exemploscodigo f12 betpessoas escrevendo sobre trabalhadores escravizadoscodigo f12 bettextos.
Este é um livro escrito para todos, eu não queria que fosse muito técnico. Mas uma das coisas que fiz e que não tenho certeza se os críticos notaram foi criar um site com todos os recursos disponíveis,codigo f12 betforma gratuita, com links para as fontes primárias, para quem quiser ver as evidências.
Então acho que, quando as pessoas dizem que estou sendo especulativa, é porque sou muito transparente sobre onde há evidências melhores ou piores, e a maioria das pessoas não faz isso. A maioria apenas apresenta um argumento forte.
Em termoscodigo f12 betespeculação, eu estava dizendo coisas como: "Se sabemos que pessoas escravizadas trabalharam neste texto, e isso é um fato, que tipocodigo f12 betmudanças podemos imaginar que eles introduziram?"
E então eu procuraria, por exemplo, vocabulário que Paulo não usoucodigo f12 betsuas outras cartas, e o que isso poderia significar para trabalhadores escravizados [terem sido autores do texto].
Mas estava claro que eu estava dizendo "talvez tenha sido isso que aconteceu, porque não posso provarcodigo f12 betuma forma nemcodigo f12 betoutra".
E eu diria que também não se pode provar que foi Paulo [que escreveu]. É apenas uma suposição. Dizer que Paulo escreveu a Epístola aos Romanos, quando o que [o texto] diz é que Tércio escreveu, não é apenas especulação, é errado.
Eu diria que Paulo e Tércio escreveram a Epístola aos Romanos, e que não podemos ter certeza [do tamanho] da contribuiçãocodigo f12 betTércio. Mas isso não significa que devemos apagar Tércio da história.
codigo f12 bet BBC News Brasil - O que a senhora espera que as pessoas levem da leituracodigo f12 betseu livro?
codigo f12 bet Moss - Gostaria que pensássemoscodigo f12 betforma diferente sobre quem estamos lendo quando lemos a Bíblia.
Não é apenas um livrocodigo f12 betreis e bispos. É também uma coleçãocodigo f12 betlivros produzidos por pessoascodigo f12 betdiferentes setores da sociedade, que merecem visibilidade.
E, se pensarmos nelas, vamos ler as escriturascodigo f12 betmaneira diferente. Vamos perceber coisas que não havíamos notado.