O dicionário 'esquecido' da ditadura militar que associava maconha a conspirações comunistas:pandacasino

Crédito, Reprodução/Arquivo pessoal

Legenda da foto, Glossário foi encontrado pela BBC News Brasilpandacasinoacervo pessoalpandacasinofuncionária da UniversidadepandacasinoCambridge. Documento não constavapandacasinoacervo oficial da Polícia Federal nem do Ministério da Justiça e Segurança Pública

"Olha estas pintas, tudo acertado".

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Acertou quem as relacionou,pandacasinoalguma forma, à maconha.

As frases estariam relacionadas ao consumo da droga e ao seu comércio ilegal e seriam usadas por traficantes e usuários na décadapandacasino70 no Brasil.

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Uma toneladapandacasinococaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês

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Assim anotou um inspetor da Polícia Federal no GlossáriopandacasinoEntorpecentes e Drogas Afins, livro atribuído ao ServiçopandacasinoRepressão a Tóxicos e Entorpecentes, organização parte da estrutura da Polícia Federal responsável pela doutrina do tema na época, criadopandacasino1964.

Dizer frases como essas já seria suficiente para que alguém pudesse ficar sob suspeita das autoridades.

O documento esquecido, encontrado pela pandacasino BBC News Brasil, é um registro histórico do pensamento que guiou a atividade policial no início dos anos 70,pandacasinoplena ditadura militar, durante a ascensão do fenômeno internacional da guerra às drogas.

O livro tentava organizar termos e conceitos que poderiam ser usados para identificar supostos criminosos e reflete um momentopandacasinoque pouco se sabia na instituição sobre as drogas, seja sob o pontopandacasinovista científico, seja no sentidopandacasinorepressão ao tráfico. Um jornal chegou a chamar a obrapandacasino"a mais recente inovação no combate à ondapandacasinoalucinógenos",pandacasino1971.

Jornais da época mostravam um cenáriopandacasinoascensão do uso e comércio dessas substâncias, que preocupava autoridades na polícia e no governo. A interpretaçãopandacasinoparte delas — inclusive do chefe do órgãopandacasinorepressão às drogas que escreveu o glossário, segundo estes jornais — é que este fenômeno estava ligado a uma estratégia internacional do comunismopandacasino"estímulo ao vício".

Trechos do documento seriam reproduzidos por outras autoridades policiais por pelo menos uma década depois da publicação — a reportagem encontrou, por exemplo, uma versão semelhante do glossáriopandacasinoum relatório sobre drogas produzido pela Polícia MilitarpandacasinoSão Paulo nos anos 80.

Como chegamos ao glossário

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Exemplar do glossário estápandacasinoacervo pessoal

A reportagem teve acesso ao livro a partir do acervo pessoalpandacasinouma funcionária aposentada da UniversidadepandacasinoCambridge (na Inglaterra), que pediu para não ser identificada. A origem da cópia é desconhecida.

O glossário não aparece no arquivo oficial da Polícia Federal, que não respondeu perguntas sobre o documento, como quantos exemplares foram produzidos, por não tê-lo encontrado no acervo.

"Foi feita uma busca no acervo da biblioteca da DiretoriapandacasinoEnsino da Academia NacionalpandacasinoPolícia, bem comopandacasinoseu arquivo depositário e não foi identificada a referida obra", disse a PF,pandacasinonota. A instituição não quis comentar o teor da obra.

O glossário também não foi encontrado no acervo documental do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Uma menção ao documento aparece no catálogo da Biblioteca VirtualpandacasinoSaúde (BVS), mas o Ministério da Saúde diz que partepandacasinoseu acervo foi danificado e que este material se perdeu.

"Infelizmente, essa publicação estava nesse acervo. Apesarpandacasinoter sido catalogada, não há registrospandacasinocomo chegou ou quem doou", disse o órgão,pandacasinonota.

A reportagem buscou, então, confirmar a autenticidade do documentopandacasinoduas formas: primeiro, por meiopandacasinonotícias publicadas no início da décadapandacasino70, que citavam a criação do glossário e seu autor, o inspetor José Guimarães Alves.

Depois, procurou cópiaspandacasinooutros acervos até encontrar outra edição do mesmo glossário, com um título diferente, mas com teor idêntico, na Biblioteca Embaixador Antonio Francisco Azeredo da Silveira, do Ministério das Relações Exteriores. Por fim, foi possível encontrar também uma outra edição na biblioteca da Câmara dos Deputados.

O historiador Jonatas Carvalho, doutorpandacasinoSociologia e Direito na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador na mesma instituição, diz que o glossário tem valor histórico importante.

Ele lembra que os documentos produzidos pelo ServiçopandacasinoRepressão aos Tóxicos e Entorpecentes estão, na maior parte, desaparecidos, mas que o glossário provavelmente foi frutopandacasinouma campanha nacionalpandacasinocombate às drogas, iniciativa do governo do presidente Emilio Garrastazu Médici (1969-1974).

"O glossário, sem dúvida, é um achado", diz Carvalho.

Crédito, Reprodução/Arquivo pessoal

Legenda da foto, O termo "Assembléia" é descrito como uma reuniãopandacasino"fumadorespandacasinomaconha"

'Assembleia', 'new left', 'cultura pop' e combate ao comunismo

Diversos termos do glossário fazem menção a um vocabulário político, sem relação direta com drogas.

É o casopandacasino"Assembleia", catalogado como "grupopandacasinofumadorespandacasinomaconha, meetingpandacasinoviciadospandacasinomaconha ou diamba", ou "contestação", que significaria, segundo o documento "protesto jovem,pandacasinoconotação tóxica".

Há ainda outros exemplos: "ele é da política" significaria "da onda do fumo, linguagempandacasinomeliantes, tóxicos". Ou ainda "new left", traduzido como "nova esquerda, da pregação tóxica".

Outros termos são expressões usadas por jovens, também sem uma relação específica com uso ou comérciopandacasinodrogas.

Alguns exemplos são a expressão estarpandacasinobobeira ("estar sob os efeitospandacasinotóxicos", segundo o documento), transa ou transar ("trocapandacasinoobjetos por tóxicos"), cultura pop ("subcultura lisérgica" ou "contra-cultura canábica") e até mesmo curtição ("pormenores do efeito, as loucuras, fumar, tragar")

"Em meadospandacasino1970 se afunila a relação entre drogas e subversão", diz Carvalho, da UFF.

O pesquisador estudou o proibicionismo no Brasil a partir da criação da Comissão NacionalpandacasinoFiscalizaçãopandacasinoEntorpecentes, surgida no Itamaratypandacasino1936, e lembra que desde aquela época já eram produzidos documentos semelhantes sobre o tema, mas que não tinham um foco específicopandacasinoguiar a repressão.

"Este glossário parece ter um foco maior na orientação das forçaspandacasinosegurança", interpretou.

Notícias da época mostram que policiais eram orientados a se camuflar para encontrar os traficantes. "Os policiais usarão roupaspandacasinogaris, vassouras, perucas ou então macacõespandacasinoempresas distribuidoraspandacasinocerveja, gás e cigarro. Isso tudo visa a pegar os traficantespandacasinosurpresa", dizia uma nota do Jornal do Brasilpandacasinomarçopandacasino1971.

Crédito, Reprodução/Arquivo pessoal

Legenda da foto, Segundo glossário, os termos "transa" ou "transar" estavam relacionados à venda ou trocapandacasinoobjetos por drogas.

O professor e pesquisador Pedro Camargos, mestre e doutorandopandacasinosociologia pela FaculdadepandacasinoFilosofia, Letras e Ciências Humanas da UniversidadepandacasinoSão Paulo (FFLCH-USP), ressalta como o glossário ajuda a ilustrar a confusão existente à época entre o que é segurança contra crimes comuns e perseguição aos grupos políticospandacasinooposição.

"Cria-se a possibilidadepandacasinocombater, ao mesmo tempo, a criminalidade, mas tambémpandacasinoir atráspandacasinojovens que pudessem estar envolvidos com movimentospandacasinodissidência política, sob argumentopandacasinoque eles estariam com drogas".

Esta relação entre consumopandacasinodrogas e comunismo era estabelecidapandacasinoforma explícita pelo próprio governo. O organizador do glossário, José Guimarães Alves, chegou a divulgar durante o seu mandato um folheto chamado "Os Tóxicos no Contexto da Guerra Revolucionária", que defendia que o comunismo internacional estimularia a juventude a se viciarpandacasinodrogas, segundo jornais da época.

Desculpe, mas não é possível exibir esta parte da história nesta páginapandacasinoacesso resumidopandacasinocelular.

Segundo noticiou o Estadãopandacasinoagostopandacasino1970, o Itamaraty elogiou a atuaçãopandacasinoGuimarães e da PF e considerou "interessante" a tese do inspetorpandacasinoque "o comunismo esgotou todos os tipospandacasinoguerras convencionais e parte agora para a guerra neurotoxicológica."

Crédito, Acervo Estadão/Estadão Conteúdo

Legenda da foto, Recorte do Estadão,pandacasino20pandacasinoagostopandacasino1970

Cigarrospandacasinomaconha: fininho, normal e bomba

Júlio Delmanto, doutorpandacasinohistória social pela USP e autorpandacasinoCamaradas caretas: drogas e esquerda no Brasil, afirma que o material lembra uma peçapandacasinohumor, com teor pseudocientífico. "Ele procura informar, com um conteúdo altamente duvidoso, tanto sobre as propriedades das substâncias quanto sobre apandacasinocultura".

Ele cita, como exemplos, os termos "caquético canábico" (traduzido como "o fácies do vício canábico; apodrecimento dos pêlos, senilidade precoce e perdapandacasinosimetria") e "bombapandacasinoalegria" (que é traduzido para "gás lisérgico").

Delmanto destaca a tentativa do autor do glossáriopandacasinopassar a imagempandacasinoprecisão, como se tentasse produzir uma obra técnica. Um exemplo é quando se diferencia o tamanho dos cigarrospandacasinomaconha: fininho (uma grama), normal (1,7 grama) ou bomba (2,5 gramas).

"Sendo um policial, obviamente ele o faz (a descrição técnica e cultural das drogas)pandacasinoforma absolutamente incompetente. Isso não deixapandacasinoser muito representativo dos diversos fenômenos históricos e culturais que se entrecruzavam naquele momento (e até hoje) no consumo e na proibiçãopandacasinocertas drogas."

Delmanto lembra ainda que, quando Guimarães ocupava o cargo e possivelmente publicou o glossário pela primeira vez (entre 1970 e 1971), a guerra às drogas ainda não estava plenamente configurada no Brasil.

"Esse material me parece simbólico desse momento,pandacasinouma repressão ainda meio raiz, meio Sargento Pincel (famoso personagem da sériepandacasinoTV Os Trapalhões). O que não excluipandacasinocrueldade."

Crédito, Reprodução/Arquivo pessoal

Legenda da foto, Trecho do glossário com destaque ao termo "bomba"

Mestrepandacasinohistória pela UniversidadepandacasinoBrasília (UnB), Luiz Brandão pesquisou a relação entre drogas e política empandacasinodissertaçãopandacasinomestrado, cujo título é "Tóxico-subversão: anticomunismo e proibicionismo na construção do inimigo interno durante a Ditadura Militar no Brasil".

Ele vê uma tentativa, no glossário,pandacasinopassar uma imagempandacasinoobjetividade.

"É um material que vai circular apresentando-se como algo neutro, que vai apontar a políticapandacasinodrogas, não um material político. É uma autoridade da polícia que estudou o tema. Essa tentativapandacasinosistematizar um léxico, alémpandacasinoapresentar um discurso que se pretende imparcial, acaba também estruturando a linguagem, oferecendo uma gramática para o debate."

Ele cita, como exemplo, o termo "Assembleia", classificado como um encontro para fumar maconha pelo glossário. "Circunscreve o debate dentro do léxico que os autores tentam apresentar. Se o seu filho ou filha está num curso na universidade e o chamam para uma assembleia, isso quer dizer (segundo a obra) que lá vai ter jovens fumando maconha, se entorpecendo, usando tóxicos."

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Relatório da décadapandacasino80 produzido pela Polícia Militar do EstadopandacasinoSão Paulo traz citação ao glossário com gírias usadas por "usuários e traficantespandacasinodrogas"

Faltapandacasinoconhecimento entre os policiais

Guimarães Alves, organizador do glossário e chefe do setor responsável por drogas na PF naquela época, se queixava publicamente da faltapandacasinoinformação epandacasinopreparo dos policiais sobre o tema. "É lamentável a insipiênciapandacasinonossos homens no tocante ao mínimopandacasinoconhecimento dos toxicômanos", disse ele, segundo notícia veiculada no Jornal do Brasilpandacasinomaiopandacasino1970.

Ele também afirmou que a orientação da PF naquele momento erapandacasinofazer um trabalho "mais profilático" do que "repressivo".

O inspetor acreditava que uma campanha nacional "alertaria a juventude e faria ela engajar-se na luta que a Polícia Federal vem travando contra as drogas."

A primeira menção ao GlossáriopandacasinoEntorpecentespandacasinoDrogas Afins, organizado por ele, aparecepandacasinouma notícia dentropandacasinouma edição do Jornal do Brasilpandacasinojaneiropandacasino1971.

O contexto era a divulgação oficial da saídapandacasinoGuimarães do cargo.

Um inspetorpandacasinopolícia chamado Carl Grobman assumiria o cargo nos próximos dias. "Até apandacasinoposse continuará respondendo pelo cargo o sr. Guimarães Alves, que preparou para seu sucessor um glossário toxicológico que contará, inclusive, com o linguajar usado pelos viciados", diz a nota.

Segundo esta notícia, Guimarães também deixou preparado um planopandacasinoações para o sucessor, "com o objetivo principalpandacasinoalertar o brasileiro para os males causados pelo uso da droga."

A estratégia envolvia a estruturação da Polícia Federal para o combate às drogas e divulgação do trabalho para a população, com a publicaçãopandacasinoartigos da "escalada nacionalpandacasinorepressão aos entorpecentes" para estudantes, um planopandacasinodestruição do "polígono nordestino da maconha", a realizaçãopandacasinoum congresso nacionalpandacasinoentorpecentes e sistematizaçãopandacasinoarquivos sobre o tema.

Outra notícia, publicada na mesma semana, dizia que o glossário sobre drogas também foi encaminhado à censura e diz que os termos deveriam ter a divulgação proibidapandacasinomúsicas, filmes, programaspandacasinotelevisão e chargespandacasinojornais pois, "são palavras que inspiram e disseminam a toxicomania".

A reportagem dizia que o glossário "vasculhou o Brasil e também o estrangeiro para se organizarpandacasinoindexpandacasinodemonologia". O texto, que não é assinado, termina com uma crítica, afirmando que o glossário "vai tumultuar ainda mais as atividades da censura", pois "vai dar ocupação aos que acham que as palavras e não coisas é que constituem crime."

Crédito, Polícia Militar do EstadopandacasinoSão Paulo

Legenda da foto, O glossário seria usado como referência por policiais por muitos anos. A reportagem encontrou uma mençãopandacasinoum relatório da Polícia Militar do EstadopandacasinoSão Paulo, do fim dos anos 80.

Organizador da obra acendeu cigarropandacasinomaconhapandacasinopalestra e precisou se explicar

José Guimarães Alves deixaria também para seu sucessor, segundo a notícia, um "museupandacasinotóxicos" com folhaspandacasinococa (matéria-prima da cocaína), cocaínapandacasinopó epandacasinocomprimidos, péspandacasinomaconha, maconhapandacasinofolhas secas epandacasinoformapandacasinocigarro, vidros com comprimidospandacasinoLSD, dentre outros itens.

O inspetor tinha o costume, segundo notícias da época,pandacasinolevar maletas "estilo 007"pandacasinosuas palestras e apresentar drogas para o auditório. Chegou ao pontopandacasinoacender cigarrospandacasinomaconha "para que o público sentisse o seu cheiro".

Em suas falas, Alves citava diversos números, sem esclarecer a fonte, bem como dava dicaspandacasinocomo identificar usuáriospandacasinodrogas.

Em uma palestra realizada na UniversidadepandacasinoBrasília,pandacasino1970, ele afirmou que metade dos jovenspandacasinotodo o mundo estavam usando drogas, especialmente os europeus, e que o problema "está estreitamente relacionado com as feiraspandacasinosexo que se realizam na Europa, onde existem até livrospandacasinoculinária ensinando a fazer comida impregnadapandacasinodrogas", segundo notícia veiculada no Jornal do Brasil.

Teria dito ainda que "95% das jovens que usam drogas não são virgens" e que "70% dos fumantespandacasinomaconha não mais trabalham", segundo divulgado na imprensa da época.

Uma dessas palestras causou controvérsia, quando ele "queimou um poucopandacasinomaconha e distribuiu-a aos 200 alunos e professores presentes", na UnB, e "pediu depois permissão ao reitor para que um voluntário fumasse um pouco da erva." No mesmo dia, ele teria dito que era favorável à liberação da maconha, mas não no Brasil, por não ser um país desenvolvido.

Alves tevepandacasinoprestar esclarecimentos depois do evento, negando ter oferecido cigarros aos alunos. "O que o conferencista fez foi queimar maconha no auditório Dois Candangos (na UnB) para que os presentes sentissem o odor da erva epandacasinoqualquer ocasião pudessem eventualmente detectar o usopandacasinomaconhapandacasinoambientes fechados, como clubes e semelhantes", afirmou.

Crédito, Acervo Estadão/Estadão Conteúdo

Legenda da foto, Chefe da áreapandacasinocombate às drogas na Polícia Federal ensina a detectar viciadospandacasinodrogas. Reportagem no Estadãopandacasino3pandacasinodezembropandacasino1970

Guimarães Alves também deu dicas sobre como identificar um usuáriopandacasinodrogas. O jornal O EstadopandacasinoSão Paulo registrou,pandacasinodezembropandacasino1970, uma notícia com uma listapandacasinosinais, segundo o inspetor da PF, que incluíam, segundo o jornal publicou: não prestar atenção à aula, fazer deveres mal-feitos, ter aparência doentia, faces amarelas e órbitas abertas, fazer usopandacasinoóculos escurospandacasinohoras inadequadas e camisaspandacasinomangas compridas, pedir dinheiro emprestado aos colegas e roubar pequenos objetos, permanecerpandacasinolugares estranhos durante o dia, ficar irritado, com o nariz escorrendo e dormir na sala.

A mesma reportagem divulga um "levantamento feitopandacasinoBrasília" apresentado por Guimarães Alves, que indicaria a porcentagempandacasinousopandacasinodrogas por profissão, incluindo funcionários públicos, estudantes universitários, domésticas, prostitutas e outros.

A pandacasino BBC News Brasil pediu à Polícia Federal, por meio da LeipandacasinoAcesso à Informação, o histórico funcionalpandacasinoGuimarães Alves, mas a instituição negou os dados sob alegaçãopandacasinoque eles seriam "de cunho pessoal" , mesmo após maispandacasinomeio século depoispandacasinoele ter ocupado o cargo.

Embora a Lei GeralpandacasinoProteçãopandacasinoDados (LGPD) não resguarde informações profissionaispandacasinoservidores públicos relacionadas aos cargos por eles ocupados na vida pública, a PF tem conseguido driblar a regra a partirpandacasinobrechas legais diversas.

No portal da transparência há o registropandacasinoum único delegado da PF aposentadopandacasinonome José Guimarães Alves, com a informaçãopandacasinoque ele faleceupandacasino2005 e deixou uma pensãopandacasinoR$ 29,6 mil para a esposa. A família confirmou à reportagem que se trata da mesma pessoa (mais informações abaixo).

'Meu pai foi um pioneiro no país', diz filhopandacasinoautor do glossário

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Retrato do delegado José Guimarães Alves, autor do glossário,pandacasinoconferência. A imagem épandacasino1971, segundo a família.

O empresário e consultor Disraelli Galvão, filho do delegado José Guimarães Alves, se surpreendeu ao saber, pela reportagem, sobre a repercussão que o glossário teve à época. Ele disse ter cópias do documentopandacasinocasa, mas que não tinha conhecimentopandacasinosua influência.

"Nunca imaginei que esse livro tivesse sido sequer utilizado ou repercutido."

Galvão foi sócio-fundador da Seta Public Affairs Solutions, agênciapandacasinorelações públicas da FSB Holding, um dos maiores grupos do ramo no país, e hoje possui uma outra agência no mesmo setor.

Ele defendeu a atuação do paipandacasinoentrevista à pandacasino BBC News Brasil e acredita que o livro não tinha como objetivo fazer perseguição política. "Ele era uma pessoa muito integra e que nunca se dobrou aos comandos questionáveis dos generais da época da ditadura", disse.

Galvão diz que o pai tinha uma "missão única"pandacasinocombater as drogas, como crença pessoal, que seria baseada empandacasinoformação como teólogo, filósofo e advogado. "Foi um cara que se dedicou muito à igreja, um pastor adventista."

Para ele, o pai foi um pioneiro no combate às drogas no país. "Ele que idealizou e iniciou o combate organizado às drogas. A gente não via esse fenômenopandacasinohoje,pandacasinocrime organizado, com as facções presentespandacasinotodos os estados. Todo o início organizadopandacasinocombate ao tráfico e drogas no Brasil se iniciou nesse movimento."

Ele acredita que o objetivo do pai com a produção do livro fosse técnica. "Nunca foi essa intenção (de uso contra um lado político), maspandacasinoidentificar quais eram os termos, o vocabulário utilizado neste ambientepandacasinoconsumopandacasinodrogas. Ele nunca se prestou a um papelpandacasinocumpridor cegopandacasinoordens para combatepandacasinoquem quer que fosse."

"Ele jamais se propôs a idealizar uma obra que fosse instrumentalizada para combater ideologiaspandacasinoum lado oupandacasinooutro. Esse não era o papel dele. Ele tinha uma formação intelectual muito sólida."

O filho diz que o pai teria, inclusive, se recusado a participarpandacasinoinvasões à UnB, por considerar o ato um "exagero". "Meu pai se indispôs, descumpriu algumas ordens, e a partir desse momento se iniciou o fim da carreira dele, por não se sujeitarpandacasinomaneira cega às ordens que ele recebia."

Ele relata que, depoispandacasinoaposentado, o pai trabalhou com a pecuária e o plantiopandacasinocafépandacasinoGoiás até falecer,pandacasino2005, aos 75 anos.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, O delegado que escreveu o livro, José Guimarães Alves, faleceupandacasino2005. Aposentado, ele passou a trabalhar com pecuária e plantiopandacasinocafépandacasinoGoiás

Influência dos EUA

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Na mesma época do lançamento do glossário começava a chamada "guerra às drogas" nos Estados Unidos, liderada pelo governo do presidente Richard Nixon.

A professorapandacasinorelações internacionais da PUC-SP, Priscila Villela, lembra que a décadapandacasino70 foi o momentopandacasinodesenvolvimentopandacasinouma política nacionalpandacasinodrogas. Em 1976 foi aprovada a lei dos tóxicos. "Foi a primeira lei autônoma a tratar do tema das drogaspandacasinotodas as esferas, do cultivo ao consumo."

Não é coincidência, argumenta ela, que nesta mesma época estivesse acontecendo a chamada "guerra às drogas" nos Estados Unidos, liderada pelo governo do presidente Richard Nixon. "O proibicionismo não era uma novidade no Brasil, mas ele se moderniza incorporando as terminologias, práticas, normas e instituições internacionais."

Ela cita, como exemplo dessa internacionalização, as três convenções das Nações Unidas sobre o controlepandacasinodrogas, criadas entre 1961 e 1988, que depois seriam incorporadas na legislação brasileira.

Villela, que tem se dedicado a estudar a influência dos EUA no treinamentopandacasinoautoridades policiaispandacasinodiversos países, inclusive no Brasil, lembra que a criaçãopandacasinomanuais sobre drogas era comum entre os americanos e sugere a possibilidadepandacasinoque o glossário da Polícia Federal seja um reflexo dessa influência.

Há,pandacasinofato, mençõespandacasinojornais a visitas e treinamentos feitos por autoridades dos EUA na mesma época, bem como uma preocupação com a ascensão do tráfico no Brasil.

Uma notíciapandacasino1970 dizia que técnicos do departamentopandacasinonarcóticos do governo americano iriam ao Brasil para instruir a Polícia Federal "na identificação dos tóxicos". Outra notícia diz que a Interpol acreditava que o Brasil se tornaria "um dos maiores centrospandacasinodistribuiçãopandacasinoentorpecentes do mundo, principalmente devido às dificuldadespandacasinopoliciamentopandacasinoamplas áreas do território nacional."

Os dispositivos legais criados nos anos 70 na guerra às drogas, e com forte inspiração nos EUA, ofereceram as estruturas para o que é aplicado ainda nos diaspandacasinohoje, segundo a especialista.

"Embora a Constituiçãopandacasino1988 tenha trazido várias garantiaspandacasinoproteção aos direitos humanos, é interessante notar que,pandacasinoforma contraditória, a pauta penal e criminal se endureceu muito desde então", diz. "Houve um agravamento das penalidades, com o tráfico sendo equiparado aos crimes hediondos."

Para ela, houve um redirecionamento do aparato repressivo do Estado da pautapandacasinocombate ao comunismo para o combate às drogas. "O que a gente faz com essa polícia toda, que tortura, que faz operação extrajudicial? A guerra às drogas caiu como uma luva para a polícia, que passa a ressignificar o seu trabalho. Tem um legado importante que vem desse período até hoje."

Para acessar a cópia integral do glossário, clique aqui.

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Apreensãopandacasinodrogaspandacasinonovembropandacasino1972 no RiopandacasinoJaneiro